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terça-feira, 29 de dezembro de 2020

'Canção do Exílio', poema de Gonçalves Dias



"Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabiá;

As aves, que aqui gorjeiam,

Não gorjeiam como lá.


Nosso céu tem mais estrelas,

Nossas várzeas têm mais flores,

Nossos bosques têm mais vida,

Nossa vida mais amores.


Em cismar, sozinho, à noite,

Mais prazer encontro eu lá;

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabiá.


Minha terra tem primores,

Que tais não encontro eu cá;

Em cismar — sozinho, à noite —

Mais prazer encontro eu lá;

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabiá.


Não permita Deus que eu morra,

Sem que eu volte para lá;

Sem que desfrute os primores

Que não encontro por cá;

Sem qu’inda aviste as palmeiras,

Onde canta o Sabiá."


Fonte:

Poema transcrito do livro: "Canção do Exilio", por Gonçalves Dias

"Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o sabiá;

As aves, que aqui gorjeiam,

Não gorjeiam como lá."


Este livro faz parte da coleção Poesia para todas as idades...

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Roger Waters e alguns de seus pensamentos arrebatadores

Sir Roger Waters - divulgação - internet

"Quando a roda de dor para de girar

E o ferro em brasa ardente pára

Quando as crianças podem ser filhos

Quando o desesperado enfraquecer

Quando a maré chegar a cumprimentá-los

E a lei natural da ciência

Cumprimenta os humildes e os poderosos

E um bilhão de velas queimando

Acende o lado escuro de cada mente humana."


“Eu poderia ter sido um arquiteto, mas eu não acho que eu seria muito feliz. Quase toda a arquitetura moderna é um jogo bobo, tanto quanto eu posso ver."


"Quem é o mais forte, quem é o melhor, quem segura os ases, no Oriente ou no Ocidente. Esta é a merda que nossas crianças estão aprendendo."


"Cada pequena vela Acende um canto da escuridão."


"É muita gentileza para nós

Caso gentileza seja arquivada juntamente com empatia

Nós sentimos pela criança

Cada vez que uma bomba inteligente faz sua mira e erra

Filho de outra pessoa morre em ações de aumento de defesa

América, América, por favor nos ouve quando chamamos

Você tem hip-hop, be-bop agitação, e agitação

Você tem Atticus Finch

Você tem Jane Russell

Você tem a liberdade de expressão

Você tem grandes praias, sertões e centros comerciais

Não deixe o poder, a direita cristã, foda-se tudo

Para você e para o resto do mundo."


"Fomos contratados para fazer um álbum de trilha sonora, mas realmente não tivemos material suficiente para fazer isso."


"Confesso que nunca me senti como um passageiro."


"Eu estou em concorrência comigo e eu estou perdendo."


"Eu acho que Syd estava destinado a ficar louco com ou sem ácido, francamente, mas não há dúvida que, certamente, ácido e hash tenha agravando em que a coleta de sintomas que chamamos de esquizofrenia. Você não poderia encontrar qualquer coisa mais provável para acelerar ou agravar os sintomas."


"Toda a minha vida tenho estado preocupado com a grande tragédia de perder a família em guerras. A dor de perder um pai ou uma criança (um ato de) violência que é propositadamente e diretamente gerado por forças políticas, é de certa forma mais difícil de suportar do que se alguém morre digamos em um acidente. A morte parece mais evitável."


"É ótimo ser convidado por Bob para ajudar a sensibilizar a opinião pública sobre a dívida do terceiro mundo e da pobreza."


Roger Waters


George Roger Waters, nascido no Reino Unido, em 6 de setembro de 1943, é um músico, cantor e compositor inglês. É um dos fundadores da banda de rock progressivo/rock psicodélico Pink Floyd, na qual atuou como baixista e vocalista. Após a saída de Syd Barrett do grupo, em 1968, Waters se tornou o letrista da banda, o principal compositor e o líder conceitual do grupo. Clique aqui, conheça mais e adquira a obra deste grande nome da cultura mundial...

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Negrinha, de Monteiro Lobato


Este conto de Monteiro Lobato, narra a vida triste de uma menina que ficou órfã aos 4 anos de idade. Ela vivia assustada. Era muito pequenina quando sua mãe, uma escrava, tapava-lhe a boca para que sua senhora não ouvisse o choro da menina.

A senhora se chamava 'Santa' Inácia. Uma mulher triste, amarga e malvada, que ficara viúva e não tinha filhos. Talvez por este motivo Dona Inácia não gostava de crianças e ficava profundamente perturbada ao ouvir uma chorar.

Quando a mãe da menina morreu, Inácia mantinha a menininha sempre ao seu lado e a pobrezinha mal podia se mexer. Dona Inácia costuma exclamar:

"— Sentadinha aí, e bico, hein?

Negrinha imobilizava-se no canto, horas e horas.

— Braços cruzados, já, diabo!"

A má senhora, D. Inácia, nunca lhe dera um carinho sequer e costumava se dirigir à menininha utilizando-se de apelidos terríveis, mas mesmo assim afirmava ter um coração caridoso, por criar a órfã. Além disso, todo os outros moradores da casa viviam batendo na criança, que tinha no corpo e na alma marcas profundas deixadas pelas agressões sofridas.

No início de uma temporada, D. Inácia recebeu em casa duas sobrinhas pequenas para passar as férias com ela. De maneira inesperada, D. Inácia deixou a pobre órfã brincar com as suas sobrinhas, e foi nessa oportunidade que Negrinha viu uma boneca pela primeira vez e que brincou com outras crianças.

A partir daí, e com o regresso das sobrinhas, Negrinha caiu numa depressão profunda. Deixando de comer e sem alegria nenhuma, permaneceu detida numa esteira até morrer. É um conto indicado para quem está precisando derramar lágrimas, ao refletir como era dura a vida do povo negro nos tempos da escravidão e como eram tratados com maldade e indiferença. Um conto realmente tocante, do genial Monteiro Lobato.


'Negrinha'

por Monteiro Lobato


Monteiro Lobato: 'Negrinha'

"Negrinha é um livro de contos ficcional escrito por Monteiro Lobato, publicado em 1920. O livro era constituído na primeira edição apenas pelos contos 'Negrinha', 'Fitas da Vida', 'O drama da geada', 'O Bugio moqueado', 'O jardineiro Timóteo' e 'O colocador de pronomes'.

Muitos consideram que neste livro estão os melhores contos escritos por Lobato. Sem dúvida são os mais emotivos e que mais agradaram ao público. Alguns contos foram escritos antes de sua viagem aos Estados Unidos, outros depois do retorno.

O livro contém verdadeiras preciosidades no tratamento do idioma e os personagens são mais urbanos e mais mundanos que os dos livros anteriores. "Aqui encontramos um painel que vai da farsa à tragédia, do sarcasmo à compaixão, passando pelo drama pungente da filha de uma ex-escrava."

Clique aqui para adquirir o livro ou eBook...

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Oswald de Andrade: "A Descoberta"


"Seguimos nosso caminho por este mar de longo

Até a oitava da Páscoa

Topamos aves

E houvemos vista de terra

os selvagens

Mostraram-lhes uma galinha

Quase haviam medo dela

E não queriam por a mão

E depois a tomaram como espantados

primeiro chá

Depois de dançarem

Diogo Dias

Fez o salto real

as meninas da gare

Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis

Com cabelos mui pretos pelas espáduas

E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas

Que de nós as muito bem olharmos

Não tínhamos nenhuma vergonha."

Oswald de Andrade


Fonte: ANDRADE, Oswald. Poesias Reunidas (Companhia das Letras; 1ª edição)

Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978 

sábado, 28 de novembro de 2020

'Soneto de Fidelidade', por Vinícius de Moraes


"De tudo, ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.


Quero vivê-lo em cada vão momento

E em louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento.


E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama


Eu possa me dizer do amor (que tive):

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure."

Vinícius de Moraes



Recomendado: clique aqui e tenha acesso para adquirir a obra de Vinícius de Moraes...


domingo, 22 de novembro de 2020

'Pode UC O orgulho na pantera', música libertadora de Tupac


"Diz-se que todo ato revolucionário é um ato de amor

E este é um ato de amor

Todo o poder ao povo


Eu disse que o P é de poder, de A para a ação

O NT, porque agora é o momento para fazê-lo

Veja o C é para o coração, e E para o efeito

Os R mantenha-o no fim do respeito

Quem sou eu?

A pantera


Quem sou eu? A pantera

Quem sou eu? A pantera

O que eu tenho Eu tenho alma, o que eu tenho Eu tenho amor

O que eu tenho eu tenho orgulho, o que eu quero ser LIVRE

Levante suas mãos no ar se você se sentir como eu


Quem sou eu? A pantera

Quem sou eu? A pantera

O que eu tenho Eu tenho alma, o que eu tenho Eu tenho amor

O que eu tenho eu tenho orgulho, o que eu quero ser LIVRE


Levante suas mãos no ar se você se sentir como eu

Você pode ver o orgulho na pantera


Como ele brilha em esplendor e graça?

Mesmo com obstáculos colocados

No caminho da evolução de sua raça?

Você pode ver o orgulho na pantera


Como ela alimenta seus filhos, sozinho?

A semente deve crescer, não obstante

Do fato de que é plantada na pedra

Você não pode ver o orgulho dos panteras


Como eles unificam, como uma?

A flor desabrocha com brilho

E supera os raios do sol

Suplanta, como o sol

Brilha como o sol

Brilha como o sol

Traz a luz, como o sol


P é de poder, de A para a ação

O NT, porque agora é o momento para fazê-lo

Veja o C é para o coração, e E para o efeito

Os R mantenha-o no fim do respeito


Quem sou eu?

A pantera

Quem sou eu? A pantera

Quem sou eu? A pantera


O que eu tenho Eu tenho alma, o que eu tenho Eu tenho amor

O que eu tenho eu tenho orgulho, o que eu quero ser LIVRE

Levante suas mãos no ar se você se sentir como eu..."


"Esta música é dedicada a todos aqueles que vivem e morrem para a luta

Panteras, filhos dos Panteras, ou todos aqueles que se esforçam para

Mentes livres, almas livres, corpos livres ..

E o amor .. amor .. o amor é o motor da revolução."

Tupac


Tupac Amaru Shakur (1971/1996), conhecido também como 2Pac, foi um famoso e influente rapper norte-americano. Ativista da causa negra, é considerado por muitos como um dos melhores e mais importantes rappers de todos os tempos. Clique aqui e conheça a libertadora obra de Tupac...


quarta-feira, 11 de novembro de 2020

'O Cão Sem Plumas', por João Cabral de Melo Neto

Poema integrante da obra 'O cão sem plumas', 1º poema de fôlego de João Cabral de Melo Neto, lançado em 1950, foi uma criação decisiva do jovem poeta, que na época vivia em Barcelona, com 30 anos. Este volume reúne também os quatro primeiros livros do poeta - 'Pedra do sono,' 'Os três mal-amados,' 'O engenheiro' e 'Psicologia da composição,' além de seus primeiros poemas, escritos entre 1937 e 1940, mas só publicados décadas mais tarde. Juntas, essas obras nos mostram os passos iniciais do poeta, que atingiu muito cedo a maturidade artística, criando uma obra inigualável na poesia brasileira.


 "A cidade é passada pelo rio

como uma rua

é passada por um cachorro;

uma fruta

por uma espada.


O rio ora lembrava

a língua mansa de um cão

ora o ventre triste de um cão,

ora o outro rio

de aquoso pano sujo

dos olhos de um cão.


Aquele rio

era como um cão sem plumas.

Nada sabia da chuva azul,

da fonte cor-de-rosa,

da água do copo de água,

da água de cântaro,

dos peixes de água,

da brisa na água.


Sabia dos caranguejos

de lodo e ferrugem.


Sabia da lama

como de uma mucosa.

Devia saber dos povos.

Sabia seguramente

da mulher febril que habita as ostras.


Aquele rio

jamais se abre aos peixes,

ao brilho,

à inquietação de faca

que há nos peixes.

Jamais se abre em peixes."


João Cabral de Melo Neto


Fonte: poema integrante da obra 'O cão sem plumas', 1º poema de fôlego de João Cabral de Melo Neto, lançado em 1950, foi uma criação decisiva do jovem poeta, que na época vivia em Barcelona, com 30 anos. Este volume reúne também os quatro primeiros livros do poeta - 'Pedra do sono', 'Os três mal-amados', 'O engenheiro' e 'Psicologia da composição', além de seus primeiros poemas, escritos entre 1937 e 1940, mas só publicados décadas mais tarde. Juntas, essas obras nos mostram os passos iniciais do poeta, que atingiu muito cedo a maturidade artística, criando uma obra inigualável na poesia brasileira.


quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Olavo Bilac: 'Via-Láctea' XIII

 Via-Láctea XIII


Poema Via-Láctea (13º) de Olavo Bilac, escrito com imagem da Via-Láctea ao fundo

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo

Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,

Que, para ouvi-las, muita vez desperto

E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto

A via-láctea, como um pálio aberto,

Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,

Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!

Que conversas com elas? Que sentido

Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi:”Amai para entende-las!

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e de entender estrelas”.


Olavo Bilac



quinta-feira, 29 de outubro de 2020

'A máquina do mundo', por Carlos Drummond de Andrade

"E como eu palmilhasse vagamente  uma estrada de Minas, pedregosa,  e no fecho da tarde um sino rouco    se misturasse ao som de meus sapatos  que era pausado e seco; e aves pairassem  no céu de chumbo, e suas formas pretas    lentamente se fossem diluindo  na escuridão maior, vinda dos montes  e de meu próprio ser desenganado,    a máquina do mundo se entreabriu  para quem de a romper já se esquivava  e só de o ter pensado se carpia.    Abriu-se majestosa e circunspecta,  sem emitir um som que fosse impuro  nem um clarão maior que o tolerável    pelas pupilas gastas na inspeção  contínua e dolorosa do deserto,  e pela mente exausta de mentar    toda uma realidade que transcende  a própria imagem sua debuxada  no rosto do mistério, nos abismos.    Abriu-se em calma pura, e convidando  quantos sentidos e intuições restavam  a quem de os ter usado os já perdera    e nem desejaria recobrá-los,  se em vão e para sempre repetimos  os mesmos sem roteiro tristes périplos,    convidando-os a todos, em coorte,  a se aplicarem sobre o pasto inédito  da natureza mítica das coisas,    assim me disse, embora voz alguma  ou sopro ou eco ou simples percussão  atestasse que alguém, sobre a montanha,    a outro alguém, noturno e miserável,  em colóquio se estava dirigindo:  "O que procuraste em ti ou fora de    teu ser restrito e nunca se mostrou,  mesmo afetando dar-se ou se rendendo,  e a cada instante mais se retraindo,    olha, repara, ausculta: essa riqueza  sobrante a toda pérola, essa ciência  sublime e formidável, mas hermética,    essa total explicação da vida,  esse nexo primeiro e singular,  que nem concebes mais, pois tão esquivo    se revelou ante a pesquisa ardente  em que te consumiste... vê, contempla,  abre teu peito para agasalhá-lo."    As mais soberbas pontes e edifícios,  o que nas oficinas se elabora,  o que pensado foi e logo atinge    distância superior ao pensamento,  os recursos da terra dominados,  e as paixões e os impulsos e os tormentos    e tudo que define o ser terrestre  ou se prolonga até nos animais  e chega às plantas para se embeber    no sono rancoroso dos minérios,  dá volta ao mundo e torna a se engolfar  na estranha ordem geométrica de tudo,    e o absurdo original e seus enigmas,  suas verdades altas mais que tantos  monumentos erguidos à verdade;    e a memória dos deuses, e o solene  sentimento de morte, que floresce  no caule da existência mais gloriosa,    tudo se apresentou nesse relance  e me chamou para seu reino augusto,  afinal submetido à vista humana.    Mas, como eu relutasse em responder  a tal apelo assim maravilhoso,  pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,    a esperança mais mínima — esse anelo  de ver desvanecida a treva espessa  que entre os raios do sol inda se filtra;    como defuntas crenças convocadas  presto e fremente não se produzissem  a de novo tingir a neutra face    que vou pelos caminhos demonstrando,  e como se outro ser, não mais aquele  habitante de mim há tantos anos,    passasse a comandar minha vontade  que, já de si volúvel, se cerrava  semelhante a essas flores reticentes    em si mesmas abertas e fechadas;  como se um dom tardio já não fora  apetecível, antes despiciendo,    baixei os olhos, incurioso, lasso,  desdenhando colher a coisa oferta  que se abria gratuita a meu engenho.    A treva mais estrita já pousara  sobre a estrada de Minas, pedregosa,  e a máquina do mundo, repelida,    se foi miudamente recompondo,  enquanto eu, avaliando o que perdera,  seguia vagaroso, de mãos pensas."

"E como eu palmilhasse vagamente

uma estrada de Minas, pedregosa,

e no fecho da tarde um sino rouco


se misturasse ao som de meus sapatos

que era pausado e seco; e aves pairassem

no céu de chumbo, e suas formas pretas


lentamente se fossem diluindo

na escuridão maior, vinda dos montes

e de meu próprio ser desenganado,


a máquina do mundo se entreabriu

para quem de a romper já se esquivava

e só de o ter pensado se carpia.


Abriu-se majestosa e circunspecta,

sem emitir um som que fosse impuro

nem um clarão maior que o tolerável


pelas pupilas gastas na inspeção

contínua e dolorosa do deserto,

e pela mente exausta de mentar


toda uma realidade que transcende

a própria imagem sua debuxada

no rosto do mistério, nos abismos.


Abriu-se em calma pura, e convidando

quantos sentidos e intuições restavam

a quem de os ter usado os já perdera


e nem desejaria recobrá-los,

se em vão e para sempre repetimos

os mesmos sem roteiro tristes périplos,


convidando-os a todos, em coorte,

a se aplicarem sobre o pasto inédito

da natureza mítica das coisas,


assim me disse, embora voz alguma

ou sopro ou eco ou simples percussão

atestasse que alguém, sobre a montanha,


a outro alguém, noturno e miserável,

em colóquio se estava dirigindo:

"O que procuraste em ti ou fora de


teu ser restrito e nunca se mostrou,

mesmo afetando dar-se ou se rendendo,

e a cada instante mais se retraindo,


olha, repara, ausculta: essa riqueza

sobrante a toda pérola, essa ciência

sublime e formidável, mas hermética,


essa total explicação da vida,

esse nexo primeiro e singular,

que nem concebes mais, pois tão esquivo


se revelou ante a pesquisa ardente

em que te consumiste... vê, contempla,

abre teu peito para agasalhá-lo."


As mais soberbas pontes e edifícios,

o que nas oficinas se elabora,

o que pensado foi e logo atinge


distância superior ao pensamento,

os recursos da terra dominados,

e as paixões e os impulsos e os tormentos


e tudo que define o ser terrestre

ou se prolonga até nos animais

e chega às plantas para se embeber


no sono rancoroso dos minérios,

dá volta ao mundo e torna a se engolfar

na estranha ordem geométrica de tudo,


e o absurdo original e seus enigmas,

suas verdades altas mais que tantos

monumentos erguidos à verdade;


e a memória dos deuses, e o solene

sentimento de morte, que floresce

no caule da existência mais gloriosa,


tudo se apresentou nesse relance

e me chamou para seu reino augusto,

afinal submetido à vista humana.


Mas, como eu relutasse em responder

a tal apelo assim maravilhoso,

pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,


a esperança mais mínima — esse anelo

de ver desvanecida a treva espessa

que entre os raios do sol inda se filtra;


como defuntas crenças convocadas

presto e fremente não se produzissem

a de novo tingir a neutra face


que vou pelos caminhos demonstrando,

e como se outro ser, não mais aquele

habitante de mim há tantos anos,


passasse a comandar minha vontade

que, já de si volúvel, se cerrava

semelhante a essas flores reticentes


em si mesmas abertas e fechadas;

como se um dom tardio já não fora

apetecível, antes despiciendo,


baixei os olhos, incurioso, lasso,

desdenhando colher a coisa oferta

que se abria gratuita a meu engenho.


A treva mais estrita já pousara

sobre a estrada de Minas, pedregosa,

e a máquina do mundo, repelida,

Claro Enigma (C.D.A.)

se foi miudamente recompondo,

enquanto eu, avaliando o que perdera,

seguia vagaroso, de mãos pensas."





Fonte: Carlos Drummond de Andrade, in 'Claro Enigma' (Companhia das Letras; 1ª edição, 2012) - Imagem: Pintura de Carlos Drummond de Andrade, inspirada no poema 'A Máquina do Mundo' - desconheço o autor da obra de arte, se alguém souber, por favor escreva nos comentários para o devido crédito. No rodapé a reprodução da assinatura do autor (C.D.A.) Google Images, com inserção de trecho do poema. Cite a fonte!

terça-feira, 13 de outubro de 2020

Quero observar os astros... Qual telescópio devo comprar?

O que posso ver e como escolher um telescópio de observação astronômica?


""O diâmetro da Abertura (Objetiva ou Espelho) de um telescópio é quem proporciona a resolução e qualidade das imagens de um telescópio, se usada um mesma ocular. Portanto você deve saber, que com um Telescópio de maior abertura, você terá imagens melhores e mais nítidas que qualquer um com abertura inferior.  Por exemplo: Com um telescópio de 70 mm, você irá observar tudo o que nos de 60mm, 50mm, porém com muito mais detalhes e resolução, com uma qualidade de imagens bem superior, além de poder observar muito mais estrelas, nebulosas e maiores detalhes na observação terrestre. E assim como um telescópio de 150mm você verá tudo o que os de menor abertura veêm, porém com muito mais detalhes e definição, além de mais estrelas, nebulosas, etc.  E assim por diante.  Entretanto saiba que com qualquer telescópio, é possível realizar ótimas observações e é um passatempo que desenvolve a inteligência e é proporciona ótimos momentos de satisfação. Veja abaixo o que ver com alguns modelos..."

"O diâmetro da Abertura (Objetiva ou Espelho) de um telescópio é quem proporciona a resolução e qualidade das imagens de um telescópio, se usada um mesma ocular. Portanto você deve saber, que com um Telescópio de maior abertura, você terá imagens melhores e mais nítidas que qualquer um com abertura inferior.

Por exemplo: Com um telescópio de 70 mm, você irá observar tudo o que nos de 60mm, 50mm, porém com muito mais detalhes e resolução, com uma qualidade de imagens bem superior, além de poder observar muito mais estrelas, nebulosas e maiores detalhes na observação terrestre. E assim como um telescópio de 150mm você verá tudo o que os de menor abertura veêm, porém com muito mais detalhes e definição, além de mais estrelas, nebulosas, etc.  E assim por diante.

Entretanto saiba que com qualquer telescópio, é possível realizar ótimas observações e é um passatempo que desenvolve a inteligência e é proporciona ótimos momentos de satisfação. Veja abaixo o que ver com alguns modelos:


Com este simples telescópio já é possível observar estrelas de 9 magnitudes, além de permitir os primeiros estudos topográficos da Lua. Também é possível fazer observações das manchas solares e de suas fáculas (material luminoso que se observa nas imediações da mancha), desde que o instrumento esteja equipado com filtro ou anteparo de observação solar. A observação de Júpiter também se mostra interessante. É possível perceber o achatamento polar do planeta e ver com facilidade seus quatro principais satélites. A observação de Vênus permite o estudo de suas fases e apontando as lentes para Saturno é possível perceber seus anéis, mas forma minúscula. Marte é uma pequena bolinha, quase sem definição. Um instrumento de 50 milímetros permite distinguir estrelas duplas com separação de 5 segundos e contemplar alguns aglomerados como as Plêiades, Híades e também a nebulosa de Órion M42.


Este é um telescópio bem popular, pois tem baixo custo e você verifica se realmente tem gosto pela coisa. Com um telescópio de 60mm de qualidade, você observa tudo o que observa com o de 50mm, e também já é possível ver estrelas de 10 magnitudes e resolver sistemas duplos com separação de 3 segundos de arco. Apontando a objetiva para Saturno já é possível ver Titã, seu principal satélite, embora o planeta apareça bem pequeno e se assemelhe a uma micro miniatura. A Lua se mostra bem interessante e podem ser observados detalhes de suas crateras. Detalhes das sombras lunares já chamam a atenção e os relevos das bordas do disco lunar são claramente notados. Ao observar Marte ou Vênus, ambos se parecem como bolinhas arredondadas. Mesmo assim já é possível perceber as fases venusianas.


Esses são os telescópios mais interessantes, com excelente custo benefício e muito indicado para quem deseja se iniciar na Astronomia. Com eles observa tudo o que os de menor abertura observam, e ja dá para ver estrelas de 11 magnitudes e separar objetos distanciados por até 2 segundos de arco. Em Marte as calotas polares já são distinguidas como um pequeno ponto branco sobre a borda avermelhada do planeta e já é possível reconhecer a região de Syrtis Magna. Nestes telescópios, Marte ainda se parece com uma pequena bolinha avermelhada. Júpiter começa a revelar alguns detalhes impossíveis de serem vistos com telescópios menores e o ligeiro aumento na objetiva ja permite que o observador perceba as faixas equatoriais do gigante gasoso. Em Saturno os detalhes também começam a despontar e a divisão de Cassini em seus anéis também começa a ser vista, se bem que de forma bem tênue. Os quatro satélites, Titã, Rhéa, Japeto e Thetis finalmente podem ser observados com facilidade e são vistos como pequenos pontos luminosos.


Com este você pode observar tudo o que observa com os modelos menores, com mais resolução e qualidade e ainda permite observar objetos celestes de 11.5 magnitudes e desdobrar estrelas com 1.5 segundo de arco de separação. O instrumento também capacita o astrônomo a detalhar melhor os discos planetários e as sombras das manchas solares. Devido ao maior diâmetro da objetiva os aglomerados estelares se tornam mais nítidos e mais fáceis de serem contemplados.


Este telescópio é perfeito para quem deseja iniciar-se na Astronomia, com um custo benefício atraente, e ideal para os amadores. que já adquiriam experiência com modelos menores. Com ele você observa tudo o que observa com os modelos menores e com muito mais brilho, qualidade e definição de imagens. Permite ver objetos de magnitude 12 e separar sistemas estelares com 1.5 segundo de distância entre suas componentes. Quando em posição favorável, permite até mesmo vislumbrar algumas particularidades topográficas de Marte. Na Lua, as ranhuras da superfície passam a ser perceptíveis. Em Júpiter, os detalhes das faixas se tornam mais claros e em Saturno é possível reconhecer seu anel sombrio. O aumento da objetiva em relação ao modelo de 95 milímetros revela mais um satélite ao redor de Saturno: Dionéia. A Nebulosa de Lyra, muito apagada nos outros instrumentos, ganha vida neste instrumento.


Com ele você observa tudo o que observa com os modelos menores e com muito mais brilho, qualidade e definição de imagens. Com este equipamento, objetos muito escuros, da ordem de 13 magnitudes passam a ser observáveis. Permite também a identificação de algumas manchas aleatórias nos discos planetários de Mercúrio e Vênus, além do estudo das variações de tonalidades e dos aspectos lunares. Em Marte é possível perceber as variações que ocorrem nas calotas polares enquanto as faixas de Júpiter são vistas com bastante nitidez. Um telescópio desse porte também permite a separação de estrelas com menos de 0.8 segundos e os aglomerados mais difíceis de serem vistos já apresentam suas feições típicas. Utilizando uma ocular de aumento médio alguns detalhes de Urano começam a ser visíveis, embora o planeta seja apenas um difuso disco planetário. Isso ajuda a distingui-lo entre o fundo estelar mas nenhum de seus satélites ainda pode ser visto.


Com ele você observa tudo o que observa com os modelos menores e com muito mais brilho, qualidade e definição de imagens. Além disso este é um excelente instrumento para o amador sério que deseja ampliar seus conhecimentos. O grande diâmetro do espelho capacita o astrônomo a ver os objetos do céu profundo, conhecidos por DSO (Deep Sky objects) com mais de 13.5 magnitudes. Astrofotografias de alta resolução dos planetas e satélites já fornecem resultados de grande qualidade técnica."

Fonte: reprodução com finalidade educacional e de divulgação da astronomia a partir do site 'Casa do Astrônomo': 'O que ver com um telescópio' - Imagem: RoadLight / 406 images - Licença Pixabay: imagem gratuita para uso e sem atribuição requerida (CC0)

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

7 pensamentos importantes de Eduardo Galeano

“Muita gente pequena, em pequenos lugares, fazendo coisas pequenas podem transformar o mundo.”
“Em 1492, os nativos descobriram que eram índios. Descobriram que viviam num lugar chamado América. Descobriram que estavam nus, que existia o pecado. Descobriram que deviam obediência a um rei e uma rainha de outro mundo, e a um deus de outro céu. E que esse deus havia inventado a culpa e o vestido, e que mandou queimar vivo quem adorasse o sol, a lua, a terra e a chuva que a molha.”
“Os países que dão as ordens no mundo, através dos organismos que criaram para dar as ordens no mundo, ditam as ordens ao mundo mas não as seguem. Sim, porque eles são sádicos, mas não masoquistas.”



“As guerras mentem. Nenhuma tem a honestidade de confessar: eu mato para roubar. As sempre invocam motivos nobres. Matam em nome da paz, em nome da civilização, em nome do progresso, em nome da democracia, e para que não reste dúvidas, se nenhuma dessas mentiras não for suficiente, aparecem os meios de comunicação dispostos a inventar novos inimigos imaginários, para justificar a conversão do mundo em um grande manicômio, e imenso matadouro.”
“Os cientistas dizem que estamos feitos de átomos, mas um passarinho me contou que estamos feitos de histórias.”
“O futebol corre o perigo de se tornar um negócio tão rentável quando o das drogas e das armas. O que vai acabar com o miserável torcedor que vive da sua paixão, que dorme na porta do clube, ou o mendigo do bom futebol, que anda de estádio em estádio, com seu chapéu nas mãos, pedindo “uma jogadinha brilhante pelo amor de Deus.”
“A liberdade do dinheiro é inimiga da liberdade das pessoas.”

"Reunimos acima algumas das facetas de Eduardo Galeano em sete frases suas. A do uruguaio que sonhou com a grande transformação em pequenas proporções, a do historiador da América Latina e suas veias abertas, a do questionador da ordem mundial, a do jornalista que denunciava o saqueamento e a matança dos países pobres, a do mais sensível contador de histórias, a do escritor amante do bom futebol (torcedor do Nacional, para os que tinham alguma dúvida) e a do defensor, através da poesia, da liberdade que interessa a todos, e não a alguns poucos.
Faltou a do autor que soube, como poucos, mesclar a realidade e a ficção, em suas deliciosas narrativas. Mas para isso, convidamos a que busquem o seu legado e leiam seus livros, não este mero blog."


quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Cora Coralina: 'Aninha e Suas Pedras'

 Aninha e Suas Pedras



"Não te deixes destruir…

Ajuntando novas pedras

e construindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre.

Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha

um poema.

E viverás no coração dos jovens

e na memória das gerações que hão de vir.

Esta fonte é para uso de todos os sedentos.

Toma a tua parte.

Vem a estas páginas

e não entraves seu uso

aos que têm sede."

Cora Coralina

Cora Coralina nasceu na Cidade de Goiás, em 20 de agosto de 1889, e faleceu em Goiânia, a 10 de abril de 1985. Aninha e suas pedras foi publicado em 1983, no seu livro Vintém de cobre: meias confissões de Aninha. Imagem gratuita PxHere (CC0)

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

'Justitia Mater', poema por Antero de Quental



Justitia Mater

Nas florestas solenes há o culto

Da eterna, íntima força primitiva:

Na serra, o grito audaz da alma cativa,

Do coração, em seu combate inulto:


No espaço constelado passa o vulto

Do inominado Alguém, que os sóis aviva:

No mar ouve-se a voz grave e aflitiva

D'um deus que luta, poderoso e inculto.


Mas nas negras cidades, onde solta

Se ergue, de sangue medida, a revolta,

Como incêndio que um vento bravo atiça,


Há mais alta missão, mais alta glória:

O combater, à grande luz da história,

Os combates eternos da Justiça!

 

Antero de Quental, in "Sonetos"



segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Alberto Caeiro: Os poetas místicos são filósofos...

"Os poetas místicos são filósofos doentes,   E os filósofos são homens doidos.   Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem   E dizem que as pedras têm alma   E que os rios têm êxtases ao luar.     Mas as flores, se sentissem, não eram flores,   Eram gente;   E se as pedras tivessem alma, eram coisas vivas, não eram pedras;   E se os rios tivessem êxtases ao luar,   Os rios seriam homens doentes."  Alberto Caeiro

"Os poetas místicos são filósofos doentes, 

E os filósofos são homens doidos. 

Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem 

E dizem que as pedras têm alma 

E que os rios têm êxtases ao luar. 


Mas as flores, se sentissem, não eram flores, 

Eram gente; 

E se as pedras tivessem alma, eram coisas vivas, não eram pedras; 

E se os rios tivessem êxtases ao luar, 

Os rios seriam homens doentes."

Alberto Caeiro

Alberto Caeiro, é considerado o mestre de todos os heterônimos do célebre poeta e filósofo português Fernando Pessoa. Segundo o seu criador "Nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão, nem educação quase alguma, só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia avó..."

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Freud: As Nossas Possibilidades de Felicidade



"É simplesmente o princípio do prazer que traça o programa do objetivo da vida. Este princípio domina a operação do aparelho mental desde o princípio; não pode haver dúvida quanto à sua eficiência, e no entanto o seu programa está em conflito com o mundo inteiro, tanto com o macrocosmo como com o microcosmo. Não pode simplesmente ser executado porque toda a constituição das coisas está contra ele; poderíamos dizer que a intenção de que o homem fosse feliz não estava incluída no esquema da Criação.

Aquilo a que se chama felicidade no seu sentido mais restrito vem da satisfação — frequentemente instantânea — de necessidades reprimidas que atingiram uma grande intensidade, e que pela sua natureza só podem ser uma experiência transitória.

Quando uma condição desejada pelo princípio do prazer é protelada, tem como resultado uma sensação de consolo moderado; somos constituídos de tal forma que conseguirmos ter prazer intenso em contrastes, e muito menos nos próprios estados intensos.

As nossas possibilidades de felicidade são assim limitadas desde o princípio pela nossa formação. É muito mais fácil ser infeliz.

O sofrimento tem três procedências: o nosso corpo, que está destinado à decadência e dissolução e nem sequer pode passar sem a ansiedade e a dor como sinais de perigo; o mundo externo, que se pode enfurecer contra nós com as mais poderosas e implacáveis forças de destruição; e, por fim, a relação com os outros homens.

A infelicidade que esta última origina é talvez a mais dolorosa de todas; temos tendência para a considerar mais ou menos um suplemento gratuito, embora não possa ser uma fatalidade menos inevitável do que o sofrimento que provém das outras fontes.

Não é de admirar que, debaixo da pressão destas possibilidades de sofrimento, a humanidade esteja habituada a reduzir as suas exigências de felicidade, nem que o próprio princípio do prazer se modifique para um princípio da realidade mais acomodado sob a influência do ambiente externo.

Se um homem se julga feliz, fugiu simplesmente à infelicidade ou a dificuldades.

Em geral, a tarefa de evitar o sofrimento atira para segundo plano a de obter a felicidade. A reflexão mostra que há várias formas de tentar cumprir esta tarefa; e todas estas formas foram recomendadas por várias escolas de sabedoria na arte da vida e posta em prática pelos homens.

A satisfação desenfreada de todos os desejos impõe-se em primeiro plano como o mais atrativo princípio orientador da vida, mas implica preferir o gozo à prudência e penaliza-se depois de uma curta satisfação.

Os outros métodos, nos quais o evitar do sofrimento é o principal motivo, distinguem-se segundo a fonte de sofrimento contra a qual estão dirigidos. Algumas destas medidas são extremas e outras moderadas, algumas são unilaterais e outras tratam vários aspectos do assunto ao mesmo tempo.

A solidão voluntária, o isolamento dos outros, é a salvaguarda mais rápida contra a infelicidade que possa surgir das relações humanas. Sabemos o que isto significa: a felicidade encontrada neste caminho é a da paz. Podemos defender-nos contra o temido mundo externo, voltando-nos simplesmente para uma outra direção, se a dificuldade tiver que ser resolvida sem ajuda.

Há na realidade um outro caminho melhor: o de cooperar com o resto da comunidade humana e aceitar o ataque à natureza, forçando-a a obedecer à vontade humana. Trabalha-se então com todos para o bem de todos."


quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Fernando Pessoa: "Quinto Império"

"Vibra, clarim, cuja voz diz.
Que outrora ergueste o grito real
Por D. João, Mestre de Aviz,
E Portugal!

Vibra, grita aquele hausto fundo
Com que impeliste, como um remo,
Em El-Rei D. João Segundo
O Império extremo!

Vibra, sem lei ou com lei,
Como aclamaste outrora em vão
O morto que hoje é vivo — El-Rei
D. Sebastião!

Vibra chamando, e aqui convoca
O inteiro exército fadado
Cuja extensão os pólos toca
Do mundo dado!

Aquele exército que é feito
Do quanto em Portugal é o mundo
E enche este mundo vasto e estreito
De ser profundo.

Para a obra que há que prometer
Ao nosso esforço alado em si,
Convoco todos sem saber
(É a Hora!) aqui!

Os que, soldados da alta glória,
Deram batalhas com um nome,
E de cuia alma a voz da história
Tem sede e fome.

E os que, pequenos e mesquinhos,
No ver e crer da externa sorte,
Convoco todos sem saber
Com vida e morte.

Sim, estes, os plebeus do Império;
Heróis sem ter para quem o ser,
Chama-os aqui, ó som etéreo
Que vibra a arder!

E, se o futuro é já presente
Na visão de quem sabe ver,
Convoca aqui eternamente
Os que hão de ser!

Todos, todos! A hora passa,
O gênio colhe-a quando vai.
Vibra! Forma outra e a mesma raça
Da que se esvai.

A todos, todos, feitos num
Que é Portugal, sem lei nem fim,
Convoca, e, erguendo-os um a um,
Vibra, clarim!

E outros, e outros, gente vária,
Oculta neste mundo misto.
Seu peito atrai, rubra e templária,
A Cruz de Cristo.

Glosam, secretos, altos motes,
Dados no idioma do Mistério —
Soldados não, mas sacerdotes,
Do Quinto império.

Aqui! Aqui! Todos que são.
O Portugal que é tudo em si,
Venham do abismo ou da ilusão,
Todos aqui!

Armada intérmina surgindo,
Sobre ondas de uma vida estranha.
Do que por haver ou do que é vindo —
É o mesmo: venha!

Vós não soubesses o que havia
No fundo incógnito da raça,
Nem como a Mão, que tudo guia,
Seus planos traça.

Mas um instinto involuntário,
Um ímpeto de Portugal,
Encheu vosso destino vário
De um dom fatal.

De um rasgo de ir além de tudo,
De passar para além de Deus,
E, abandonando o Gládio e o escudo,
Galgar os céus.

Titãs de Cristo! Cavaleiros
De uma cruzada além dos astros,
De que esses astros, aos milheiros,
São só os rastros.

Vibra, estandarte feito som,
No ar do mundo que há de ser.
Nada pequeno é justo e bom.
Vibra a vencer!

Transcende a Grécia e a sua história
Que em nosso sangue continua!
Deixa atrás Roma e a sua glória
E a Igreja sua!

Depois transcende esse furor
E a todos chama ao mundo visto.
Hereges por um Deus maior
E um novo Cristo!

Vinde aqui todos os que sois,
Sabendo-o bem, sabendo-o mal,
Poetas, ou Santos ou Heróis
De Portugal.

Não foi para servos que nascemos
De Grécia ou Roma ou de ninguém.
Tudo negamos e esquecemos:
Fomos para além.

Vibra, clarim, mais alto! Vibra!
Grita a nossa ânsia já ciente
Que o seu inteiro vôo libra
De poente a oriente.

Vibra, clarim! A todos chama!
Vibra! E tu mesmo, voz a arder,
O Portugal de Deus proclama
Com o fazer!

O Portugal feito Universo,
Que reúne, sob amplos céus,
O corpo anônimo e disperso
De Osíris, Deus.

O Portugal que se levanta
Do fundo surdo do Destino,
E, como a Grécia, obscuro canta
Baco divino.

Aquele inteiro Portugal,
Que, universal perante a Cruz,
Reza, ante à Cruz universal,
Do Deus Jesus."

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