quinta-feira, 24 de abril de 2025

Brasil, emtre a esperança verde e o veneno invisível

Brasil às vésperas da COP 30: entre a esperança verde e o veneno invisível

Por Ronald Stresser*

 
 

Quando o Brasil se prepara para sediar a COP30, em novembro, na cidade de Belém, no Pará, o país se encontra num ponto de inflexão. De um lado, apresenta ao mundo um compromisso renovado com o enfrentamento da crise climática e assume um papel de protagonismo internacional. De outro, carrega contradições profundas — e perigosas — como o uso desenfreado de agrotóxicos, que contamina solos, corpos e esperanças.

A floresta ardeu, o rio secou, e a chuva, que antes inspirava poesia, hoje pode trazer veneno.

O Brasil que quer liderar

O presidente Lula, em discurso recente, ao lado do secretário-geral da ONU, António Guterres, cobrou mais ambição nas meras para a redução mundial de emissões de carbono. Até o momento apenas 10% dos países membros da ONU apresentaram suas NDCs (as metas climáticas nacionais), e Lula não economizou na crítica: "O planeta já está farto de promessas não cumpridas."

O tom é de urgência. "A Amazônia registrou a pior seca da sua história, e o calor extremo tem provocado o branqueamento massivo de corais no oceano", alertou o presidente. Em resposta a esse cenário alarmante, o governo propôs quatro iniciativas, entre elas o “Fundo Florestas Tropicais para Sempre” e a criação de um “Balanço Ético Global”, que valorize ciência, juventudes, povos originários e lideranças religiosas.

O discurso é forte, a intenção parece genuína — e o mundo estará olhando.

Uma beleza que não tolera o crime

O governo federal tem sinalizado uma política de tolerância zero com crimes ambientais. O tom da nova política climática é claro: proteger florestas, punir desmatadores, regular atividades extrativistas. Há uma tentativa visível de reconstrução, depois dos anos de terra arrasada sob a gestão anterior. A credibilidade climática do Brasil, tão fragilizada no passado recente, agora tenta se reerguer com planos, alianças e diplomacia.

Mas há uma nuvem escura que insiste em pairar sobre esse céu que tenta se abrir.

O veneno ainda escorre

Enquanto o país promete uma virada ecológica, o legado tóxico de anos anteriores ainda pesa — e mata. Durante o governo Bolsonaro, mais de 300 agrotóxicos antes proibidos foram liberados para uso no país. Muitos deles banidos na Europa por riscos comprovados à saúde humana e ao meio ambiente. E, até aqui, nenhum foi reavaliado ou voltou a ser proibido.

O silêncio sobre esse tema, mesmo num governo que se apresenta como ambientalmente comprometido, preocupa.

Um estudo recente da Unicamp, publicado na revista Chemosphere e repercutido pela Revista Fapesp, acendeu o alerta: amostras de chuva coletadas em Campinas, Brotas e São Paulo continham agrotóxicos — inclusive a atrazina, um herbicida proibido no Brasil, mas ainda presente no ar, na água e na terra. A contaminação está diretamente associada à extensão dos cultivos agrícolas em cada região.

"O estudo desmistifica a ideia de que a água da chuva é pura. Isso tem que ser debatido", afirma a pesquisadora Cassiana Montagner, responsável pela pesquisa.

O agro é pop, mas a conta é pesada

A presença invisível de pesticidas na água da chuva não é apenas um dado técnico. É uma denúncia silenciosa. É o corpo humano que adoece, é o solo que se degrada, são crianças que crescem cercadas por veneno sem saber. É também a face mais cruel de um modelo agrícola intensivo, que prioriza o lucro de poucos à custa da saúde de muitos.

E nesse modelo, o Brasil — maior consumidor de agrotóxicos do mundo — precisa decidir de que lado quer estar.

A COP que precisa ser cura

Sediar a COP30 é um marco simbólico e político. É a chance de mostrar que o Brasil pode ser exemplo — não apenas no discurso, mas na prática. Que pode alinhar crescimento à preservação, soberania alimentar à agroecologia, tecnologia ao respeito pela vida.

Mas para isso, será preciso coragem. Coragem para enfrentar lobbies poderosos. Coragem para revisar liberações irresponsáveis. Coragem para reconhecer que não há transição justa possível enquanto o veneno for rotina.

O povo brasileiro precisa saber: o que escorre nas águas da chuva não é apenas um reflexo do céu. É um espelho do país que estamos construindo.

Belém nos espera. O mundo também. Que a floresta fale mais alto que o veneno.

*com informações da Agência Brasil.

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