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sábado, 30 de janeiro de 2021

'A Rosa Branca', por Louise Glück


"Isto é a terra?

Então não sou daqui

Quem és tu na janela acesa,

agora à sombra

das folhas trêmulas do viburno?

Podes sobreviver onde não vou durar

Além do próximo verão?

A noite inteira os galhos esguios da árvore

movem-se e sussurram à janela iluminada.

Explica a minha vida,

tu que não fazes sinal algum,

embora eu chame por ti na noite:

não sou como tu, tenho apenas

meu corpo como voz; não posso

desaparecer no silêncio —

E na manhã fria

sobre a superfície escura da terra

vagueiam ecos da minha voz,

brancura que firme se consome em escuridão

como se finalmente fizesses um sinal

para me convencer de que também

não pudeste sobreviver aqui

ou para me mostrar que não és

a luz que chamei

mas o breu atrás dela."


Louise Glück


Louise Glück (1943), foi ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura de 2020. A tradução é de Maria Lúcia Milléo Martins (Fonte: Revista Bula/Internet) - Imagem: Foto de Joe deSousa from StockSnap com adição do poema à imagem por equipe SULPOST. - Dica: Visite a página da autora Louise Glück e conheça sua obra completa...

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

'Quem Sabe Um Dia', por Mario Quintana

'Quem Sabe Um Dia', por Mario Quintana


"Quem sabe um dia

Quem sabe um seremos

Quem sabe um viveremos

Quem sabe um morreremos!


Quem é que

Quem é macho

Quem é fêmea

Quem é humano, apenas!


Sabe amar

Sabe de mim e de si

Sabe de nós

Sabe ser um!


Um dia

Um mês

Um ano

Um(a) vida!


Sentir primeiro, pensar depois

Perdoar primeiro, julgar depois


Amar primeiro, educar depois

Esquecer primeiro, aprender depois


Libertar primeiro, ensinar depois

Alimentar primeiro, cantar depois


Possuir primeiro, contemplar depois

Agir primeiro, julgar depois.


Navegar primeiro, aportar depois

Viver primeiro, morrer depois."


Mario Quintana

Imagem: ph - pxhere - uso gratuito - atribuição não requerida - domínio público (CC0) com os versos de Mário Quintana


quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

1918: 'Previna-se contra a gripe'. Um alerta em forma de poema!

Cartilha de 1918: 'Previna-se contra a gripe'

No início do século XX, durante a pandemia da 'Gripe Espanhola', foi escrita e distribuída no Brasil uma cartilha de saúde em forma de poema, contendo as mesmas orientações dadas atualmente para evitar o contágio pela Covid-19, como distanciamento social e ter o hábito de lavar as mãos frequentemente.

Há 103 anos, estima-se que a Gripe Espanhola (influenza) matou mais de 20 milhões de pessoas em todo mundo, até desaparecer misteriosamente em 1920. A Covid-19, que começou a se alastrar no final de 2019, já causou oficialmente cerca de 2 milhões de mortes - números de 13/01/2019 -, e mesmo com o início da vacinação em vários países vem se alastrando assustadoramente segundo dados atualizados diariamente pelo Google.

A cartilha com as orientações de saúde, em forma de poema, foi distribuída pelas campanhas do Serviço Nacional de Educação Sanitária, segundo o artigo "Revisitando a espanhola: a gripe pandêmica de 1918 no Rio de Janeiro", de Adriana da Costa Goulart, mestre em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF).


A cartilha, em forma de poema, "Previna-se contra a gripe", de 1918:


"Perdigotos, que perigo!

Se estás resfriado amigo,

não chegues perto de mim

Sou fraco, digo o que penso.


Quando tossir, use o lenço

E também se der atchim…


Corrimãos, trincos, dinheiro

São de germes, um viveiro

E da gripe mais frequente.

Não pegá-los, impossível.


Mas há remédio infalível,

Lave as mãos constantemente

Se da gripe quer livrar-se

Arranje um jeito de disfarce,

Evite o aperto de mão.


Mas se vexado consente,

Lave as mãos frequentemente

Com bastante água e sabão.


Da gripe já está curado?

Bem, mas não queira, apressado

Voltar a vida ao normal.


Consolide bem a cura,

Senão você, criatura,

Recai, e propaga o mal."


Recomendado: leia livros sobre a Gripe Espanhola de 1918...


Fontes: E o ex e futuro presidente do Brasil morreu de gripe… a Gripe Espanhola de 1918... - Google e Scielo - Imagem: Capa do jornal 'Gazeta de Notícias', de 15 de outubro de 1918 (Domínio Público)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

'Invenção de Orfeu', por Jorge de Lima


" 1.

Um barão assinalado

sem brasão, sem gume e fama

cumpre apenas o seu fado:

amar, louvar sua dama,

dia e noite navegar,

que é de aquém e de além-mar

a ilha que busca e amor que ama.


Nobre apenas de memórias,

vai lembrando de seus dias,

dias que são as histórias,

histórias que são porfias

de passados e futuros,

naufrágios e outros apuros,

descobertas e alegrias.


Alegrias descobertas

ou mesmo achadas, lá vão

a todas as naus alertas

de vaia mastreação,

mastros que apoiam caminhos

a países de outros vinhos.

Está é a ébria embarcação.


Barão ébrio, mas barão,

de manchas condecorado;

entre o mar, o céu e o chão

fala sem ser escutado

a peixes, homens e aves,

bocas e bicos, com chaves,

e ele sem chaves na mão.


2.

A ilha ninguém achou

porque todos o sabíamos.

Mesmo nos olhos havia

uma clara geografia.


Mesmo nesse fim de mar

qualquer ilha se encontrava,

mesmo sem mar e sem fim,

mesmo sem terra e sem mim.


Mesmo sem naus e sem rumos,

mesmo sem vagas e areias,

há sempre um copo de mar

para um homem navegar.


Nem achada e nem não vista

nem descrita nem viagem,

há aventuras de partidas

porém nunca acontecidas.


Chegados nunca chegamos

eu e a ilha movediça.

Móvel terra, céu incerto,

mundo jamais descoberto.


Indícios de canibais,

sinais de céu e sargaços,

aqui um mundo escondido

geme num búzio perdido.


Rosa-de-ventos na testa,

maré rasa, aljofre, pérolas,

domingos de pascoelas.

E esse veleiro sem velas!


Afinal: ilha de praias.

Quereis outros achamentos

além dessas ventanias

tão tristes, tão alegrias?"


Jorge de Lima


Trecho de "Invenção de Orfeu", de Jorge de Lima (clique aqui para acessar a página com os livros do autor) - Foto tirada por "PRSailor": pescador artesanal retorna para seu vilarejo: "Africa on the Move or Transport", em São Tomé e Principe, final de tarde do dia 4 de dezembro de 2019 (CC BY-SA 4.0)

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