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quinta-feira, 23 de abril de 2020

Shakespeare: "Noite"


"Como voltar feliz ao meu trabalho 
se a noite não me deu nenhum sossego? 
A noite, o dia, cartas dum baralho 
sempre trocadas neste jogo cego. 
Eles dois, inimigos de mãos dadas, 
me torturam, envolvem no seu cerco 
de fadiga, de dúbias madrugadas: 
e tu, quanto mais sofro mais te perco. 
Digo ao dia que brilhas para ele, 
que desfazes as nuvens do seu rosto; 
digo à noite sem estrelas que és o mel 
na sua pele escura: o oiro, o gosto. 
Mas dia a dia alonga-se a jornada 
e cada noite a noite é mais fechada."

William Shakespeare

sábado, 11 de abril de 2020

"Ruínas", poema de Machado de Assis

MACHADO DE ASSIS
"Cobrem plantas sem flor crestados muros; 
Range a porta anciã; o chão de pedra 
Gemer parece aos pés do inquieto vate. 
Ruína é tudo: a casa, a escada, o horto, 
Sítios caros da infância. 

Austera moça 
Junto ao velho portão o vate aguarda; 
Pendem-lhe as tranças soltas 
Por sobre as roxas vestes. 
Risos não tem, e em seu magoado gesto 
Transluz não sei que dor oculta aos olhos; 

Dor que à face não vem, medrosa e casta, 
Íntima e funda; e dos cerrados cílios 
Se uma discreta muda 
Lágrima cai, não murcha a flor do rosto; 

Melancolia tácita e serena, 
Que os ecos não acorda em seus queixumes, 
Respira aquele rosto. A mão lhe estende 
O abatido poeta. 

Ei-los percorrem 
Com tardo passo os relembrados sítios, 
Ermos depois que a mão da fria morte 
Tantas almas colhera. Desmaiavam, 
Nos serros do poente, 
As rosas do crepúsculo. 

“Quem és? pergunta o vate; o sol que foge 
No teu lânguido olhar um raio deixa; 
Raio quebrado e frio; o vento agita 
Tímido e frouxo as tuas longas tranças. 

Conhecem-te estas pedras; das ruínas 
Alma errante pareces condenada 
A contemplar teus insepultos ossos. 

Conhecem-te estas árvores. E eu mesmo 
Sinto não sei que vaga e amortecida 
Lembrança de teu rosto.

Desceu de todo a noite, 
Pelo espaço arrastando o manto escuro 
Que a loura Vésper nos seus ombros castos, 
Como um diamante, prende. Longas horas 
Silenciosas correram. 

No outro dia, 
Quando as vermelhas rosas do oriente 
Ao já próximo sol a estrada ornavam 
Das ruínas saíam lentamente 
Duas pálidas sombras: 
O poeta e a saudade."

Machado de Assis, in "Falenas"

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Leiam este poema escrito há aproximadamente 220 anos

"E as pessoas ficaram em casa.
E leram livros e escutaram.
E descansaram e se exercitaram.
E fizeram artes e jogaram.
E aprenderam novas formas de ser.
E pararam.

E escutaram mais profundamente.
Alguns meditaram.
Alguns rezavam.
Alguns dançavam.
Alguns se encontraram com sua própria sombra.
E as pessoas começaram a pensar de forma diferente.

E as pessoas se curaram.
E na ausência de pessoas que vivem de maneira ignorante.
Perigosa.
Sem sentido e sem coração.
Inclusive a Terra começou a sarar.

E quando o perigo terminou.
E as pessoas se encontraram de novo.
Choraram pelos mortos.
E tomaram novas decisões.
E sonharam novas visões.
E criaram novas formas de viver.
E curaram a Terra completamente.
Tal e como eles foram curados."

(K.O'Mera - Poema escrito durante a epidemia de peste em 1800)


Atualização, via FATO OU FAKE (G1) 01/05/2020: 

"Circula nas redes sociais um poema que relata a vida durante a quarentena. A mensagem diz que ele foi escrito em 1869 pela romancista Kathleen O'Meara. É #FAKE.

Na verdade, o poema foi escrito pela professora aposentada Catherine M. O’Meara, também conhecida por Kitty O'Meara. Ela publicou o texto, em inglês, com o título "In the Time of Pandemic" (Na época da pandemia), em 16 de março de 2020, no blog "The Daily Round".

Não é verdade, portanto, que o texto tenha sido publicado em 1869. Também não é verdade que a autora do poema seja a escritora Kathleen O'Meara, que morreu em 1888. Apenas os sobrenomes são iguais. Não se trata, logo, de um poema profético.

O conteúdo falso tem sido compartilhado com frequência nas redes sociais, inclusive em diferentes idiomas. Ele fala sobre as atitudes tomadas pelas pessoas durante a pandemia e termina dizendo que as pessoas criaram novos modos de vida. "E curaram a Terra completamente."
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Fonte: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/coronavirus/noticia/2020/04/30/e-fake-que-poema-sobre-quarentena-foi-escrito-de-forma-profetica-por-romancista-do-seculo-19.ghtml (reprodução com o intuito de reestabelecer a verdade dos fatos)