O mundo se despede do Papa Francisco, o pastor dos pobres
| Papa Francisco / Foto: Daniel Ibanez – CNA |
Às 9h37 da manhã desta segunda-feira (horário de Roma), na Capela da Casa Santa Marta, coração simples do Vaticano onde escolheu viver em vez dos palácios apostólicos, o Papa Francisco partiu em silêncio. A notícia foi confirmada, com pesar visível, por Sua Eminência o cardeal Kevin Farrell: "O Bispo de Roma, Francisco, retornou à casa do Pai. Toda a sua vida foi dedicada ao serviço do Senhor e de Sua Igreja."
Francisco tinha 88 anos. E, ao longo de seu pontificado, fez muito mais do que liderar uma das instituições mais antigas e influentes do planeta. Ele transformou. Tocou. Incomodou. Aproximou. Pregou menos do alto dos púlpitos e mais com os pés na estrada, entre refugiados, presidiários, mães solo e jovens perdidos. Um Papa que preferia o cheiro das ovelhas ao perfume da Cúria. E que queria, acima de tudo, uma Igreja com as portas abertas para todos.
Primeiro latino-americano, último gigante?
Nascido Jorge Mario Bergoglio, em Buenos Aires, Francisco foi o primeiro Papa da América Latina — uma escolha que, desde o início, já sinalizava um novo tempo. Escolheu seu nome inspirado em São Francisco de Assis, o santo dos pobres, dos animais e da paz. E, fiel ao nome, fez da pobreza a sua prioridade, da humildade seu estilo e da misericórdia seu norte.
Recusou tronos, vestes douradas e privilégios. Morou em uma residência modesta e circulava de Fiat Uno pelas ruas estreitas do Vaticano. Mais do que gestos, foram símbolos — e símbolos poderosos.
Voz dos que não têm voz
Francisco foi incansável ao denunciar a desigualdade, a indiferença e a ganância. Nos palcos da diplomacia global, sua voz ecoava diferente. Não falava por interesses de Estado, mas por vidas humanas. Condenou duramente a guerra na Ucrânia e não hesitou em apontar responsabilidades. Lamentou com o mesmo fervor o sofrimento do povo palestino e os horrores enfrentados pelos civis israelenses. Falava de política, sim — mas com a alma de quem sofre com os que sofrem.
Durante a crise dos refugiados, em 2015, recebeu famílias inteiras no Vaticano, lavou os pés de muçulmanos e cristãos em abrigos, e clamou para que a Europa não esquecesse o seu passado migrante. Quando a COVID-19 parou o mundo, foi ele quem apareceu sozinho na Praça São Pedro, debaixo de chuva, em um silêncio que falava mais que mil sermões. Aquela imagem — um homem só, diante do vazio, orando pela humanidade — talvez resuma seu legado.
Reformas, enfrentamentos e fé
Internamente, promoveu reformas difíceis e corajosas dentro da Igreja. Enfrentou escândalos financeiros, combateu abusos, buscou mais transparência e descentralização. Desejava uma Igreja mais feminina, mais jovem, mais acolhedora. Enfrentou resistências, foi chamado de populista, herege, até comunista — mas seguiu firme. Sabia que, para ser fiel ao Evangelho, era preciso desagradar.
Apesar da saúde frágil nos últimos anos, nunca deixou de se pronunciar sobre os grandes dilemas da humanidade. A crise climática, a miséria, o abandono dos povos indígenas, a exclusão dos idosos, o sofrimento dos imigrantes. Sua agenda era vasta, mas sempre voltada para os que estão nas margens.
Um pastor para o nosso tempo
Ao anunciar sua morte, o cardeal Farrell concluiu: "Ele nos ensinou a viver os valores do Evangelho com fidelidade, coragem e amor universal, especialmente em favor dos mais pobres e marginalizados. Com imensa gratidão por seu exemplo como verdadeiro discípulo do Senhor Jesus, recomendamos a alma do Papa Francisco ao infinito amor misericordioso do Deus Trino."
Francisco deixa um legado imenso — espiritual, humano e político. Um legado que será debatido, reverenciado e, certamente, disputado. Mas que, acima de tudo, permanece vivo em cada gesto de acolhimento, em cada ponte construída, em cada pobre que se sentiu visto.
Mais do que o Papa de uma era, ele foi o Papa da esperança. E, por isso, sua despedida é sentida não só pelos católicos, mas por todos aqueles que ainda acreditam na bondade como força de transformação do mundo.


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