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terça-feira, 30 de julho de 2019

Sêneca: "Contra a Ansiedade"

"Sempre que te aconteça alguma coisa contrária à tua expectativa diz a ti mesmo que os deuses tomaram uma decisão superior! Com semelhante disposição de espírito, nada terás a temer. 

Esta disposição de espírito consegue-se pensando na instabilidade da vida humana antes de a experimentarmos em nós, olhando para os filhos, a mulher, os bens como algo que não possuiremos para sempre, e evitando imaginarmo-nos mais infelizes um dia que deixemos de os possuir. 

Será a ruína do espírito andarmos ansiosos pelo futuro, desgraçados antes da desgraça, sempre na angústia de não saber se tudo o que nos dá satisfação nos acompanhará até ao último dia; assim, nunca conseguiremos repouso e, na expectativa do que há-de vir, deixaremos de aproveitar o presente. 

Situam-se, de fato, ao mesmo nível a dor por algo perdido e o receio de o perder. Isto não quer dizer que te esteja incitando à apatia! Pelo contrário, procura evitar as situações perigosas; procura prever tudo quanto seja previsível; procura conjecturar tudo o que pode ser-te nocivo muito antes de que te suceda, para assim o evitares. Para tanto, ser-te-á da maior utilidade a autoconfiança, a firmeza de ânimo apta a tudo enfrentar. Quem tem ânimo para suportar a fortuna é capaz de precaver-se contra ela; mas nada de angústias quando tudo estiver tranquilo! 

O cúmulo da desgraça e da estupidez está no medo antecipado: que loucura é esta, ser infeliz antecipadamente? Em suma, para numa palavra te resumir o que eu penso e te descrever como são estes homens que, à força de se preocuparem, só conseguem fazer mal a si próprios: tanta falta de moderação eles mostram em plena desgraça como antes dela! 

Quem sofre antes de tempo sofre mais do que o devido; uma mesma incapacidade leva-o a não prever a presença da dor onde não a espera; uma mesma imoderação fá-lo imaginar permanente a sua felicidade, imaginar que os bens que o acaso lhe deu não só hão-de perdurar como também de multiplicar-se; esquecido do trampolim que é a vida humana, convence-se de que no seu caso, por exceção, o acaso deixará de se fazer sentir."

Sêneca, em "Epístolas de Sêneca" (Cartas morais a Lucílio)

Lúcio Aneu Séneca ou Sêneca (Roma, 65 d.C.), foi um dos mais célebres advogados, escritores e intelectuais do Império Romano. "Epistulae morales ad Lucilium" ou "Epístolas de Sêneca", é uma colecção de 124 cartas escritas por Sêneca no final da sua vida. São endereçadas a Lucílio, o então Governador Romano da Sicília, conhecido apenas pelos escritos de Sêneca.
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Imagem: Pintura "De stervende Seneca" (circa 1612/1616), de Sir Peter Paul Rubens (Domínio Público)

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Nietzsche: "Desejando uma era de felicidade"

"Uma era de felicidade simplesmente não é possível porque as pessoas querem apenas desejá-la, mas não possuí-la, e cada indivíduo aprende durante os seus bons tempos a de fato rezar por inquietações e desconforto. O destino do homem está projetado para momentos felizes — toda a vida os têm —, mas não para eras felizes. Estas, porém, permanecerão fixadas na imaginação humana como "o que está além das montanhas", como um legado de nossos ancestrais: pois o conceito de uma era de felicidade foi sem dúvida adquirido nos tempos primordiais, a partir da condição em que, depois de um esforço violento na caça e na guerra, o homem se entrega ao repouso, estica os membros e sente as asas do sono roçando a sua pele.

Será uma falsa conclusão se, na trilha dessa remota e familiar experiência, o homem imaginar que, após eras inteiras de labor e inquietação, ele poderá usufruir, de modo correspondente, daquela condição de felicidade intensa e prolongada."

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Osho: "A pergunta de Diógenes para Alexandre, o Grande"


"A primeira pergunta que Diógenes fez a Alexandre é a primeira pergunta que qualquer pessoa inteligente deve fazer a si própria. Diógenes não desperdiçou um único momento.

– Alexandre, estás a tentar conquistar o mundo inteiro. Então e tu? Terás tempo suficiente, depois de conquistares o mundo, para te conheceres a ti próprio? Tens certezas sobre o amanhã ou sobre o próximo momento?

Alexandre nunca tinha conhecido um homem assim. Ele já tinha vencido grandes reis e imperadores, mas percebeu que Diógenes era um homem muito poderoso. Baixando os olhos, Alexandre respondeu:

– Não te posso dizer que esteja certo sobre o momento seguinte. Mas posso prometer-te uma coisa: quando tiver conquistado o mundo, vou desejar descansar e viver uma vida calma, tal como tu.

Diógenes estava a gozar um banho de sol matinal junto a um rio, rodeado por bonitas árvores. Ele riu-se… por vezes penso que o seu riso ainda deve continuar a ecoar. Pessoas como Diógenes pertencem à eternidade. As suas assinaturas não são feitas na água.

Alexandre sentiu-se ofendido e perguntou-lhe porque se estava a rir.

– É muito simples! – respondeu Diógenes. – Se eu posso descansar e viver uma vida calma sem ter conquistado o mundo, o que te impede a ti de fazer o mesmo? O rio é grande e eu não tenho qualquer objeção a fazer. Podes ocupar o lugar que quiseres – mesmo que queiras o meu lugar, eu posso mudar de sítio. Descansa agora, se desejas descansar. Descansa agora. Agora ou nunca.

O que Diógenes dizia era absolutamente verdade, mas, para um homem que se encontrava a fazer uma viagem do ego, isso era demasiado óbvio, demasiado simples. Ficar a descansar na margem do rio não alimenta o ego. O que é que se conseguiu dominar? O que é que se conquistou?"

Osho, in "Acreditar no Impossível"

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Fernando Pessoa: "Hoje Decidi Ser Eu Mesmo"

Fernando Pessoa em 1914 / Wikimedia Commons
"Hoje, ao tomar de vez a decisão de ser Eu, de viver à altura do meu mister, e, por isso, de desprezar a ideia do reclame, e plebeia sociabilização de mim, do Interseccionismo, reentrei de vez, de volta da minha viagem de impressões pelos outros, na posse plena do meu Gênio e na divina consciência da minha Missão. 

Hoje só me quero tal qual meu carácter nato quer que eu seja; e meu Gênio, com ele nascido, me impõe que eu não deixe de ser. 

Atitude por atitude, melhor a mais nobre, a mais alta e a mais calma. Pose por pose, a pose de ser o que sou. 

Nada de desafios à plebe, nada de girândolas para o riso ou a raiva dos inferiores. A superioridade não se mascara de palhaço; é de renúncia e de silêncio que se veste. 

O último rasto de influência dos outros no meu carácter cessou com isto. Reconheci — ao sentir que podia e ia dominar o desejo intenso e infantil de 'lançar o Interseccionismo' — a tranquila posse de mim. 

Um raio hoje deslumbrou-me de lucidez. Nasci."


Fernando António Nogueira Pessoa (1888/1935), foi um poeta, filósofo, dramaturgo, ensaísta, tradutor, publicitário, astrólogo, inventor, empresário, correspondente comercial, crítico literário e comentarista político português. Fernando Pessoa é o mais universal poeta português. (Wikipédia)

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Carl Sagan: "Repetição de Erros"


"Mesmo um exame superficial da história revela que nós, seres humanos, temos uma triste tendência para cometer os mesmos erros repetidas vezes. 

Temos medo dos desconhecidos ou de qualquer pessoa que seja um pouco diferente de nós. Quando ficamos assustados, começamos a ser agressivos para as pessoas que nos rodeiam. 

Temos botões de fácil acesso que, quando carregamos neles, libertam emoções poderosas. Podemos ser manipulados até extremos de insensatez por políticos espertos. Dêem-nos o tipo de chefe certo e, tal como o mais sugestionável paciente do terapeuta pela hipnose, faremos de bom grado quase tudo o que ele quer - mesmo coisas que sabemos serem erradas."

Carl Sagan, in "O Mundo Assombrado pelos Demônios" 



Carl Edward Sagan (1934/1996),  foi um cientista, físico, biólogo, astrônomo, astrofísico, cosmólogo, escritor, divulgador científico e ativista norte-americano. Sagan é autor de mais de 600 publicações científicas, e também autor de mais de 20 livros de ciência e ficção científica. 

"The Demon-Haunted World", em português: "O Mundo Assombrado pelos Demônios: A Ciência Vista Como Uma Vela Na Escuridão" é um livro de Carl Sagan e Ann Druyan, publicado originalmente em 1995, foi  lançado em 1997. Nesta obra, Carl Sagan, aflito com as explicações pseudocientíficas e místicas que ocupam os espaços dos meios de comunicação, reafirma o poder positivo e benéfico da ciência e da tecnologia para tentar iluminar os dias e recuperar os valores da racionalidade. Imagem: capa do livro, editora "Companhia das Letras". Clique aqui para comprar o seu...

terça-feira, 2 de julho de 2019

Oscar Wilde: "A Discórdia de Estar em Harmonia com os Outros"

"A discórdia é sermos obrigados a estar em harmonia com os outros. A nossa própria vida é o que há de mais importante. Agora, se quisermos ser pedantes ou puritanos, podemos tecer as nossas considerações morais sobre a vida dos outros, mas estas não nos dizem respeito. 

Para além disso, o individualismo é realmente o mais elevado dos ideais. A moralidade moderna consiste na aceitação dos modelos da nossa época. Julgo que aceitar o modelo da nossa época será, para qualquer homem culto, a mais crassa das imoralidades."

Oscar Wilde, em "O Retrato de Dorian Gray" 

Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde (1854/1900), ou simplesmente Oscar Wilde foi um influente escritor, poeta e dramaturgo britânico de origem irlandesa. Depois de escrever de diferentes formas ao longo da década de 1880, tornou-se um dos dramaturgos mais populares de Londres, em 1890. 

"O Retrato de Dorian Gray" é um romance filosófico do escritor e dramaturgo Oscar Wilde. Publicado pela primeira vez como uma história periódica em julho de 1890 na revista mensal Lippincott's Monthly.