Entre corredores e cortinas fechadas: a ofensiva policial no coração de Curitiba contra o crime velado
Por Ronald Stresser*![]() |
| Operação, coordenada pelo COPE contou com 150 policiais - SESP-PR |
Na madrugada de uma quinta-feira que amanheceu cinzenta, o centro histórico de Curitiba despertou sob o som ritmado de botas, rádios chiando e ordens rápidas ecoando pelos corredores de seis hotéis e pousadas. Não era mais uma manhã qualquer para quem mora, trabalha ou transita pelas ruas estreitas entre a Praça Tiradentes e a Rodoferroviária. Era o dia de encarar uma ferida aberta — há anos — sob a pele urbana da cidade.
A madrugada ainda nem tinha clareado direito quando mais de 150 agentes das polícias Civil, Militar e Penal começaram a se espalhar pelo centro de Curitiba. Não estavam ali por acaso, nem era uma operação qualquer. Depois de meses de investigação, iniciada em outubro do ano passado, os policiais tinham um objetivo direto: cortar, pela raiz, o apoio logístico que vinha sustentando o tráfico de drogas, a prostituição e outros crimes silenciosos que se infiltraram em velhos hotéis da região central. Eram seis os alvos, escolhidos com precisão. Por trás das fachadas desgastadas desses estabelecimentos, se escondiam histórias difíceis e uma engrenagem clandestina que há tempos vinha funcionando longe dos olhos da maioria.
A figura presa naquele mês, segundo o delegado Rodrigo Brown, do Centro de Operações Policiais Especiais (COPE), é apontada como responsável por controlar com mão de ferro o tráfico no centro da capital. “Ele não apenas vendia drogas. Ele executava rivais. Mantinha um domínio violento, criando um ecossistema de medo”, revelou o delegado.
Portas que escondem histórias e crimes
Na prática, os hotéis-alvo da operação se tornaram zonas cinzentas da cidade. Espremidos entre prédios históricos e comércio popular, esses estabelecimentos funcionavam como pontos de apoio ao crime organizado. Quartos pequenos e baratos que, longe de abrigarem turistas ou trabalhadores de passagem, se transformaram em trincheiras do submundo.
Em muitos desses lugares, não há recepcionista formal, nem sistema de segurança. O entra e sai constante, as cortinas sempre fechadas e os sussurros nos corredores já não chamavam mais atenção. “A maioria desses lugares sequer tem alvará. Muitos nem CNPJ. E ainda assim operam, camuflados na rotina urbana”, afirma um agente da Ação Integrada de Fiscalização Urbana (AIFU), que pediu anonimato.
Durante a operação, vários hóspedes foram conduzidos para a delegacia por porte de drogas. Outros já eram procurados pela Justiça. “Esses espaços acabam servindo de esconderijo para pessoas que cometem furtos, roubos e até homicídios. Estamos neutralizando as bases de apoio deles”, completou o delegado Brown.
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| A operação visa combater o tráfico de drogas e outros ilícitos - SESP-PR |
Mas em meio à repressão, emergem também histórias humanas. Na calçada da Rua Pedro Ivo, uma mulher que se identificou apenas como Eliane, 48 anos, chorava ao ver o hotel em que vivia há meses ser invadido pela polícia. “Não sou criminosa. Trabalho com limpeza. Só não tenho pra onde ir”, disse, enquanto segurava uma sacola com roupas e documentos.
Ela é um retrato das dezenas de pessoas que, empurradas para a margem, acabaram encontrando nesses locais uma moradia possível, ainda que precária. A linha que separa vítimas de coniventes é, muitas vezes, tênue.
A cidade que pulsa e sangra
O secretário estadual de Segurança Pública, Hudson Leôncio Teixeira, afirmou que a operação tem como foco impedir que a região central da cidade continue servindo como apoio ao crime. “Queremos devolver o Centro para a população. Um espaço seguro, saudável, digno”, declarou.
Mas o desafio é imenso. O centro de Curitiba é um organismo vivo — e doente. Entre os casarões centenários e os edifícios decadentes, convivem culturas, comércios populares, histórias de resistência e, infelizmente, redes criminosas que se aproveitam da omissão pública e da vulnerabilidade social.
Nesta quinta-feira, entre sirenes e camburões, uma parte dessa teia começou a ser desfeita. Mas a pergunta que ecoa, agora que o sol voltou a surgir entre nuvens, é: quem vai ocupar os espaços deixados para trás?
Porque onde há vácuo de poder, o crime não hesita em voltar. E onde o Estado não chega com política social, ele chega com repressão.
*com informações da SESP-PR



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