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sábado, 11 de abril de 2020

"Ruínas", poema de Machado de Assis

MACHADO DE ASSIS
"Cobrem plantas sem flor crestados muros; 
Range a porta anciã; o chão de pedra 
Gemer parece aos pés do inquieto vate. 
Ruína é tudo: a casa, a escada, o horto, 
Sítios caros da infância. 

Austera moça 
Junto ao velho portão o vate aguarda; 
Pendem-lhe as tranças soltas 
Por sobre as roxas vestes. 
Risos não tem, e em seu magoado gesto 
Transluz não sei que dor oculta aos olhos; 

Dor que à face não vem, medrosa e casta, 
Íntima e funda; e dos cerrados cílios 
Se uma discreta muda 
Lágrima cai, não murcha a flor do rosto; 

Melancolia tácita e serena, 
Que os ecos não acorda em seus queixumes, 
Respira aquele rosto. A mão lhe estende 
O abatido poeta. 

Ei-los percorrem 
Com tardo passo os relembrados sítios, 
Ermos depois que a mão da fria morte 
Tantas almas colhera. Desmaiavam, 
Nos serros do poente, 
As rosas do crepúsculo. 

“Quem és? pergunta o vate; o sol que foge 
No teu lânguido olhar um raio deixa; 
Raio quebrado e frio; o vento agita 
Tímido e frouxo as tuas longas tranças. 

Conhecem-te estas pedras; das ruínas 
Alma errante pareces condenada 
A contemplar teus insepultos ossos. 

Conhecem-te estas árvores. E eu mesmo 
Sinto não sei que vaga e amortecida 
Lembrança de teu rosto.

Desceu de todo a noite, 
Pelo espaço arrastando o manto escuro 
Que a loura Vésper nos seus ombros castos, 
Como um diamante, prende. Longas horas 
Silenciosas correram. 

No outro dia, 
Quando as vermelhas rosas do oriente 
Ao já próximo sol a estrada ornavam 
Das ruínas saíam lentamente 
Duas pálidas sombras: 
O poeta e a saudade."

Machado de Assis, in "Falenas"

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