sexta-feira, 25 de abril de 2025

O Brasil que dá certo: Paraná apresenta modelo pioneiro na cúpula da OCDE

Com sotaque paranaense, o futuro sustentável ganhou voz em Paris

Por Ronald Stresser*
 
A superintendente Keli Guimarães na sede da OCDE, em Paris - Foto: SGDES
 

Na semana passada, em um auditório repleto de sotaques diversos e ideias ambiciosas, o português do Paraná ecoou entre os corredores da sede da OCDE, em Paris. Representando os 399 municípios do estado, a superintendente Keli Guimarães levou ao coração da Europa uma história que começa nas pequenas cidades brasileiras, mas que se conecta com o mundo: a busca por um desenvolvimento que respeita o presente e cuida do futuro.

Convidada para palestrar no painel “Localizando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – Histórias de Impacto de Cidades e Regiões”, Keli não falou em nome de uma teoria. Falou de uma prática viva, construída com gestores públicos, comunidades e servidores que têm como meta transformar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU em políticas públicas locais — aplicáveis, acessíveis e eficazes.

“Temos uma estrutura inédita no Brasil, voltada exclusivamente para essa missão. Nosso trabalho é pegar a Agenda 2030 e trazê-la para a realidade de cada município, seja ele grande ou pequeno. Fazer com que os ODS saiam dos relatórios e passem a fazer parte do dia a dia das pessoas”, destacou a superintendente da SGDES (Superintendência Geral de Desenvolvimento Econômico e Social).

O protagonismo paranaense e as trocas globais

O Paraná não foi a Paris como coadjuvante. Desde 2019, o estado é o único do Brasil com um convênio firmado com a própria OCDE para a implementação dos ODS em escala regional. Esse pioneirismo rendeu frutos e respeito: durante os “Dias das Cidades”, a delegação paranaense participou de reuniões bilaterais com lideranças internacionais, incluindo representantes da ONU-Habitat, da prefeitura de Courbevoie, da UCLG (Cidades e Governos Locais Unidos) e do embaixador brasileiro junto à OCDE.

Além de Keli Guimarães, o grupo do governo do Paraná contou com a presença da diretora-geral técnica da Casa Civil, Luciana Carla da Silva, responsável pelo projeto Mandala, e do procurador do Estado, Alexandre Barbosa. Juntos, participaram da 16ª Reunião do Comitê Diretor do programa “Uma Abordagem Territorial para os ODS”, ao lado de outras sete regiões-modelo de diferentes continentes.

 
Representantes do Paraná debatem cidades inclusivas ao lado de líderes globais na OCDE - Foto: SGDES
 

ODS com identidade local e resultados reais

Entre os temas que dominaram os debates do evento estavam as cidades inclusivas, a economia circular, a adaptação às mudanças climáticas e os desafios do financiamento público verde. Mas o que chamou atenção na fala de Keli foi o modo como o Paraná conseguiu dar rosto e identidade própria a metas globais.

É que ali, no estado onde o agronegócio convive com áreas preservadas, onde polos tecnológicos crescem ao lado de comunidades tradicionais, os ODS ganham forma concreta. Viram programa de segurança alimentar para estudantes universitários, projeto de resíduos sólidos com cooperativas locais, metas de emissão de carbono monitoradas por prefeituras.

Do interior à vitrine do mundo

A presença do Paraná em um palco internacional como o da OCDE não é apenas um reconhecimento — é um chamado. Um convite para que outras regiões, dentro e fora do Brasil, apostem no poder da articulação entre governos locais e metas globais. Para que compreendam que não é necessário esperar por grandes reformas nacionais quando se tem, em nível municipal, vontade política, técnica qualificada e compromisso com o bem comum.

Como disse a superintendente, “falar de ODS é, acima de tudo, falar de gente. Do acesso à saúde, da criança que precisa de escola de qualidade, do jovem que quer oportunidade, do agricultor que precisa de apoio para produzir sem destruir. É sobre isso que tratamos quando dizemos que o Paraná está comprometido com o desenvolvimento sustentável”.

E em Paris, essa mensagem foi recebida com respeito, admiração — e esperança.

*com informações da Agência Estadual de Notícias do Paraná e SGDES.

A farra acabou! Governo federal mostra que o crime não compensa

A farra acabou: com PF livre para agir, Lula desmonta esquema bilionário contra aposentados iniciado em governos anteriores

Por Ronald Stresser

 
Operação Sem Desconto, da Polícia Federal, em vários estados brasileiros contra fraudes no INSS — Foto: Polícia Federal
  

Quarta-feira passada, 23 de abril de 2025, uma cena emblemática selou o fim de uma era de impunidade no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Foi com a caneta firme e o coração atento que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou, ainda na manhã de quarta-feira, a exoneração de Alessandro Stefanutto da presidência do INSS. A decisão veio assim que Lula soube, pelos próprios chefes da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União, que Stefanutto estava no centro de uma trama bilionária que atingiu em cheio quem menos podia se defender: aposentados e pensionistas.  

O esquema, revelado pela operação Sem Desconto, não nasceu ontem. Começou lá atrás, no governo Temer, criou raízes no governo Bolsonaro — quando nada foi feito para freá-lo — e só agora, com a autonomia reconquistada dos órgãos de controle, começa a ser desmontado. Estima-se que R$ 6,3 bilhões tenham sido arrancados do bolso dos mais vulneráveis por meio de descontos indevidos, feitos sem consentimento, mês após mês, em nome de associações que muitos sequer sabiam que existiam. A farra só teve fim quando o governo deixou claro: ninguém, por mais alto que esteja, será poupado se trair a confiança do povo.

Mais do que números, trata-se de vidas. Milhões de idosos — gente que trabalhou a vida inteira e vive com benefícios muitas vezes inferiores a um salário mínimo — tiveram parte de seus vencimentos drenada por associações e sindicatos que descontavam, sem autorização, mensalidades “fantasmas” diretamente da folha do INSS. 

A investigação revelou o que muitos beneficiários já suspeitavam ao conferir seus contracheques: uma cobrança que não era solicitada, que ninguém sabia ao certo de onde vinha, mas que, mês após mês, subtraía alguns reais preciosos do sustento de famílias inteiras. A prática foi tolerada e aprofundada entre 2019 e 2022, no governo Bolsonaro, segundo o deputado Zeca Dirceu (PT-PR). “Ninguém fez nada, pois não havia independência da Polícia Federal nem ação da Controladoria Geral da União para investigar esses governos”, afirmou o parlamentar.

Com Lula, a virada

Mas os tempos mudaram. Com Lula de volta ao Planalto, a Polícia Federal — antes aparelhada e usada politicamente — voltou a ter liberdade para agir, doa a quem doer. A CGU foi reestruturada, ganhou musculatura e voltou a exercer seu papel de guardiã dos recursos públicos. “Lula acabou com a farra do INSS”, reforça Zeca Dirceu.

O presidente foi informado logo no início da manhã de quarta-feira sobre o teor da investigação. Ao tomar conhecimento dos fatos, Lula não titubeou. Determinou, ele próprio, a demissão de Stefanutto. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, relatou a jornalistas a postura firme do presidente: “Ele demonstrou preocupação e pediu detalhes. Assim que compreendeu o tamanho da fraude, mandou afastar”.

Stefanutto, que havia sido indicado para o cargo pelo ministro da Previdência, Carlos Lupi, é um dos seis servidores públicos investigados. Antes de assumir a presidência do INSS, ele já era diretor de Orçamento, Finanças e Logística da autarquia — justamente a área envolvida na autorização dos descontos suspeitos.

Autonomia e reparação

Diferentemente do que ocorria em administrações anteriores, a nova gestão não tentou blindar aliados nem protelar medidas. Ao contrário: o governo Lula anunciou a suspensão imediata de todos os acordos de cooperação técnica que permitiam às entidades fazerem descontos diretamente nos benefícios do INSS. O ministro da CGU, Vinicius Marques de Carvalho, informou que será feito um pente-fino nas cobranças e que o governo irá garantir a restituição dos valores descontados indevidamente. 

“Não temos como dar prazo agora, mas quem foi lesado será ressarcido”, afirmou. Já a diretora Débora Floriano garantiu que um plano detalhado está em elaboração para devolver o que foi tirado injustamente dos segurados. “Vamos tratar todas as informações com responsabilidade e trabalhar em uma força-tarefa conjunta para o ressarcimento integral.”

O peso do exemplo

A operação foi contundente: 211 mandados cumpridos em 13 estados e no Distrito Federal, com sequestro de bens que ultrapassam R$ 1 bilhão — incluindo Ferraris, joias, um Rolls-Royce e mais de US$ 200 mil em espécie. Cinco pessoas já estão presas. Entre os crimes investigados estão algumas das práticas mais perversas contra o interesse público: corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, falsificação de documentos e formação de organização criminosa. Atos que, longe de serem meras palavras jurídicas, representam escolhas conscientes de enganar, desviar e lucrar às custas de quem já vive com pouco.

Para além da punição, o caso serve como um marco: não há mais espaço para esquemas silenciosos contra a população mais vulnerável. A PF, que já foi chamada de “engavetadora” em governos passados, age agora com independência. “Essa é a diferença que um governo sério faz”, como disse Gilberto Carvalho ainda em 2012, quando a autonomia da corporação começou a ser consolidada sob Lula.

Se antes a proteção aos poderosos era regra, agora ela dá lugar à transparência e à justiça. A Operação Sem Desconto não é só sobre fraudes — é sobre dignidade. É sobre respeitar quem já contribuiu com o país e agora precisa apenas viver com tranquilidade.

E, principalmente, é sobre mostrar que, num Brasil que volta a se levar a sério, ninguém está acima da lei.

O dia da prisão de Fernando Collor de Mello

Brasil à beira de um novo capítulo histórico: prisão de Collor se torna símbolo de alerta para Bolsonaro

Por Ronald Stresser, da redação.

 
Collor apoiou o governo Bolsonaro - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
 

Na manhã desta sexta-feira, 25 de abril de 2025, o Brasil amanheceu diante de um daqueles momentos que misturam choque e memória. É como se o tempo tivesse dado uma volta amarga: Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito pelo voto direto após a redemocratização, está prestes a ser preso. Aos 75 anos, o alagoano entrará para a história — mais uma vez — como o terceiro ex-presidente brasileiro a ser encarcerado desde 1988. E, tudo indica, não será o último. Em Brasília, o clima é de tensão abafada. Jair Bolsonaro, dizem aliados, está em pânico. Entre adversários, o sentimento é de que ele já se reconhece no destino do ex-colega de palanque — e de farda, agora manchada.

A ordem de prisão foi assinada e emitida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Collor foi condenado a 8 anos e 10 meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Moraes, o mesmo que vem conduzindo com mão firme o inquérito sobre a tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023 — e que se tornou o maior pesadelo de Bolsonaro —, deixou claro mais uma vez: o Brasil pode até ter memória curta, mas ele não tolerará impunidade. Nem para quem já ocupou o mais alto cargo da República.

A prisão de Collor é simbólica. Vai além dos R$ 20 milhões em propinas que ele recebeu entre 2010 e 2014, quando era senador. O que se tem diante dos olhos é o peso de décadas de impunidade vindo à tona com a força de uma maré tardia, mas inexorável. E o que assusta Bolsonaro é exatamente isso: o timing.

O fantasma da cela vizinha

Nos bastidores do PL, partido do ex-presidente, a sensação é de cerco fechado. Bolsonaro já foi indiciado pela Polícia Federal por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. A expectativa é de que a Procuradoria-Geral da República apresente a denúncia ainda neste primeiro semestre. E com Moraes como relator, poucos duvidam de uma condenação célere.

Para aliados mais íntimos, Bolsonaro tem alternado crises de irritação e momentos de silêncio absoluto. Seu entorno evita mencionar o nome de Collor. A ordem é minimizar a gravidade da situação, mas os sinais são visíveis: há semanas o ex-presidente tem evitado eventos públicos, reduzido aparições nas redes sociais e, segundo fontes próximas, chegou a consultar criminalistas experientes sobre prisões em regime fechado. O “mito” que já se dizia perseguido agora teme ser preso como criminoso comum.

O peso da história

Com a eventual prisão de Bolsonaro, o Brasil passará a ter dois ex-presidentes presos simultaneamente — uma marca inédita no período republicano. Desde a redemocratização, quatro dos seis homens que vestiram a faixa presidencial foram parar atrás das grades: Lula (preso entre 2018 e 2019), Michel Temer (duas passagens curtas em 2019), Fernando Collor (agora, em 2025) e, possivelmente, Bolsonaro.

Na prática, isso significa que dois terços dos presidentes pós-ditadura foram alvos de investigações, processos ou condenações. Um retrato contundente da relação do poder com o crime no Brasil. Mas, para além da estatística, a prisão de Collor reacende outra ferida nacional: a crença — ou descrença — na justiça como redentora de um país sistematicamente saqueado por suas lideranças.

O último ato de um homem que já caiu duas vezes

Collor deixará sua mansão em Maceió nesta manhã, escoltado pela própria história. O mesmo homem que, em 1992, renunciou para escapar de um impeachment, agora se entrega à Justiça para cumprir uma pena por crimes cometidos décadas depois. É como se o Brasil, 33 anos após sua queda, finalmente fechasse o ciclo iniciado com os “caras-pintadas” nas ruas.

Na decisão que determinou a prisão, Alexandre de Moraes foi cirúrgico: considerou os recursos da defesa “protelatórios” e reafirmou que não há mais margem para manobras jurídicas. O julgamento no plenário virtual do STF começa hoje e, embora o rito exija confirmação da Corte, a prisão pode ocorrer a qualquer momento — o que torna esta sexta-feira um divisor de águas na política nacional.

O Brasil que emerge

Enquanto Collor se entrega, Bolsonaro observa. E teme. Porque diferente de Collor, que teve quase 30 anos entre a presidência e a cadeia, o capitão reformado pode não ter nem três. E caso o STF mantenha a firmeza que tem demonstrado nos processos derivados do 8 de janeiro, o futuro poderá lhe reservar o mesmo destino — com mais rapidez, mais repercussão e menos clemência.

É irônico que o país que lutou tanto pela democracia desde 1985 veja hoje metade de seus ex-presidentes presos ou processados por corroer justamente os pilares desse regime. Mas talvez, no meio dessa tragédia democrática, haja uma esperança silenciosa: a de que o Brasil esteja, enfim, aprendendo que ninguém está acima da lei — nem mesmo aqueles que, um dia, mandaram nela.

Hoje, Collor cai, Bolsonaro entra em pânico, com uma prisão que também parece eminente, e o Brasil observa, dessa vez confiante em dias e em escolhas melhores. Afinal o STF parece deixar muito claro um recado, que serve para todos os brasileiros: o crime não compensa e o colarinho branco não anistia criminosos. Poder não pode ser sinônimo de impunidade.

quinta-feira, 24 de abril de 2025

Centro sob cerco: polícia desmantela reduto do tráfico em Curitiba

Centro de Curitiba amanhece cercado em operação contra o tráfico, e COPE é elogiado por ação certeira

Por Ronald Stresser*
 
 

O dia ainda nem tinha clareado direito quando o centro de Curitiba foi tomado por uma cena digna de filme policial. O silêncio habitual das primeiras horas foi rompido pelo eco das sirenes, que cortavam as ruas estreitas como navalha em pele fina. Viaturas surgiram de todos os lados, seguidas por motos em alta rotação e passos firmes de agentes encapuzados que invadiam corredores estreitos de hotéis velhos e pousadas de fachada apagada — endereços que, para muitos, sempre pareceram esconder mais do que mostravam.

Era uma operação milimetricamente planejada, mas que, aos olhos de quem assistia da janela ou do balcão de uma padaria, parecia emergir do nada. Em questão de horas, seis desses estabelecimentos foram completamente revirados por uma força-tarefa determinada e silenciosa, liderada pela Polícia Civil do Paraná (PCPR), com o apoio da Polícia Militar (PMPR) e da Polícia Penal (PPPR). Não houve espaço para dúvidas nem para fuga: o cerco estava fechado.

 
  

A operação, planejada com minúcia pelo COPE – Centro de Operações Policiais Especiais – foi mais que uma blitz. Foi um recado direto ao crime organizado que, silenciosamente, vinha usando estruturas da região central como base para o tráfico de drogas.

Foram mais de 150 policiais mobilizados. Eles passaram quarto por quarto, revisaram áreas comuns, abriram mochilas, armários e até forros de teto. O resultado não deixou dúvidas sobre o acerto da ação: mais de 6 quilos de drogas apreendidos, entre maconha, crack, morruga (um tipo de cannabis de alta potência), haxixe, skunk, MDMA, LSD e ecstasy. Tudo armazenado em pequenas embalagens, prontas para a venda. Também foram recolhidos celulares, cadernos de anotações do tráfico, balanças de precisão e dinheiro em espécie.

 

“Sabíamos que a região vinha sendo usada como entreposto do tráfico, mas o nível de organização que encontramos surpreendeu até os mais experientes”, confidenciou um dos agentes, sem esconder o cansaço e o alívio após horas de varredura.

Nove pessoas foram conduzidas à delegacia – três presas em flagrante, uma com mandado em aberto e cinco autuadas por porte para consumo próprio. Para a população que vive, trabalha ou transita pelo coração da cidade, a operação foi vista como um suspiro de segurança e uma resposta a pedidos antigos por mais fiscalização nessa zona já conhecida por sua vulnerabilidade.

O COPE, que há anos se notabiliza por ações precisas e cirúrgicas, mais uma vez cumpriu seu papel com firmeza e profissionalismo. Em um momento em que a presença do Estado é cada vez mais exigida nas áreas urbanas mais densas, o trabalho da Polícia Civil se impõe como símbolo de resistência à banalização da violência e às redes do crime.

 
 

A operação desta manhã não resolve, sozinha, um problema estrutural. Mas representa um passo decisivo — e muito bem executado — na missão de devolver ao centro de Curitiba um pouco da tranquilidade que seus moradores e comerciantes tanto merecem.

Mais do que números, a ação desta quinta-feira é sobre presença, estratégia e coragem. E por isso, o reconhecimento público ao COPE e às forças de segurança é mais do que justo — é necessário.

*com informações e fotos da SESP-PR.

Desvio de 6 bilhões no INSS

Escândalo no INSS: fraude bilionária atinge aposentados e derruba presidente do instituto

Por Ronald Stresser*

 
 

Na manhã da última quarta-feira (23), o Brasil despertou com uma notícia dura de engolir — daquelas que ferem especialmente quem já vive contando centavo por centavo. Foi como um soco no estômago de quem já carrega o peso de uma vida inteira de trabalho. Um novo escândalo veio à tona — desta vez, no coração do INSS — e atingiu em cheio quem menos podia ser atingido: os aposentados e pensionistas, brasileiros e brasileiras que, por décadas, sustentaram este país com suor, silêncio e esperança. Gente que agora vê o pouco que recebe ser alvo de ganância.

A Polícia Federal, em parceria com a Controladoria-Geral da União (CGU), deflagrou uma operação de grande porte para desmontar um esquema perverso, que há anos vinha corroendo, quase invisivelmente, o benefício de milhões. Um desvio silencioso, feito na surdina, tirando pouco a pouco o que muitos levaram a vida inteira para conquistar. Foram cerca de R$ 6 bilhões desviados em forma de descontos indevidos — quantias que, somadas ao longo do tempo, tiraram comida da mesa, comprimido do armário e dignidade do fim de mês de quem já tem pouco.

Entre os alvos da investigação está o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi). A entidade, que deveria ser aliada dos aposentados, tem como vice-presidente Frei Chico, irmão do presidente Lula. Embora ele não seja investigado, sua presença na estrutura do sindicato lançou uma sombra de constrangimento sobre o governo — e acendeu um alerta político dentro e fora do Planalto.

A operação terminou com o descredenciamento do sindicato por ordem judicial, além de mandados de busca e apreensão em suas sedes. A acusação que pesa sobre a entidade é grave: cobrar mensalidades e taxas associativas diretamente do contracheque de aposentados — muitas vezes sem qualquer consentimento. Em outras palavras, tirar no silêncio o que deveria estar garantido por direito.

Golpe sobre os mais vulneráveis

Aposentada há pouco mais de uma década, dona Margarida, de 78 anos, só descobriu que vinha sendo cobrada indevidamente ao pedir ajuda da neta para conferir os extratos no aplicativo Meu INSS. “Eu nunca autorizei desconto nenhum. Já é pouco o que recebo, e ainda tiram sem perguntar. Isso é roubo”, desabafa.

Histórias como a dela se repetem em todo o Brasil. Pessoas que, muitas vezes com pouca familiaridade com tecnologia ou sem acesso fácil a canais de denúncia, foram vítimas de um sistema que deveria protegê-las.

Segundo a CGU, milhões de reais eram descontados todos os meses sem autorização clara ou com autorizações forjadas. “É uma fraude institucionalizada”, define um dos investigadores da operação, em condição de anonimato.

Renúncia no alto escalão

O impacto foi imediato. Pressionado pelos desdobramentos da operação e pela proximidade entre o sindicato e membros da alta cúpula do governo, o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, apresentou seu pedido de demissão ainda na tarde de quarta. Ele é o segundo a deixar o cargo desde o início do governo Lula — o primeiro, Glauco Wamburg, caiu em 2023 por uso indevido de passagens.

Nos bastidores, a saída de Stefanutto é vista como uma tentativa de “estancar a sangria” e preservar a imagem do governo diante do eleitorado mais velho, que forma parte significativa da base lulista.

Sindicato se defende

Em nota oficial, o Sindnapi declarou que “a proteção dos direitos dos aposentados é uma prioridade fundamental” e que apoia as investigações para esclarecer eventuais irregularidades. A entidade também disse que está colaborando com as autoridades e que “atua com transparência e responsabilidade social”.

Mesmo assim, o dano está feito. O nome do sindicato, por anos ligado a lutas históricas por direitos dos aposentados, agora carrega a marca de um dos maiores escândalos da Previdência nos últimos tempos.

E agora?

A Polícia Federal segue analisando documentos e movimentações financeiras. Novos desdobramentos são esperados, e outros dirigentes de entidades semelhantes já estão na mira. A orientação da CGU é clara: aposentados e pensionistas devem verificar seus extratos regularmente e denunciar qualquer desconto que não tenham autorizado.

O escândalo reacende o debate sobre a necessidade de maior controle sobre entidades que operam junto ao INSS e, principalmente, sobre quem está cuidando — ou lucrando — com os direitos dos que já deram sua contribuição ao país.

*com informações da Agência Brasil.

Megaoperação policial para o centro de Curitiba

Entre corredores e cortinas fechadas: a ofensiva policial no coração de Curitiba contra o crime velado

Por Ronald Stresser*
 
Operação, coordenada pelo COPE contou com 150 policiais - SESP-PR
 

Na madrugada de uma quinta-feira que amanheceu cinzenta, o centro histórico de Curitiba despertou sob o som ritmado de botas, rádios chiando e ordens rápidas ecoando pelos corredores de seis hotéis e pousadas. Não era mais uma manhã qualquer para quem mora, trabalha ou transita pelas ruas estreitas entre a Praça Tiradentes e a Rodoferroviária. Era o dia de encarar uma ferida aberta — há anos — sob a pele urbana da cidade.

A madrugada ainda nem tinha clareado direito quando mais de 150 agentes das polícias Civil, Militar e Penal começaram a se espalhar pelo centro de Curitiba. Não estavam ali por acaso, nem era uma operação qualquer. Depois de meses de investigação, iniciada em outubro do ano passado, os policiais tinham um objetivo direto: cortar, pela raiz, o apoio logístico que vinha sustentando o tráfico de drogas, a prostituição e outros crimes silenciosos que se infiltraram em velhos hotéis da região central. Eram seis os alvos, escolhidos com precisão. Por trás das fachadas desgastadas desses estabelecimentos, se escondiam histórias difíceis e uma engrenagem clandestina que há tempos vinha funcionando longe dos olhos da maioria.

A figura presa naquele mês, segundo o delegado Rodrigo Brown, do Centro de Operações Policiais Especiais (COPE), é apontada como responsável por controlar com mão de ferro o tráfico no centro da capital. “Ele não apenas vendia drogas. Ele executava rivais. Mantinha um domínio violento, criando um ecossistema de medo”, revelou o delegado.

Portas que escondem histórias e crimes

Na prática, os hotéis-alvo da operação se tornaram zonas cinzentas da cidade. Espremidos entre prédios históricos e comércio popular, esses estabelecimentos funcionavam como pontos de apoio ao crime organizado. Quartos pequenos e baratos que, longe de abrigarem turistas ou trabalhadores de passagem, se transformaram em trincheiras do submundo.

Em muitos desses lugares, não há recepcionista formal, nem sistema de segurança. O entra e sai constante, as cortinas sempre fechadas e os sussurros nos corredores já não chamavam mais atenção. “A maioria desses lugares sequer tem alvará. Muitos nem CNPJ. E ainda assim operam, camuflados na rotina urbana”, afirma um agente da Ação Integrada de Fiscalização Urbana (AIFU), que pediu anonimato.

Durante a operação, vários hóspedes foram conduzidos para a delegacia por porte de drogas. Outros já eram procurados pela Justiça. “Esses espaços acabam servindo de esconderijo para pessoas que cometem furtos, roubos e até homicídios. Estamos neutralizando as bases de apoio deles”, completou o delegado Brown.

 
A operação visa combater o tráfico de drogas e outros ilícitos - SESP-PR
 

O outro lado do balcão

Mas em meio à repressão, emergem também histórias humanas. Na calçada da Rua Pedro Ivo, uma mulher que se identificou apenas como Eliane, 48 anos, chorava ao ver o hotel em que vivia há meses ser invadido pela polícia. “Não sou criminosa. Trabalho com limpeza. Só não tenho pra onde ir”, disse, enquanto segurava uma sacola com roupas e documentos.

Ela é um retrato das dezenas de pessoas que, empurradas para a margem, acabaram encontrando nesses locais uma moradia possível, ainda que precária. A linha que separa vítimas de coniventes é, muitas vezes, tênue.

A cidade que pulsa e sangra

O secretário estadual de Segurança Pública, Hudson Leôncio Teixeira, afirmou que a operação tem como foco impedir que a região central da cidade continue servindo como apoio ao crime. “Queremos devolver o Centro para a população. Um espaço seguro, saudável, digno”, declarou.

Mas o desafio é imenso. O centro de Curitiba é um organismo vivo — e doente. Entre os casarões centenários e os edifícios decadentes, convivem culturas, comércios populares, histórias de resistência e, infelizmente, redes criminosas que se aproveitam da omissão pública e da vulnerabilidade social.

Nesta quinta-feira, entre sirenes e camburões, uma parte dessa teia começou a ser desfeita. Mas a pergunta que ecoa, agora que o sol voltou a surgir entre nuvens, é: quem vai ocupar os espaços deixados para trás?

Porque onde há vácuo de poder, o crime não hesita em voltar. E onde o Estado não chega com política social, ele chega com repressão.

*com informações da SESP-PR

Brasil, emtre a esperança verde e o veneno invisível

Brasil às vésperas da COP 30: entre a esperança verde e o veneno invisível

Por Ronald Stresser*

 
 

Quando o Brasil se prepara para sediar a COP30, em novembro, na cidade de Belém, no Pará, o país se encontra num ponto de inflexão. De um lado, apresenta ao mundo um compromisso renovado com o enfrentamento da crise climática e assume um papel de protagonismo internacional. De outro, carrega contradições profundas — e perigosas — como o uso desenfreado de agrotóxicos, que contamina solos, corpos e esperanças.

A floresta ardeu, o rio secou, e a chuva, que antes inspirava poesia, hoje pode trazer veneno.

O Brasil que quer liderar

O presidente Lula, em discurso recente, ao lado do secretário-geral da ONU, António Guterres, cobrou mais ambição nas meras para a redução mundial de emissões de carbono. Até o momento apenas 10% dos países membros da ONU apresentaram suas NDCs (as metas climáticas nacionais), e Lula não economizou na crítica: "O planeta já está farto de promessas não cumpridas."

O tom é de urgência. "A Amazônia registrou a pior seca da sua história, e o calor extremo tem provocado o branqueamento massivo de corais no oceano", alertou o presidente. Em resposta a esse cenário alarmante, o governo propôs quatro iniciativas, entre elas o “Fundo Florestas Tropicais para Sempre” e a criação de um “Balanço Ético Global”, que valorize ciência, juventudes, povos originários e lideranças religiosas.

O discurso é forte, a intenção parece genuína — e o mundo estará olhando.

Uma beleza que não tolera o crime

O governo federal tem sinalizado uma política de tolerância zero com crimes ambientais. O tom da nova política climática é claro: proteger florestas, punir desmatadores, regular atividades extrativistas. Há uma tentativa visível de reconstrução, depois dos anos de terra arrasada sob a gestão anterior. A credibilidade climática do Brasil, tão fragilizada no passado recente, agora tenta se reerguer com planos, alianças e diplomacia.

Mas há uma nuvem escura que insiste em pairar sobre esse céu que tenta se abrir.

O veneno ainda escorre

Enquanto o país promete uma virada ecológica, o legado tóxico de anos anteriores ainda pesa — e mata. Durante o governo Bolsonaro, mais de 300 agrotóxicos antes proibidos foram liberados para uso no país. Muitos deles banidos na Europa por riscos comprovados à saúde humana e ao meio ambiente. E, até aqui, nenhum foi reavaliado ou voltou a ser proibido.

O silêncio sobre esse tema, mesmo num governo que se apresenta como ambientalmente comprometido, preocupa.

Um estudo recente da Unicamp, publicado na revista Chemosphere e repercutido pela Revista Fapesp, acendeu o alerta: amostras de chuva coletadas em Campinas, Brotas e São Paulo continham agrotóxicos — inclusive a atrazina, um herbicida proibido no Brasil, mas ainda presente no ar, na água e na terra. A contaminação está diretamente associada à extensão dos cultivos agrícolas em cada região.

"O estudo desmistifica a ideia de que a água da chuva é pura. Isso tem que ser debatido", afirma a pesquisadora Cassiana Montagner, responsável pela pesquisa.

O agro é pop, mas a conta é pesada

A presença invisível de pesticidas na água da chuva não é apenas um dado técnico. É uma denúncia silenciosa. É o corpo humano que adoece, é o solo que se degrada, são crianças que crescem cercadas por veneno sem saber. É também a face mais cruel de um modelo agrícola intensivo, que prioriza o lucro de poucos à custa da saúde de muitos.

E nesse modelo, o Brasil — maior consumidor de agrotóxicos do mundo — precisa decidir de que lado quer estar.

A COP que precisa ser cura

Sediar a COP30 é um marco simbólico e político. É a chance de mostrar que o Brasil pode ser exemplo — não apenas no discurso, mas na prática. Que pode alinhar crescimento à preservação, soberania alimentar à agroecologia, tecnologia ao respeito pela vida.

Mas para isso, será preciso coragem. Coragem para enfrentar lobbies poderosos. Coragem para revisar liberações irresponsáveis. Coragem para reconhecer que não há transição justa possível enquanto o veneno for rotina.

O povo brasileiro precisa saber: o que escorre nas águas da chuva não é apenas um reflexo do céu. É um espelho do país que estamos construindo.

Belém nos espera. O mundo também. Que a floresta fale mais alto que o veneno.

*com informações da Agência Brasil.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Fé nas ruas: sincretismo e devoção marcam o Dia de São Jorge no Brasil

Fé nas ruas, bênçãos no corpo: o Rio e Curitiba celebram São Jorge com devoção e sincretismo

Por Ronald Stresser*
 
 

23 de abril, dia de São Jorge – No coração fervilhante do centro do Rio de Janeiro, a imagem do santo guerreiro une multidões sob o sol escaldante. Um mar de fiéis de vermelho e branco toma conta das ruas, carregando nas mãos rosas, espadas simbólicas e pedidos silenciosos. É dia de São Jorge – ou Ogum, para os que o reverenciam nos terreiros de umbanda e candomblé. O sincretismo religioso que molda a alma carioca pulsa vivo neste 23 de abril.

Logo cedo, ainda com a cidade acordando, a artesã Maria Rosa, moradora de Vista Alegre, já estava na fila que contornava a Igreja de São Jorge. Entre uma oração e outra, ela confidenciava seus motivos: “Venho todo ano. Peço força, saúde e trabalho. Meu pai está com câncer de pele, minha mãe vive com dores... é aqui que eu renovo minhas esperanças”.

A poucos passos dali, a bênção não vinha apenas em latim. Vestido de branco e cercado por ervas, o babalorixá Luiz Alberto de Oxóssi estendia as mãos sobre cada cabeça que se aproximava. “Hoje São Jorge e Ogum caminham juntos. A rua vira templo. A gente traz o axé para quem não pode pagar por um banho completo, para quem precisa de energia positiva. Isso aqui é o Brasil”, disse ele, sorrindo sob o peso dos colares coloridos.

O funcionário público Leonardo Nascimento, 36, desceu as escadas da igreja com lágrimas nos olhos. “É uma emoção que não dá pra explicar. É minha mãe que me ensinou essa fé. Toda vez que venho, volto mais forte”, conta. Na saída, um seminarista aspergia água benta com uma escova encharcada. O calor não intimidava o jovem Marcos Paulo Telles, 22, em plena jornada para se tornar padre. “Eles vêm buscar bênçãos, mas também nos abençoam com sua fé”, disse, com o rosto suado e expressão serena.

Ali, na esquina entre o sagrado católico e as tradições afro-brasileiras, a manicure Julia Firmino Rosa, de 27 anos, dava a receita do dia perfeito: “Primeiro a missa, depois a igreja, e por fim o banho com ervas. Fazemos isso todo ano. São Jorge nos dá livramentos, saúde. Ele é nossa força”.

 
Paróquia em Curitiba celebra São Jorge todo dia 23 de abril com tradicional venda de bolos e festa - Foto: Raphael Pereira/Tribuna do Paraná
 

A mais de oitocentos quilômetros dali, no bairro Portão, em Curitiba, o ritmo é diferente, mas o espírito é o mesmo. A Paróquia São Jorge abriu as portas às 7h da manhã, acolhendo devotos para missas, bênçãos de carros e o tradicional bolo do padroeiro. Sete mil pedaços preparados com esmero, recheados de doce de leite, abacaxi com coco ou ameixa. Escondidas em 2.500 fatias, medalhinhas de São Jorge prometiam um pouco mais de sorte a quem as encontrasse.

“É uma tradição que atravessa gerações. As pessoas vêm com fé, mas também para se sentir parte de uma comunidade”, contou dona Cidinha, 68 anos, voluntária há mais de duas décadas na paróquia. “Este ano, com a morte do Papa Francisco, montamos também um espaço especial em homenagem a ele. A fé é assim: um elo que se renova, que acolhe.”

No sábado (26), a festa continua em Curitiba com pastel, música e confraternização. No Rio, o que fica é o cheiro da arruda, os cânticos misturados e a certeza de que, para milhões de brasileiros, São Jorge – ou Ogum – é mais que um santo. É escudo, espada e esperança.

“Ogum iê, meu pai!” ou “Salve Jorge!” – seja qual for a saudação, o Brasil responde com fé.

*com informações da Agência Brasil e Tribuna do Paraná.

Minérios do futuro: o Pará na corrida global por recursos estratégicos

Na corrida global por minérios estratégicos, o Brasil corre o risco de virar zona de sacrifício climática

Por Ronald Stresser*

 
Imagem: Observatório da Mineração
 

Em um mundo sedento por energia limpa e tecnologias sustentáveis, a corrida pelos chamados "minerais de transição" – essenciais para turbinar a economia verde – virou uma disputa de gigantes. China, Estados Unidos, Europa. Cada qual com sua estratégia, suas ambições. Mas sob os trilhos dessa locomotiva geopolítica de alta velocidade, há territórios e populações que podem estar sendo esmagados.

O Brasil, que abriga algumas das maiores reservas de terras-raras do mundo, figura como peça-chave nesse novo tabuleiro. Do lítio ao nióbio, do cobre ao grafite, nosso subsolo virou ativo estratégico. Mas a que custo?

Um relatório inédito do Observatório da Mineração, em parceria com o Mission Climate Project, da Inglaterra, joga luz sobre os impactos cumulativos da mineração no país. O documento traz uma revelação inquietante: o Pará – justamente o estado que sediará a COP 30 em 2025 – é hoje a região mais vulnerável aos riscos climáticos entre os principais polos mineradores do Brasil.

“A combinação entre atividades extrativistas em larga escala e a intensificação das mudanças climáticas está comprometendo a segurança hídrica, acirrando os desastres ambientais e expondo comunidades inteiras a riscos extremos”, alerta Gabriela Sarmet, consultora do Observatório. “Estamos criando zonas de sacrifício no Brasil para atender à demanda de descarbonização do Norte global.”

O paradoxo é brutal: enquanto Belém se prepara para receber líderes do mundo inteiro em uma conferência voltada à preservação do clima, no interior do estado, frentes de mineração seguem empurrando a floresta para o chão. O desmatamento avança, os rios secam, os ecossistemas se fragilizam.

O estudo também aponta outros estados em situação crítica, como Minas Gerais, Goiás e Bahia. Mas no caso do Pará, a situação é mais simbólica – e mais alarmante. Em um estado que já concentra parte significativa da devastação amazônica, a pressão sobre os chamados “minerais do futuro” pode ampliar tragédias já anunciadas.

A corrida pelos minérios não é apenas técnica ou econômica. É política, estratégica, civilizatória. E está sendo disputada a tapa. A China, por exemplo, lidera com folga o domínio da cadeia global de produção de terras-raras. Já os Estados Unidos, de olho em alternativas, têm buscado ampliar sua influência sobre reservas da Ucrânia e até da Groenlândia.

O Brasil é tímido e parece indeciso,  em meio a didputa internacional por minérios raros. Precisamos fazer duas perguntas. Vamos nos posicionar aoenas como fornecedores de matéria-prima bruta, ou nos colocaremos como protagonistas de uma transição justa, visando uma exploração sustentável das nossas jazidas, respeitando as pessoas e o meio ambiente?

Até 2028, há pelo menos US$ 64 bilhões em investimentos previstos no setor brasileiro de mineração, incluindo novos projetos de exploração de minérios estratégicos. É uma cifra tentadora, mas que pode sair cara – ambiental e socialmente.

O relatório recomenda uma guinada urgente: regulamentações mais rígidas, estratégias efetivas de adaptação climática, proteção aos direitos das comunidades locais e uma reavaliação profunda do modelo minerador. O recado é claro: não há futuro sustentável com extrativismo predatório.

Enquanto o mundo se reúne em Belém para debater caminhos para salvar o planeta, o Brasil terá diante de si um espelho. E a pergunta não poderá ser evitada: queremos mesmo ser protagonistas da solução climática global – ou continuaremos sendo cúmplices do problema?

*com informações do Observatório da Mineração.

O último adeus a Francisco, o Papa que tocou o mundo

O último adeus começa: corpo de Papa Francisco chega à Basílica de São Pedro e fiéis já prestam suas homenagens

Por Ronald Stresser, da redação*
 
Papa Francisco em seu caixão aberto no Vaticano - Vatican Media
 

Na manhã desta quarta-feira, 23 de abril (Dia de São Jorge), os sinos da Cidade do Vaticano não anunciaram apenas o início de mais um dia — eles dobraram em sinal de luto. Às 9h no horário local (a diferenca de fuso-horário da Itáliapara o Brasil é de cinco horas), sob uma procissão carregada de silêncio e reverência, o corpo do Papa Francisco chegou à Basílica de São Pedro, onde ficará exposto até sexta-feira para a visitação pública dos fiéis. É o início do último adeus ao homem que, por doze anos, foi pastor do mundo e voz dos esquecidos.

O caixão aberto de Francisco deixou a capela da Casa Santa Marta — onde viveu e morreu — conduzido entre preces e aplausos. Antes da saída, uma oração íntima foi presidida pelo cardeal Kevin Farrell, marcando o começo de uma despedida que já se desenha como uma das maiores cerimônias fúnebres da história recente da Igreja Católica.

O cortejo atravessou a Praça de Santa Marta e a dos Protomártires Romanos, passando entre cardeais, religiosos e fiéis visivelmente emocionados. O caixão com o corpo do papa foi colocado no chão, em frente ao altar da nave central da Basílica de São Pedro, entre colunas milenares, afrescos renascentistas, relíquias sagradas e vitrais que testemunharam os séculos de história da fé católica. O velório do papa, cercado por flores, lágrimas e orações vindas dos quatro cantos do mundo, continua agora a visitação pública. Calcula-se que mais de 1,5 milhão de pessoas decem passar pelo velório até a manhã de sábado (26), quando acontecerá o funeral oficial, às 10h (5h no horário de Brasília).

Do Brasil, a comoção atravessa o oceano. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou presença na cerimônia, acompanhado da primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja. Mais do que um gesto de protocolo, a viagem é expressão de um laço real: o Brasil aprendeu a amar Francisco como se fosse um dos seus. Em nota oficial, Lula o chamou de “o mais brasileiro dos argentinos”, destacando seu sorriso, sua alma popular e o compromisso firme com os humildes.

“O mundo se despede de um homem que fez da fé um ato de resistência e compaixão. Francisco foi o papa dos excluídos, dos sem voz, dos que caminham à margem. Sua grandeza foi viver como viveu: ao lado dos últimos”, afirmou Lula, que decretou luto oficial de sete dias no país.

Junto a Lula e Janja, embarcam também o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o presidente do STF, Luís Roberto Barroso. É mais que uma comitiva de Estado — é um cortejo de afeto, de um povo que, mesmo distante, se sentiu tocado pela coragem e doçura de um papa que fez do Evangelho carne e gesto.

O funeral e o desejo final de Francisco

O funeral será presidido pelo Decano do Colégio Cardinalício, Giovanni Battista Re, e reunirá chefes de Estado, líderes religiosos e autoridades de todo o mundo. Mas, como já se viu nesta manhã, ali ninguém terá status. Serão todos peregrinos diante da memória de um homem que viveu com os pés no chão e o coração entregue.

Francisco também quebrou tradições na morte. Em testamento, deixou claro o desejo de não ser sepultado nas criptas da Basílica de São Pedro, mas sim na Basílica de Santa Maria Maggiore, seu santuário de devoção à Virgem. É ali, entre mosaicos milenares e o fluxo constante de anônimos, que ele fará sua morada final. Pediu apenas uma lápide simples, com a inscrição: Franciscus.

“Desejo que minha última viagem terrena se conclua justamente neste antiquíssimo santuário Mariano, onde costumava rezar no início e no fim de cada Viagem Apostólica”, escreveu, num pedido que resume toda a sua humildade.

Sede vacante e o silêncio que antecede o novo

Com a morte de Francisco, a Igreja entra em estado de *sede vacante*. O Colégio Cardinalício, agora sob os holofotes do mundo, prepara-se para o conclave. Dos 252 cardeais vivos, 135 têm direito a voto. Entre eles, sete brasileiros. A escolha do novo papa ainda levará alguns dias, talvez semanas, mas enquanto isso o mundo observa — e reza.

Na noite desta quarta-feira, enquanto multidões silenciosas entram na Basílica para se despedir, a pergunta que paira no ar não é apenas “quem será o próximo?”, mas “quem continuará sua missão?”. E talvez, entre as vozes que ecoam em São Pedro, a resposta venha não com palavras, mas com o exemplo: o de um papa que não teve medo de sujar as sandálias do pescador no barro do mundo.

*com informações do jornal O Globo e Vatican News.

terça-feira, 22 de abril de 2025

Os olhos do mundo voltados para a chaminé da Capela Cistina

Sete brasileiros e um conclave decisivo: o voto verde-amarelo na escolha do próximo papa

Por Ronald Stresser*
 
Chaminé solta fumaça branca na tarde nublada: Habemus Papam - Arquivo/Sulpost
 

A chaminé da Capela Cistina ainda não soltou a fumaça branca para anunciar o novo líder máximo da Igreja Católica, mas os olhos do mundo já se voltam para um grupo seleto de homens notáveis, vestidos de vermelho.

Assim que o Papa Francisco morreu, aos 88 anos, na manhã de ontem (21), na Casa Santa Marta, onde ele morava, o Vaticano entrou em estado de Sé Vacante, do latim: Sede Vacante. O termo é usado há muitos séculos para denominar o momento em que a Cátedra de Pedro, posto máximo da Igreja Católica Apostólica Romana, permanece vago. A vacância ocorre até a eleição do novo sucessor de São Pedro como novo Sumo Pontifíce.

Assim que todos os ritos fúnebres de Francisco forem concluídos, e o Vaticano respeitar os nove dias de luto previstos na Sé Vacante, vai ocorrer a escolha do próxima liderança máxima da Santa Sé. A eleição, que só chega ao fim quando existe consenso, é feita pelo Colégio Cardinalício, que já foi convocado e têm a responsabilidade de organizar o conclave. Os trabalhos são cordenados pelo carmelengo, posto ocupado atualmente pelo cardeal Kevin Farrell, irlandês que ocupa interinamente a chefia de Estado do Vaticano.

O conclave é uma eleição indireta, realizada por um colégio eleitoral  que reúne 135 cardeais eleitores — dos quais sete são brasileiros. É a maior representação do país em uma eleição papal.

Esse cenário tem um peso simbólico e político: 108 desses eleitores foram nomeados pelo próprio Francisco, o que significa que sua visão pastoral e missionária ainda ecoa dentro do Colégio Cardinalício. Entre os brasileiros, há nomes com trajetória ligada à Amazônia, à periferia, à educação e ao diálogo com outras culturas. Todos eles, embora votantes, também são elegíveis. Sim, é possível que o próximo papa tenha nascido em solo brasileiro.

O Brasil no coração do Vaticano

Hoje, o Brasil conta com oito cardeais vivos — homens que chegaram ao mais alto posto da hierarquia da Igreja antes do papado. Desses, sete ainda têm direito a voto na escolha do novo papa. O único que não participará do Conclave já passou dos 80 anos, idade-limite para ter voz ativa nesse momento decisivo da Igreja. Essa regra, como tantas outras, é seguida à risca, conforme determina a constituição apostólica Universi Dominici Gregis, documento que orienta todo o processo de sucessão papal com a solenidade e o cuidado que o momento exige.

Os cardeais brasileiros aptos a participar do Conclave são:

  • Dom Odilo Pedro Scherer, com 75 anos de idade, é o atual arcebispo do estado de São Paulo. Dom Odilo foi nomeado cardeal em 2007, pelo Papa Bento XVI;
  • Dom João Braz de Aviz, com 77 anos é ex-arcebispo de Brasília e foi nomeado cardeal em 2012, também por Bento XVI;
  • Dom Orani João Tempesta, com 74 anos, Dom Orani é o e atual arcebispo do Rio de Janeiro, ele foi o primeiro cardeal brasileiro ordenado pelo Papa Francisco, em 2014 (segundo fontes do Sulpost, ele é um 'papável', e pode surpreender o mondo);
  • Dom Sergio da Rocha (65), arcebispo de Salvador, criado por Francisco em 2016;
  • Dom Paulo Cezar Costa, arcebispo de Brasília, cardeal desde 2022;
  • Dom Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus, também cardeal desde 2022;
  • Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre e atual presidente da CNBB, criado cardeal em dezembro de 2024.

Desses sete, cinco foram elevados ao cardinalato pelo Papa Francisco, o que sinaliza não apenas confiança, mas também afinidade com seu projeto pastoral de uma Igreja próxima dos pobres, das periferias e da natureza.

Quem são esses homens?

Dom Odilo, figura conhecida por seu perfil doutrinário e firme, já esteve entre os cotados no conclave de 2013. Dom João Braz de Aviz, nascido em Mafra (SC), é respeitado por seu trabalho no Vaticano à frente da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada. Dom Orani foi anfitrião de Francisco na Jornada Mundial da Juventude de 2013, no Rio, e tem profundo trânsito entre movimentos populares.

Já Dom Leonardo Steiner é um símbolo da Igreja na Amazônia. Franciscano, foi secretário-geral da CNBB durante o pontificado de Bento XVI e hoje lidera a arquidiocese de Manaus, no coração das discussões sobre ecologia integral. Dom Sergio da Rocha, de perfil conciliador, é o único brasileiro no seleto Conselho de Cardeais que auxilia o governo central da Igreja.

Dom Paulo Cezar e Dom Jaime representam a nova geração do episcopado. O primeiro vem se destacando pelo trabalho na capital federal; o segundo tem dado novo fôlego à CNBB, com uma liderança dialogal e missionária.

A fumaça que fala

O processo do conclave permanece envolto em uma liturgia antiga e fascinante. Os cardeais eleitores se reúnem na Capela Sistina, fechada ao mundo exterior, e votam em sucessivas rodadas até que um nome alcance dois terços dos votos. Após cada escrutínio, as cédulas são queimadas: se a fumaça é preta, não houve consenso; se branca, habemus papam — temos um novo papa.

Enquanto esse momento não chega, é tempo de oração, especulação e expectativa. A CNBB convidou as comunidades católicas brasileiras a se unirem em preces pela alma de Francisco e pelo discernimento dos cardeais. Durante a Oitava da Páscoa, missas são celebradas com paramentos brancos e incluem uma intenção especial ao pontífice falecido.

O testamento espiritual de Francisco, redigido em 2022, também emocionou fiéis: pediu um túmulo simples, sem adornos, na Basílica de Santa Maria Maior, com a inscrição “Franciscus”. Um pedido humilde, como foi sua vida.

Um filme, um espelho

Para quem deseja entender a complexidade do que está por vir, fica a sugestão: assista ao filme Conclave (2024), o longa transmite a tensão, o sigilo e os dilemas morais de um conclave — um espelho atemporal para o que ocorre hoje no coração da Igreja Católica.

O filme ganhou um Oscar de melhor roteiro adaptado na cerimônia de 2025. A obra, inspirada no livro de mesmo nome, mistura fatos e licenças criativas sobre a eleição papal.

Na ficção e na realidade, o que está em jogo não é apenas a liderança de 1,3 bilhão de fiéis, mas o rumo espiritual e geopolítico de uma instituição milenar. E dessa vez, sete vozes brasileiras ajudarão a moldar esse futuro.

Que sopre o Espírito Santo. E que o Brasil, mais uma vez, tenha sua fé e seu povo representados no centro da cristandade.

*com informações da CNBB. Ronald Stresser é sacerdote religioso no Brasil, tendo sido feito Pai de Santo na Umbanda, religião brasileira que possui sincretismo religioso com a Igreja Católica.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Morre o Papa Francisco

O mundo se despede do Papa Francisco, o pastor dos pobres

Por Ronald Stresser* 

 

Papa Francisco / Foto: Daniel Ibanez – CNA

Às 9h37 da manhã desta segunda-feira (horário de Roma), na Capela da Casa Santa Marta, coração simples do Vaticano onde escolheu viver em vez dos palácios apostólicos, o Papa Francisco partiu em silêncio. A notícia foi confirmada, com pesar visível, por Sua Eminência o cardeal Kevin Farrell: "O Bispo de Roma, Francisco, retornou à casa do Pai. Toda a sua vida foi dedicada ao serviço do Senhor e de Sua Igreja."

Francisco tinha 88 anos. E, ao longo de seu pontificado, fez muito mais do que liderar uma das instituições mais antigas e influentes do planeta. Ele transformou. Tocou. Incomodou. Aproximou. Pregou menos do alto dos púlpitos e mais com os pés na estrada, entre refugiados, presidiários, mães solo e jovens perdidos. Um Papa que preferia o cheiro das ovelhas ao perfume da Cúria. E que queria, acima de tudo, uma Igreja com as portas abertas para todos.

Primeiro latino-americano, último gigante?

Nascido Jorge Mario Bergoglio, em Buenos Aires, Francisco foi o primeiro Papa da América Latina — uma escolha que, desde o início, já sinalizava um novo tempo. Escolheu seu nome inspirado em São Francisco de Assis, o santo dos pobres, dos animais e da paz. E, fiel ao nome, fez da pobreza a sua prioridade, da humildade seu estilo e da misericórdia seu norte.

Recusou tronos, vestes douradas e privilégios. Morou em uma residência modesta e circulava de Fiat Uno pelas ruas estreitas do Vaticano. Mais do que gestos, foram símbolos — e símbolos poderosos.

Voz dos que não têm voz

Francisco foi incansável ao denunciar a desigualdade, a indiferença e a ganância. Nos palcos da diplomacia global, sua voz ecoava diferente. Não falava por interesses de Estado, mas por vidas humanas. Condenou duramente a guerra na Ucrânia e não hesitou em apontar responsabilidades. Lamentou com o mesmo fervor o sofrimento do povo palestino e os horrores enfrentados pelos civis israelenses. Falava de política, sim — mas com a alma de quem sofre com os que sofrem.

Durante a crise dos refugiados, em 2015, recebeu famílias inteiras no Vaticano, lavou os pés de muçulmanos e cristãos em abrigos, e clamou para que a Europa não esquecesse o seu passado migrante. Quando a COVID-19 parou o mundo, foi ele quem apareceu sozinho na Praça São Pedro, debaixo de chuva, em um silêncio que falava mais que mil sermões. Aquela imagem — um homem só, diante do vazio, orando pela humanidade — talvez resuma seu legado.

Reformas, enfrentamentos e fé

Internamente, promoveu reformas difíceis e corajosas dentro da Igreja. Enfrentou escândalos financeiros, combateu abusos, buscou mais transparência e descentralização. Desejava uma Igreja mais feminina, mais jovem, mais acolhedora. Enfrentou resistências, foi chamado de populista, herege, até comunista — mas seguiu firme. Sabia que, para ser fiel ao Evangelho, era preciso desagradar.

Apesar da saúde frágil nos últimos anos, nunca deixou de se pronunciar sobre os grandes dilemas da humanidade. A crise climática, a miséria, o abandono dos povos indígenas, a exclusão dos idosos, o sofrimento dos imigrantes. Sua agenda era vasta, mas sempre voltada para os que estão nas margens.

Um pastor para o nosso tempo

Ao anunciar sua morte, o cardeal Farrell concluiu: "Ele nos ensinou a viver os valores do Evangelho com fidelidade, coragem e amor universal, especialmente em favor dos mais pobres e marginalizados. Com imensa gratidão por seu exemplo como verdadeiro discípulo do Senhor Jesus, recomendamos a alma do Papa Francisco ao infinito amor misericordioso do Deus Trino."

Francisco deixa um legado imenso — espiritual, humano e político. Um legado que será debatido, reverenciado e, certamente, disputado. Mas que, acima de tudo, permanece vivo em cada gesto de acolhimento, em cada ponte construída, em cada pobre que se sentiu visto.

Mais do que o Papa de uma era, ele foi o Papa da esperança. E, por isso, sua despedida é sentida não só pelos católicos, mas por todos aqueles que ainda acreditam na bondade como força de transformação do mundo.

 

sábado, 19 de abril de 2025

Floresta em pauta: como o Brasil transforma a preservação em um bom negócio para o planeta

Por trás das árvores que voltam a nascer onde antes só havia terra seca e silenciosa, há uma nova lógica que ganha força no Brasil: a de que preservar dá lucro — e não apenas no bolso

 
 

Se alguém ainda acredita que floresta em pé é sinônimo de atraso, está com a cabeça presa ao século passado. Cada vez mais, o Brasil vem mostrando que é possível aliar desenvolvimento econômico e preservação ambiental — e o caminho passa pela valorização dos chamados serviços ambientais, como a proteção de mananciais, o sequestro de carbono e a restauração da vegetação nativa.

É com esse olhar que os engenheiros ambientais Rhennan Mecca Bontempi, Bartira Rodrigues Guerra e Victor Eduardo Lima Ranieri resolveram se debruçar sobre uma pergunta essencial: quanto vale o reflorestamento de uma área degradada? E quem deve pagar por isso? A inquietação virou pesquisa e, depois, livro. “Introdução ao Instrumento Econômico: Pagamentos por Serviços Ambientais – Boas práticas e integração com instrumentos de planejamento”, disponível gratuitamente no Portal de Livros Abertos da USP, reúne boas práticas e mostra que preservar também passa por saber planejar.

“O que a gente buscou foi integrar as ferramentas econômicas ao planejamento ambiental, com foco na conservação e no uso sustentável dos recursos naturais”, explicam os autores. Em outras palavras, criar incentivos reais — financeiros e técnicos — para que o reflorestamento deixe de ser visto como caridade ambiental e passe a ocupar o lugar estratégico que merece.

Inteligência verde para decisões mais certeiras

Se o desafio é grande, a tecnologia se apresenta como uma aliada poderosa. Um exemplo é a plataforma Ciera, desenvolvida pela ONG Conservação Internacional (CI). A sigla em inglês significa Assistente de Restauração de Ecossistemas da Conservação Internacional, e seu objetivo é tão ambicioso quanto necessário: mapear, com ajuda de inteligência artificial, as áreas prioritárias para a restauração da vegetação nativa no Brasil.

“O diferencial do Ciera é que ele cruza dados geoespaciais com informações de políticas públicas, como o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa”, explica Ludmila Pugliese, diretora de Restauração de Paisagens e Florestas da CI Brasil. A ferramenta gratuita — que será disponibilizada ainda este ano — promete democratizar o acesso à informação e facilitar o trabalho de gestores públicos, proprietários rurais e organizações que atuam com recuperação ambiental.

O sistema não apenas aponta os melhores lugares para restaurar, mas também sugere espécies nativas, calcula custos e até oferece modelos de execução. Um verdadeiro GPS ecológico.

Cuidar das florestas pode trazer incentivos — e receita

Enquanto a tecnologia avança para mapear as feridas da nossa terra e indicar os melhores caminhos para curá-las, no Congresso Nacional cresce o esforço por transformar boas ideias em políticas públicas concretas. Um exemplo emblemático é o Projeto de Lei Complementar 233/24, que busca premiar quem se dispõe a cuidar — de verdade — do chão onde pisa.

Na prática, a proposta oferece incentivos fiscais para os municípios que investirem no reflorestamento de áreas urbanas e rurais. Mas não basta plantar árvores por plantar. É preciso apresentar um projeto completo: diagnóstico das áreas degradadas, plano de execução, metas claras, envolvimento da comunidade e compromisso com o impacto ambiental positivo. Em troca, o município ganha isenção de impostos, apoio técnico e acesso facilitado a recursos federais.

“O governo passa a ser um parceiro ativo nessa recuperação”, resume o deputado Max Lemos (PDT-RJ), autor da proposta. A frase é curta, mas carrega um simbolismo poderoso: a reconstrução do meio ambiente como tarefa compartilhada, onde cada um tem seu papel — e sua responsabilidade. Tanto que, para manter os benefícios, as cidades deverão prestar contas todos os anos. Porque restaurar o que foi perdido exige mais do que boas intenções. Exige compromisso.

O campo também ganha com isso

Não é só o setor público que se movimenta. A madeira de reflorestamento vem ganhando espaço como uma alternativa real ao corte de florestas nativas. Plantada com fins comerciais, essa madeira vem de espécies de rápido crescimento — como eucalipto, pinus, ipê e peroba — e é usada em tudo: construção civil, móveis, papel.

Mas, ao contrário do que se pensa, reflorestar não é só plantar e colher. Requer manejo inteligente, controle de pragas, podas estratégicas, colheita planejada e, claro, recomposição florestal. Só assim a floresta plantada vira um ciclo virtuoso, que gera emprego, renda e sustentabilidade.

“As árvores mantêm o solo úmido, ajudam no ciclo das águas e absorvem CO₂ da atmosfera”, afirma William Mazuco, sócio de uma madeireira em Orleans (SC). “O reflorestamento bem feito é bom para o clima, para o solo, para a água e para o negócio.”

A prática já representa ganhos ambientais tangíveis. Segundo o Observatório da Restauração e Reflorestamento, o Brasil já recuperou mais de 153 mil hectares da cobertura vegetal original e possui cerca de 8,76 milhões de hectares reflorestados. Mas o passivo ainda é enorme: 25 milhões de hectares precisam ser restaurados apenas para cumprir o Código Florestal.

A floresta como ativo estratégico

Mais do que proteger árvores, o Brasil está aprendendo a usar as florestas como um ativo estratégico para o século XXI. Isso significa investir em reflorestamento não só como uma necessidade ambiental, mas como um bom negócio — seja pela valorização da madeira legal, pela geração de empregos ou pelos benefícios climáticos e hídricos que ele proporciona.

Com ferramentas como o Ciera, incentivos fiscais em discussão no Congresso e pesquisas que mostram o caminho técnico, o país dá sinais de que pode virar o jogo. Reflorestar deixou de ser discurso. Virou estratégia — e das boas.

Porque no futuro que se desenha, manter a floresta em pé é, cada vez mais, a forma mais inteligente de seguir em frente.

Ronald Stresser, da redação.

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