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quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

'Invenção de Orfeu', por Jorge de Lima


" 1.

Um barão assinalado

sem brasão, sem gume e fama

cumpre apenas o seu fado:

amar, louvar sua dama,

dia e noite navegar,

que é de aquém e de além-mar

a ilha que busca e amor que ama.


Nobre apenas de memórias,

vai lembrando de seus dias,

dias que são as histórias,

histórias que são porfias

de passados e futuros,

naufrágios e outros apuros,

descobertas e alegrias.


Alegrias descobertas

ou mesmo achadas, lá vão

a todas as naus alertas

de vaia mastreação,

mastros que apoiam caminhos

a países de outros vinhos.

Está é a ébria embarcação.


Barão ébrio, mas barão,

de manchas condecorado;

entre o mar, o céu e o chão

fala sem ser escutado

a peixes, homens e aves,

bocas e bicos, com chaves,

e ele sem chaves na mão.


2.

A ilha ninguém achou

porque todos o sabíamos.

Mesmo nos olhos havia

uma clara geografia.


Mesmo nesse fim de mar

qualquer ilha se encontrava,

mesmo sem mar e sem fim,

mesmo sem terra e sem mim.


Mesmo sem naus e sem rumos,

mesmo sem vagas e areias,

há sempre um copo de mar

para um homem navegar.


Nem achada e nem não vista

nem descrita nem viagem,

há aventuras de partidas

porém nunca acontecidas.


Chegados nunca chegamos

eu e a ilha movediça.

Móvel terra, céu incerto,

mundo jamais descoberto.


Indícios de canibais,

sinais de céu e sargaços,

aqui um mundo escondido

geme num búzio perdido.


Rosa-de-ventos na testa,

maré rasa, aljofre, pérolas,

domingos de pascoelas.

E esse veleiro sem velas!


Afinal: ilha de praias.

Quereis outros achamentos

além dessas ventanias

tão tristes, tão alegrias?"


Jorge de Lima


Trecho de "Invenção de Orfeu", de Jorge de Lima (clique aqui para acessar a página com os livros do autor) - Foto tirada por "PRSailor": pescador artesanal retorna para seu vilarejo: "Africa on the Move or Transport", em São Tomé e Principe, final de tarde do dia 4 de dezembro de 2019 (CC BY-SA 4.0)

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