sábado, 19 de abril de 2025

Floresta em pauta: como o Brasil transforma a preservação em um bom negócio para o planeta

Por trás das árvores que voltam a nascer onde antes só havia terra seca e silenciosa, há uma nova lógica que ganha força no Brasil: a de que preservar dá lucro — e não apenas no bolso

 
 

Se alguém ainda acredita que floresta em pé é sinônimo de atraso, está com a cabeça presa ao século passado. Cada vez mais, o Brasil vem mostrando que é possível aliar desenvolvimento econômico e preservação ambiental — e o caminho passa pela valorização dos chamados serviços ambientais, como a proteção de mananciais, o sequestro de carbono e a restauração da vegetação nativa.

É com esse olhar que os engenheiros ambientais Rhennan Mecca Bontempi, Bartira Rodrigues Guerra e Victor Eduardo Lima Ranieri resolveram se debruçar sobre uma pergunta essencial: quanto vale o reflorestamento de uma área degradada? E quem deve pagar por isso? A inquietação virou pesquisa e, depois, livro. “Introdução ao Instrumento Econômico: Pagamentos por Serviços Ambientais – Boas práticas e integração com instrumentos de planejamento”, disponível gratuitamente no Portal de Livros Abertos da USP, reúne boas práticas e mostra que preservar também passa por saber planejar.

“O que a gente buscou foi integrar as ferramentas econômicas ao planejamento ambiental, com foco na conservação e no uso sustentável dos recursos naturais”, explicam os autores. Em outras palavras, criar incentivos reais — financeiros e técnicos — para que o reflorestamento deixe de ser visto como caridade ambiental e passe a ocupar o lugar estratégico que merece.

Inteligência verde para decisões mais certeiras

Se o desafio é grande, a tecnologia se apresenta como uma aliada poderosa. Um exemplo é a plataforma Ciera, desenvolvida pela ONG Conservação Internacional (CI). A sigla em inglês significa Assistente de Restauração de Ecossistemas da Conservação Internacional, e seu objetivo é tão ambicioso quanto necessário: mapear, com ajuda de inteligência artificial, as áreas prioritárias para a restauração da vegetação nativa no Brasil.

“O diferencial do Ciera é que ele cruza dados geoespaciais com informações de políticas públicas, como o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa”, explica Ludmila Pugliese, diretora de Restauração de Paisagens e Florestas da CI Brasil. A ferramenta gratuita — que será disponibilizada ainda este ano — promete democratizar o acesso à informação e facilitar o trabalho de gestores públicos, proprietários rurais e organizações que atuam com recuperação ambiental.

O sistema não apenas aponta os melhores lugares para restaurar, mas também sugere espécies nativas, calcula custos e até oferece modelos de execução. Um verdadeiro GPS ecológico.

Cuidar das florestas pode trazer incentivos — e receita

Enquanto a tecnologia avança para mapear as feridas da nossa terra e indicar os melhores caminhos para curá-las, no Congresso Nacional cresce o esforço por transformar boas ideias em políticas públicas concretas. Um exemplo emblemático é o Projeto de Lei Complementar 233/24, que busca premiar quem se dispõe a cuidar — de verdade — do chão onde pisa.

Na prática, a proposta oferece incentivos fiscais para os municípios que investirem no reflorestamento de áreas urbanas e rurais. Mas não basta plantar árvores por plantar. É preciso apresentar um projeto completo: diagnóstico das áreas degradadas, plano de execução, metas claras, envolvimento da comunidade e compromisso com o impacto ambiental positivo. Em troca, o município ganha isenção de impostos, apoio técnico e acesso facilitado a recursos federais.

“O governo passa a ser um parceiro ativo nessa recuperação”, resume o deputado Max Lemos (PDT-RJ), autor da proposta. A frase é curta, mas carrega um simbolismo poderoso: a reconstrução do meio ambiente como tarefa compartilhada, onde cada um tem seu papel — e sua responsabilidade. Tanto que, para manter os benefícios, as cidades deverão prestar contas todos os anos. Porque restaurar o que foi perdido exige mais do que boas intenções. Exige compromisso.

O campo também ganha com isso

Não é só o setor público que se movimenta. A madeira de reflorestamento vem ganhando espaço como uma alternativa real ao corte de florestas nativas. Plantada com fins comerciais, essa madeira vem de espécies de rápido crescimento — como eucalipto, pinus, ipê e peroba — e é usada em tudo: construção civil, móveis, papel.

Mas, ao contrário do que se pensa, reflorestar não é só plantar e colher. Requer manejo inteligente, controle de pragas, podas estratégicas, colheita planejada e, claro, recomposição florestal. Só assim a floresta plantada vira um ciclo virtuoso, que gera emprego, renda e sustentabilidade.

“As árvores mantêm o solo úmido, ajudam no ciclo das águas e absorvem CO₂ da atmosfera”, afirma William Mazuco, sócio de uma madeireira em Orleans (SC). “O reflorestamento bem feito é bom para o clima, para o solo, para a água e para o negócio.”

A prática já representa ganhos ambientais tangíveis. Segundo o Observatório da Restauração e Reflorestamento, o Brasil já recuperou mais de 153 mil hectares da cobertura vegetal original e possui cerca de 8,76 milhões de hectares reflorestados. Mas o passivo ainda é enorme: 25 milhões de hectares precisam ser restaurados apenas para cumprir o Código Florestal.

A floresta como ativo estratégico

Mais do que proteger árvores, o Brasil está aprendendo a usar as florestas como um ativo estratégico para o século XXI. Isso significa investir em reflorestamento não só como uma necessidade ambiental, mas como um bom negócio — seja pela valorização da madeira legal, pela geração de empregos ou pelos benefícios climáticos e hídricos que ele proporciona.

Com ferramentas como o Ciera, incentivos fiscais em discussão no Congresso e pesquisas que mostram o caminho técnico, o país dá sinais de que pode virar o jogo. Reflorestar deixou de ser discurso. Virou estratégia — e das boas.

Porque no futuro que se desenha, manter a floresta em pé é, cada vez mais, a forma mais inteligente de seguir em frente.

Ronald Stresser, da redação.

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