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sábado, 22 de fevereiro de 2020

Gandhi: "Mergulho em você mesmo"

"Temos medo de estarmos conosco, mergulharmos em nosso interior. O silêncio e sua prática nos leva a esta possibilidade de encontro profundo e revitalizador. Com o silêncio, encontramos a paz e o amor incondicional vem com toda a força transformadora. 

O amor é a força mais sutil do mundo.

O mundo está farto de ódio. É é este ódio irracional e distante da força criadora que destrói, corrompe e ensurdece a humanidade.

Pare! Recomece! Reprograme-se... O silêncio pode ser o ponto-chave desta nova caminhada. Pratique-o diariamente e transforme um pouco nosso mundo. Ouça-se.

Temos de nos tornar a mudança que queremos ver no mundo. Você tem que ser o espelho da mudança que está propondo. Se eu quero mudar o mundo, tenho que começar por mim.

Pratique diariamente o silêncio da paz. Respire profundamente algumas vezes. Inspire e sopre lentamente até ir relaxando e mergulhando dentro de si mesmo. Feche os olhos e silencie seus medos, preocupações e ansiedades diárias, por alguns momentos. Dê a chance à sua paz e à paz do mundo.

Faça a sua parte, se doe sem medo. O que importa mesmo é o que você é...

Mesmo que outras pessoas não se importem. Atitudes simples podem melhorar sua vida.

Você nunca sabe que resultados virão da sua ação. Mas se você não fizer nada, não existirão resultados. Espalhe esta ideia.

Transforme o mundo, a partir de você. Seja a mudança que você deseja para o mundo."


Mahatma Gandhi (1869-1948) foi um líder pacifista indiano que lutou pela independência da Índia e pela paz entre hindus e muçulmanos. Ao defender a luta não violenta, criou uma nova forma de resistência, tornando-se referência e uma celebridade mundial.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Freud: "Delírio por Isolamento e Convívio"

"O eremita volta as costas a este mundo; não quer ter nada a ver com ele. Mas podemos fazer mais do que isso; podemos tentar recriá-lo, tentar construir um outro em vez dele, no qual os componentes mais insuportáveis são eliminados e substituídos por outros que correspondam aos nossos desejos.

Quem por desespero ou desafio parte por este caminho, por norma, não chegará muito longe; a realidade será demasiado forte para ele.

Torna-se louco e normalmente não encontra ninguém que o ajude a levar a cabo o seu delírio.

Diz-se contudo, que todos nós nos comportamos em alguns aspectos como paranóicos, substituindo pela satisfação de um desejo alguns aspectos do mundo que nos são insuportáveis transportando o nosso delírio para a realidade.

Quando um grande número de pessoas faz esta tentativa em conjunto e tenta obter a garantia de felicidade e proteção do sofrimento através de uma transformação ilusória da realidade, adquire um significado especial.

Também as religiões devem ser classificadas como delírios em massa deste gênero.  Escusado será dizer que ninguém que participa num delírio o reconhece como tal."

Sigmund Freud, em "A Civilização e os Seus Descontentamentos"

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Laques, de Platão, uma conversa sobre coragem

Platão, por Raphael (c.1511)
Laques é um diálogo socrático de autoria de Platão. Seus participantes, Laques e Sócrates, apresentam definições concorrentes sobre o conceito de coragem:

“Laques, você acha que a coragem é algo bom ou reprovável?”

“Algo bom, certamente.”

“E quanto à tolice? É também uma coisa boa?”

“De forma alguma, Sócrates. A tolice é reprovável.”

“Imaginemos agora dois homens. Um sabe mergulhar, o outro nunca entrou na água. Ambos são desafiados a fazer um mergulho até o fundo do mar. Ambos aceitam o desafio, com grande perseverança de espírito. Qual dos dois é o mais corajoso?”

“O que não sabe mergulhar, é claro.”

“Contudo, qual dos dois é o mais tolo? O que tem o devido conhecimento técnico das artes do mergulho, ou o que se enfia na água sem mal saber nadar?”

“O mais tolo, nesse caso, é o mergulhador inexperiente.”

“Você havia me dito que a coragem é algo bom, enquanto a tolice é reprovável. Mas agora chegamos à conclusão de que, nesse caso, o mais corajoso não é o mais perseverante, e sim o mais tolo.”

“É fato, Sócrates.”

“Você continua achando que sua definição está correta?”

“De forma alguma. Eu estava errado. Que coisa estranha, Sócrates! Parece que não consigo expressar em palavras o que parecia claro em meu pensamento; sinto que sei o que é a coragem, mas, se tento defini-la, ela me passa a perna e foge de mim.”

“Ora, meu caro Laques, sejamos então como o bom caçador, que jamais desiste de perseguir sua presa. Tenhamos perseverança de espírito. Avante!”

sábado, 8 de fevereiro de 2020

A Alegoria da Caverna de Platão

O diálogo de Sócrates e Glauco


Trata-se de um diálogo metafórico em que as falas na primeira pessoa são de Sócrates e seus interlocutores, Glauco e Adimanto são os irmãos mais novos de Platão. 

No diálogo, é dada ênfase ao processo de conhecimento, mostrando a visão de mundo do ignorante, que vive de senso comum, e do filósofo, na sua eterna busca da verdade.

"Sócrates – Agora, imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoços acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.

Glauco – Estou vendo.

Sócrates – Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que os transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.

Glauco  Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.

Sócrates — Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e de seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte?

Glauco — Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?

Sócrates — E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?

Glauco — Sem dúvida.

Sócrates — Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?

Glauco — É bem possível.

Sócrates — E se a parede do fundo da prisão provocasse eco sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?

Glauco — Sim, por Zeus!

Sócrates — Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados?

Glauco — Assim terá de ser.

Sócrates — Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?

Glauco  Muito mais verdadeiras.

Sócrates  E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?

Glauco  Com toda a certeza.

Sócrates  E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras?

Glauco  Não o conseguirá, pelo menos de início.

Sócrates  Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e sua luz.

Glauco  Sem dúvida.

Sócrates  Por fim, suponho eu, será o sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal qual é.

Glauco  Concordo.

Sócrates  Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.

Glauco  É evidente que chegará a essa conclusão.

Sócrates  Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?

Glauco  Sim, com certeza, Sócrates.

Sócrates  E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?

Glauco  Sou de tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.

Sócrates  Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: Não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?

Glauco — Por certo que sim.

Sócrates —   se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?

Glauco  Sem nenhuma dúvida.

Sócrates  Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha ideia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Zeus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a ideia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.

Glauco  Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la."

Platão (348/347 a.C.), in "República" (Livro VII)

Platão foi um filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, autor de diversos diálogos filosóficos e fundador da Academia em Atenas, a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental. Ele é amplamente considerado a figura central na história do grego antigo e da filosofia ocidental, juntamente com seu mentor, Sócrates, e seu pupilo, Aristóteles. Platão ajudou a construir os alicerces da filosofia natural, da ciência e da filosofia ocidental, e também tem sido frequentemente citado como um dos fundadores da religião ocidental, da ciência e da espiritualidade. O assim chamado neoplatonismo de filósofos como Plotino e Porfírio influenciou Santo Agostinho e, portanto, o cristianismo, bem como a filosofia árabe e judaica.