quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Agora é lei: Lula sanciona isenção do IR pra quem ganha até R$ 5 mil

Lula sanciona isenção pra quem ganha até 5 mil: medida, sancionada no Palácio do Planalto, amplia faixa de isenção e reduz retenção para rendas de até R$ 7.350 — promessa de campanha que agora chega ao bolso de milhões

Por Ronald Stresser –
Foto: Ricardo Stuckert / Palácio do Planalto
 
No começo da tarde desta quarta-feira, o Palácio do Planalto foi palco de uma cerimônia que, mais do que oficializar uma lei, devolveu fôlego a milhões de brasileiros. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que isenta do Imposto de Renda (IR) os contribuintes que recebem até R$ 5.000 por mês e reduz a retenção na fonte para quem ganha até R$ 7.350 — medida que o governo estima atingir milhões de trabalhadores.

Ao lado do presidente, a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, destacou o caráter civilizatório da mudança: “Nunca foi justo cobrar 27,5% do salário de uma professora ou de um enfermeiro, enquanto rendimentos acima de R$ 50 mil pagavam proporcionalmente menos.” A fala, carregada de indignação e alívio, sintetizou o sentido político desta sanção: corrigir uma distorção que pesou sobre os mais vulneráveis.

“Essa medida não é apenas uma correção fiscal, é um ato de justiça social. É uma resposta concreta e corajosa à chaga da desigualdade que assola o nosso país.” — Gleisi Hoffmann

A trajetória da medida remonta a promessas de campanha e a anos de congelamento da tabela do IR, que, segundo dados do governo, aumentou a carga sobre trabalhadores. A sanção representa, nas palavras de ministros e parlamentares, a materialização de um compromisso de campanha e o início de um novo ciclo de debates sobre justiça tributária no Brasil.

Em discurso, o presidente Lula afirmou que a mudança “coloca dinheiro no bolso do povo e movimenta a economia do país”, ressaltando o efeito prático: mais poder de compra nas pequenas cidades, mais tranquilidade no fechamento do orçamento doméstico, mais dignidade no salário de quem mantém famílias e serviços essenciais.

Quem paga mais, quem paga menos

Para manter a neutralidade fiscal do ajuste, a lei prevê alterações em faixas de renda superiores — com aumento de cobrança sobre parcelas mais altas da pirâmide — de modo que a isenção dos ganhos até R$ 5 mil não seja bancada por quem ganha menos. Autoridades alertam que a mudança incide especialmente sobre rendimentos elevados, buscando um equilíbrio maior no sistema tributário.

Reações e significado social

No Congresso, a aprovação unânime nas duas Casas chamou atenção: em um momento de polarização intensa, houve convergência em torno da ideia de aliviar o peso do tributo sobre a base trabalhadora. Líderes sindicais e representantes de movimentos sociais presentes manifestaram alívio e trataram o ato como reparação de longa data.

Para muitas famílias, o efeito será imediato na próxima declaração do Imposto de Renda. Para a política nacional, abre-se a pauta — mais ampla — da justiça tributária: quem deve arcar com o esforço coletivo e de que forma.

Alívio para a classe média brasileira 

A sanção assinada pelo presidente Lula nesta quarta-feira é, acima de tudo, um gesto com consequências concretas. Mais do que um número na tabela, é alívio cotidiano: mais dinheiro para o mercado, mais possibilidades para famílias e um pequeno, porém simbólico, reequilíbrio em um país marcado por desigualdades.

A política, quando decide se voltar para essas vidas, no caso para a das pessoas de classe média, que se sentem sufocadas pelos impostos, muda histórias, e, para que essas mudanças sejam benéficas a todos e todas, a democracia é indispensável.

Itaipu na COP30: a energia que nasce da Amazônia e volta para o mundo

Itaipu investe em infraestrutura e portas abertas para a bioeconomia, mostrando que transição energética é também ação social, proteção das florestas e legado urbano para Belém

Por Ronald Stresser — 26 de novembro de 2025 

Foto: Ruan de Souza/Itaipu Binacional

Belém respirou um ar diferente durante os onze dias da COP30: urgência e esperança atravessaram praças, mercados e palafitas. No centro desse movimento esteve a Itaipu Binacional — não apenas como expositora de tecnologias, mas como agente que investiu na cidade, dialogou com comunidades e colocou a bioeconomia e a proteção das florestas no mesmo plano das megawatts.

Uma presença que começou antes e ficará depois

Muito antes do primeiro painel, a Itaipu já havia assumido um compromisso prático com Belém. Em parceria com os governos federal, estadual e prefeitura municipal, aportou cerca de R$ 1,3 bilhão em obras e programas que serviram tanto para a realização da COP quanto para deixar um legado urbano e social — do Porto de Outeiro aos parques que agora respiram com a cidade.

Entre as ações que permanecerão como legado para a população estão a pavimentação de avenidas essenciais, a reforma do Mercado de São Brás e do Ver-o-Peso, o Parque Linear da Nova Doca, o Parque São Joaquim, o fortalecimento da coleta seletiva via cooperativas de catadores e a criação do Distrito de Inovação em Bioeconomia.

Transição energética: tecnologia e justiça social

Nos painéis e debates, a palavra de ordem foi que a transição energética só é legítima se for também justa. Itaipu trouxe à COP30 um portfólio que vai do hidrogênio verde a pesquisas em combustíveis sintéticos renováveis, passando por projetos de biometano e soluções de energia solar flutuante — mas sempre conectando essas tecnologias a territórios, povos e modos de viver.

"Energia não é só megawatts; é território, é gente, é água, é floresta", foi o fio condutor repetido por técnicos e gestores da empresa ao longo dos debates sobre nexo água-energia-alimento e vulnerabilidade climática.

Quando a floresta é também prioridade estratégica

A Amazônia não pode ser tratada como pano de fundo. Nas discussões, a bioeconomia foi apresentada como alternativa para uma economia regenerativa — um modo de trilhar caminhos de desenvolvimento que valorizem a conservação e garantam renda para comunidades locais. Para Itaipu, proteger florestas é política de segurança climática e parte da estratégia de longuíssimo prazo para o setor energético.

Mobilização social e governança participativa

Fora das vitrines tecnológicas, chamou atenção a aposta em governança participativa: ações de educação ambiental, parcerias com associações de catadores e debates sobre gênero, raça e território na transição energética demonstraram que a estatal buscou ouvir atores diversos e integrar saberes locais nas soluções apresentadas.

  • Discussões sobre Agenda 2030 e governança participativa.

  • Debates sobre o nexo água-energia-alimento e a vulnerabilidade climática.

  • Parcerias para fortalecer a coleta seletiva e a economia circular.

Visibilidade e legado

O estande da Itaipu atraiu público e olhares — um ponto de encontro entre cientistas, moradores e delegados. Mas talvez o impacto mais duradouro esteja nas ruas e parques de Belém: infraestrutura que facilita mobilidade, mercados restaurados que aquecem economia local e um Distrito de Inovação em Bioeconomia que pode transformar pesquisa em oportunidades.

O estande da Itaipu na COP30 - Foto: Gustavo de Souza/Itaipu Binacional

A COP30 acabou, as tendas foram desmontadas, mas as ruas de Belém carregam agora sinais palpáveis de uma conferência que tentou deixar mais do que palavras — deixou obras, programas e sementes de um futuro que integra energia limpa, justiça social e proteção ambiental.

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terça-feira, 25 de novembro de 2025

Julgamento do golpe: STF decreta fim do processo do Núcleo 1 e inicia execução das penas

Núcleo 1 da trama golpista começa a cumprir pena — Relator Alexandre de Moraes reconheceu o trânsito em julgado; mandados de prisão são cumpridos enquanto o país convive com choque e esperança

O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, nesta terça-feira (25), o encerramento do processo relativo ao Núcleo 1 da trama golpista investigada durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. O relator, ministro Alexandre de Moraes, reconheceu o trânsito em julgado após o fim do prazo para a apresentação de novos recursos, que terminou em 24 de novembro. Com isso, as penas aplicadas tornaram-se executórias e os mandados de prisão para cumprimento de pena estão sendo cumpridos neste momento.

É um desfecho que mistura a frieza das cifras judiciais com a dureza das vidas afetadas: decisões que soam como alívio institucional para uns e como um corte definitivo para outros. Em cada algema, há uma história — de famílias, de companheiros, de filhos — e a fotografia de um país que tenta reconciliar o cotidiano com a exigência de que a Constituição prevaleça.

Como se formalizou o fim do processo

O reconhecimento do trânsito em julgado foi formalizado pelo ministro Alexandre de Moraes depois do esgotamento dos prazos recursais. Em sessões anteriores, a Primeira Turma já havia rejeitado recursos de parte dos réus, consolidando o caminho para a decisão desta terça-feira. Com o trânsito em julgado, as penas passaram a ser executadas e as ordens judiciais começaram a ser cumpridas pelas autoridades competentes.

Penas definidas

Abaixo, a relação das penas aplicadas pelo STF, agora definitivas:

  • Jair Bolsonaro — ex-presidente da República: 27 anos e 3 meses.

  • Walter Braga Netto — ex-ministro e candidato a vice em 2022: 26 anos.

  • Almir Garnier — ex-comandante da Marinha: 24 anos.

  • Anderson Torres — ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF: 24 anos.

  • Augusto Heleno — ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI): 21 anos.

  • Paulo Sérgio Nogueira — ex-ministro da Defesa: 19 anos.

  • Alexandre Ramagem — ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin): 16 anos, 1 mês e 15 dias.

São penas que, somadas, respondem a uma série de condutas que a Corte entendeu como atentatórias à ordem democrática — e que agora entram na etapa de execução. Algumas prisões já se encontravam em regime preventivo; outras estão sendo efetivadas a partir do reconhecimento do trânsito em julgado.

O impacto além do tribunal

Mais do que o verde papel das decisões, o efeito é social e simbólico. Há quem celebre a ação da Justiça como prova de que nenhum cidadão está acima da Constituição. Há também aqueles que veem na punição um aprofundamento das feridas políticas e sociais que marcaram os últimos anos. Em ambos os casos, a recuperação do tecido democrático promete ser longa — feita de institucionalidade, memória,vida assimilação e do enfrentamento das diferenças que permanecem.

Enquanto as forças de segurança e o aparato judicial cumprem as determinações do STF, jornalistas, advogados, familiares e organizações civis acompanham de perto cada movimento. Pedidos de medidas alternativas, recursos extraordinários ou apelos humanitários poderão ser apresentados — e serão avaliados segundo os ritos previstos em lei.

O fechamento deste capítulo no tribunal não encerra o debate público: pelo contrário, abre espaço para reflexões sobre responsabilidades, reparações e sobre como uma sociedade marcada por rupturas busca, ao mesmo tempo, justiça e reconstituição. A democracia vale a luta!

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Assembleia na Simoldes Plásticos aprova acordo e abre novo capítulo de valorização

Trabalhadores, com o respaldo do SMC, conquistam data-base em dezembro, piso metalúrgico e benefícios que mudam o cotidiano

Por Ronald Stresser – 24 de novembro de 2025

Trabalhadores da Simoldes aprovam proposta em dois turnos - Divulgação/SMC

Na manhã desta segunda-feira, 24 de novembro, durante a troca de turno, os trabalhadores da Simoldes Plásticos confirmaram em assembleia — por ampla maioria — a aprovação da proposta de Acordo Coletivo de Trabalho apresentada pela diretoria da empresa. A votação, organizada pelo sindicato dos metalúrgicos (SMC), marcou um momento de virada: não se tratou apenas de números numa ata, mas de decisões que repercutirão na vida de quem produz todos os dias.

As demandas trazidas pelos trabalhadores e encaminhadas pelo SMC foram claras e práticas: garantir reajuste real alinhado ao piso da categoria, fixar a data-base em dezembro, criar faixas salariais que reconheçam tempo de casa, assegurar o pagamento do Programa de Participação nos Resultados (PPR) com valores garantidos e escalonados, e ampliar benefícios que aliviam o cotidiano — entre eles vale-mercado, melhorias nas refeições, kit institucional e uniformes novos. Havia também pedidos firmes por maior transparência nas regras de terceirização e compromisso com a efetivação de trabalhadores temporários.

A proposta aprovada incorpora boa parte dessas reivindicações: a data-base passa a ser dezembro, o piso salarial metalúrgico será aplicado com aumentos escalonados nos próximos dois anos, e faixas por tempo de empresa oferecem ganhos adicionais para quem tem mais de dois e cinco anos na companhia. O PPR foi desenhado com valores garantidos e metas negociadas com o sindicato — uma tentativa de balancear previsibilidade para o empregado e sustentabilidade para a empresa.

Do ponto de vista humano, as medidas aprovadas significam algo concreto: mais segurança para planejar a vida, poder comprar alimentos com um vale-mercado garantido, e sentir que a experiência acumulada na fábrica vale e é reconhecida. Pequenos itens — como a renovação de uniformes e kits de confraternização — traduzem também cuidado com a dignidade cotidiana de quem passa horas no chão de fábrica.

O acordo prevê, ainda, o abono das horas paradas em assembleias — um gesto importante de respeito à organização coletiva — e compromissos formais para negociar metas do PPR com transparência. A empresa, no entanto, deixou explícito o limite de suas garantias: devido às oscilações sazonais da demanda, não há possibilidade de assegurar emprego contínuo em todos os cenários. Foi um reconhecimento franco das limitações econômicas, apresentado com a intenção de evitar promessas que não possam ser cumpridas.

A aprovação na assembleia revela, acima de tudo, a força da negociação coletiva quando acompanhada de articulação sindical sólida. Não foi uma vitória apenas da diretoria ou do sindicato: foi a vitória cotidiana de homens e mulheres que, unidos, conseguiram transformar reivindicação em cláusula, voz em condição escrita. Para muitos, a sensação é de alívio; para outros, a confirmação de que a luta coletiva vale a pena.

Ainda que o acordo não elimine todas as incertezas do mercado, ele redesenha o equilíbrio entre trabalho e reconhecimento dentro da Simoldes. E, num cenário onde direitos às vezes são disputados até no detalhe, a deliberação de 24 de novembro deixa uma mensagem clara: quando trabalhadores e sindicato se unem com propostas sólidas, a diretoria responde — e a fábrica avança.

O que muda na prática

  • Data-base em dezembro e aplicação imediata do piso metalúrgico.
  • Aumentos escalonados ao longo dos próximos dois anos.
  • Faixas salariais por tempo de empresa (com acréscimos a partir de 2 e 5 anos).
  • PPR com valores garantidos e metas negociadas; pagamento escalonado.
  • Vale-mercado para todos os empregados, melhorias nas refeições, kit churrasco e uniformes.
  • Compromisso com negociação sobre terceirização e possibilidade de efetivação de temporários.
  • Abono de horas perdidas em assembleias como reconhecimento à participação coletiva.
A notícia nos foi passada, com entusiasmo, pelo líder sindical Nelson Silva, o Nelsão da Força, vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba (SMC). Para falar com o Nelsão utilize o número de telefone/WhatsApp a seguir:

Brasília ocupa-se de memória e futuro: 2ª Marcha Nacional das Mulheres Negras por “Reparação e Bem Viver”

Caravanas de todo o país e delegações da diáspora reúnem vozes que exigem reparação material, proteção e uma vida digna — a presença nas ruas pede que o Estado transforme reconhecimento em política concreta

Mulheres embarcaram ontem (24) em ônibus no Rio de Janeiro rumo à Brasília, para participar da Marcha das Mulheres Negras - Tomaz Silva/Agência Brasil

Caravanas chegaram cedo a Brasília nesta terça-feira (25). Ao som dos berimbaus e das rodas de capoeira, milhares — e, segundo as organizadoras, até centenas de milhares — de mulheres negras ocuparam a Esplanada dos Ministérios em defesa de uma pauta que atravessa gerações: reparação histórica e o direito ao bem-viver. A mobilização, articulada pelo Comitê Nacional da Marcha das Mulheres Negras, faz parte da Semana por Reparação e Bem-Viver (20 a 26 de novembro) e reúne atividades políticas, culturais e de memória.

Uma marcha que conjuga dor e potência

Dez anos depois da primeira grande marcha de 2015, que levou mais de 100 mil mulheres às ruas de Brasília, a nova edição volta a transformar a Esplanada em território de história e reivindicação. O mote é claro: não basta reconhecer o passado; é preciso materializar reparações que revertam os indicadores de pobreza, mortalidade materna, falta de moradia e exclusão econômica que ainda marcam as vidas das mulheres negras.

Programação do dia e presença institucional

A concentração começou às 9h no Museu da República, com roda de capoeira e cortejo de berimbaus; às 11h foi a saída pela Esplanada dos Ministérios; e à tarde, a cultura toma o gramado com artistas engajadas — entre elas Larissa Luz, Luanna Hansen, Ebony, Prethaís, Célia Sampaio e Núbia, que encerram o dia com shows que interligam resistência e potência criativa. Paralelamente, o Congresso realizou sessão solene em homenagem à marcha.

Reivindicações concretas: o Manifesto Econômico

A marcha apresentou um Manifesto Econômico dividido em sete eixos, que propõe medidas concretas — entre elas a criação de um fundo nacional de reparação, taxação de grandes fortunas, redução de juros, blindagem do orçamento social, reformas agrária e urbana, e linhas de crédito específicas para empreendedoras negras. Essas propostas buscam transformar a reparação em mecanismo público de redistribuição e desenvolvimento.

Estimativas e alcance: 1 milhão ou 300 mil?

Há diferença nas estimativas de público: as organizadoras e o Comitê Nacional falam em uma expectativa que chega a 1 milhão de participantes; veículos e análises internacionais falam em algo mais conservador — cerca de 300 mil — o que evidencia tanto a amplitude simbólica do chamado quanto as dificuldades de medição em grandes atos. O importante, para as organizadoras, é o sinal político: ocupar Brasília para impor à agenda pública demandas de reparação.

Diáspora e articulação regional

A mobilização é também transnacional: lideranças da diáspora, de países da América Latina e do continente africano viajaram para Brasília para somar forças. Essa presença reforça que a reparação e a luta contra o racismo colonial não são pautas isoladas, mas temas de uma agenda global que conecta memórias e territórios.

Vozes: memória que impulsiona

Entre as presenças simbólicas está Melina de Lima, neta da antropóloga Lélia González, cuja obra sobre ame­africanidade e “pretuguês” alimenta o pensamento do feminismo negro no país. A memória de Lélia aparece como vetor intelectual e ancestral que conecta as demandas atuais a uma longa genealogia de resistência.

Saúde, religião e fragilidades cotidianas

Movimentos de mães, terreiros e organizações da saúde denunciam que o racismo se manifesta também no cuidado: violência policial contra comunidades, ataques a terreiros, e a ausência de políticas públicas de proteção que poderiam reduzir mortes evitáveis entre mulheres negras. Instituições científicas e de saúde que declararam apoio reforçam que a reparação é também uma questão de saúde pública.

Desafio político: transformar marcha em política

As organizadoras sabem que ocupar a Esplanada é apenas o começo. A agenda exige que o poder público incorpore propostas em políticas públicas e orçamento. No Congresso tramita a PEC 27/24 — que prevê criação de um fundo nacional de reparação com aporte inicial estimado — e há expectativa de pressão por medidas legislativas que tornem efetivas as propostas do Manifesto.

(Nota: os detalhes legislativos e o texto final da PEC devem ser consultados no portal do Congresso e em apurações específicas.)

Ruptura e cuidado — um futuro que se negocia hoje

Ao ocupar Brasília, as mulheres negras colocam na praça pública uma equação simples e dolorosa: reconhecer não basta; é necessário reparar. Mas também afirmam que a reparação tem rosto, voz e corpos — meninas e idosas, trans e cis, religiosas de terreiros e jovens militantes — que juntas demandam que o Estado e a sociedade passem do gesto simbólico ao financiamento, à reforma e à proteção. O bem-viver, no fim, é a medida de qualquer justiça que se pretenda duradoura.

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Caravanas e organizações como a Abayomi tomam as estradas rumo à 2ª Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem-Viver

Às vésperas da 2ª Marcha das Mulheres Negras, caravanas de todo o país seguem rumo à capital; ministra Cármen Lúcia afirma que desigualdade e violência contra mulheres — especialmente negras — seguem como ferida aberta no Brasil

Mulheres embarcam em ônibus no Rio de Janeiro, hoje (24), para participar, em Brasília, da Marcha das Mulheres Negras. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Desde cedo, as estradas brasileiras testemunham uma cena que parece mover o país: ônibus lotados, bandeiras nas janelas, cantos ancestrais, risos, lágrimas e uma convicção que nenhuma distância consegue conter. É a teimosia bonita de quem insiste em existir.

Na Paraíba, essa insistência ganhou um verbo — teimosar — e virou combustível para delegações que viajam quase dois dias até Brasília para se somar a mais de 1 milhão de mulheres no ato de 25 de novembro: a 2ª Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem-Viver.

Quando a vida exige coragem, “teimosar” vira ação política

A expressão ganhou força após um relato da líder quilombola e enfermeira Elza Ursulino, do Quilombo Caiana dos Crioulos. Contou como era repreendida pelo pai quando, ainda jovem, provocava debates na comunidade. Elza não desistiu — e sua "teimozeira" tornou-se símbolo de resistência.

“Teimosar, para as mulheres negras, é sobreviver onde quiseram que elas não existissem”, diz Durvalina Rodrigues, coordenadora da organização paraibana Abayomi — "encontro precioso" em iorubá — criada após a primeira marcha, em 2015, para consolidar espaços de luta e autocuidado.

Jornada de 2025: corpo, território e história em disputa

Ao longo de 2025, a Abayomi e outras organizações promoveram encontros que colocaram lado a lado bem-viver e reparação. Para a psicóloga Hidelvânia Macedo, o bem-viver atravessa o autocuidado como ato coletivo — não um luxo, mas uma política que protege contra doenças crônicas, sofrimento psicológico e isolamento.

Já a reparação surge como correção histórica: depois de quase 400 anos de escravidão, a ausência de indenização, acesso à terra ou à educação deixou cicatrizes que se traduzem hoje em desigualdade socioeconômica e violência dirigida aos corpos negros.

  • No Nordeste, a taxa de analfabetismo chega a 14% — quase o dobro da média nacional — com maior concentração de pessoas pretas e pardas nas camadas de pobreza extrema.

  • A violência de Estado e a necropolítica têm impacto direto sobre as periferias, onde vivem a maioria das vítimas cujo perfil é racializado.

Necropolítica: reconhecer a política que mata

Nas rodas de conversa, ganhou força a compreensão de que as políticas públicas não são neutras. A filósofa política necropolítica — termo que revela como o Estado produz zonas de abandono e morte — ajuda a explicar por que a violência não é aleatória. Para Durvalina, esse entendimento provoca um despertar político que transforma dor em ação coletiva.

O Manifesto Econômico e Institucional: propostas que buscam transformar

Para que a marcha seja mais do que gesto simbólico, o movimento lançou um Manifesto Econômico e Institucional com sete eixos. Entre as propostas centrais estão:

  1. Criação de um Fundo Econômico de Reparação;
  2. Taxação de grandes fortunas e heranças;
  3. Políticas para redução das taxas de juros e blindagem do orçamento social;
  4. Reforma agrária e urbana;
  5. Linhas de crédito e ações afirmativas para empresas que atendem à administração pública.

O recado do STF: Cármen Lúcia e a urgência de proteger mulheres e crianças

Na abertura do seminário Democracia: Substantivo Feminino, realizado na segunda-feira, 24 de novembro, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministra do STF, Cármen Lúcia, sublinhou que, embora a Constituição garanta igualdade, a violência contra mulheres e crianças no Brasil é “gravíssima” e as desigualdades permanecem.

A ministra lembrou que o seminário aconteceu na véspera do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher (25 de novembro) e que a data inaugura um período de 16 dias de mobilização. Ressaltou, ainda, que as mulheres negras são historicamente as maiores vítimas, sobretudo aquelas sem condições econômicas ou acesso a serviços públicos, como a educação.

“O poder é do povo, a mulher é o povo, é a maioria do povo brasileiro. Hoje, nós ouvimos as mulheres da sociedade civil e queremos aprender com elas”, afirmou Cármen Lúcia.

A ministra insistiu que a palavra cabe agora às mulheres: para ensinar e propor caminhos conjuntos. Defendeu uma democracia forte, livre de desigualdade e violência, e lembrou que a luta pela igualdade é uma ação permanente. Citou dados dramáticos: uma mulher assassinada a cada seis horas no Brasil — um indicador, disse, de barbárie inaceitável.

Cármen Lúcia fechou seu discurso lembrando que a batalha por direitos não é exclusiva das mulheres: homens democratas também devem somar forças por um país onde homens e mulheres tenham dignidade e direitos iguais.

Brasília as espera — e o país escuta

Na terça-feira, a Esplanada dos Ministérios será o corredor onde memórias, dores e utopias se encontrarão. A marcha é, simultaneamente, lembrança e projeto: lembrar os que foram privados de vida, educação e terra; projetar políticas que tornem o bem-viver possível para todas as pessoas.

Teimosando como Elza. Teimosando como Durvalina. Teimosando como milhares de mulheres que agora avançam juntas — não apenas por si, mas por um Brasil que precisa aprender a proteger sua maioria.

Pacote de Belém entrega avanços históricos — mas COP30 termina sem o acordo crucial sobre combustíveis fósseis

Em plena Amazônia, o mundo celebra conquistas inéditas; mas, ao mesmo tempo, deixa escapar a decisão mais urgente da nossa era climática

Por Ronald Stresser –

Belém amanheceu com o cansaço das grandes decisões. Treze dias de negociações, madrugadas de texto e reuniões – e, ao final, um sentimento ambíguo: a COP30 deixou avanços reais, e ao mesmo tempo deixou sem resposta a pergunta que mais importa. A conferência aprovou o chamado Pacote de Belém — 29 documentos consensuais entre 195 países —, mas não aprovou o esperado e urgente Mapa do Caminho para afastamento dos combustíveis fósseis.

Não foi por falta de pressão. A proposta ganhou o suporte de cerca de 80 países; foi defendida em discursos e debatida nos corredores. Ainda assim, a plenária final, marcada por atrasos e por um protesto vigoroso de delegações latinas, deixou claro que nem sempre o clamor da ciência encontra tradução imediata no terreno diplomático.

O que Belém trouxe de novo

Entre os textos aprovados, alguns brilham pela ambição prática: o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) é talvez o maior símbolo desta COP. Com a proposta de transformar a floresta em ativo de desenvolvimento — remunerando países que mantêm seus biomas em pé — o TFFF já mobilizou, segundo a presidência da conferência, cerca de US$ 6,7 bilhões e tem a adesão inicial de dezenas de países. Não é filantropia: é um mecanismo que atrai investidores e oferece retorno, enquanto paga pelo serviço global que a floresta presta.

Outro pilar do Pacote de Belém são compromissos com financiamento: a meta de triplicar os recursos para adaptação até 2035 e o esforço para mobilizar ao menos US$ 1,3 trilhão por ano para países em desenvolvimento aparecem como opções estruturantes — mas com a ressalva que sempre acompanha promessas desse porte: resta definir fontes, cronogramas e garantias.

A transição com rosto — e voz

Pela primeira vez nos textos oficiais houve menção explícita a grupos historicamente silenciados: afrodescendentes aparecem nos documentos; há um Plano de Ação de Gênero que amplia verbas e liderança para mulheres indígenas, rurais e negras; e a noção de transição justa foi desenhada para colocar as pessoas no centro — não apenas como beneficiárias, mas como protagonistas.

Estas vitórias têm rosto: agricultores que passam a ter acesso a recursos; comunidades que ganham mercado pela floresta em pé; trabalhadoras e trabalhadores que verão, em tese, planos de qualificação e proteção social na virada para uma economia baixa em carbono.

O que ficou faltando — e por que dói

A ausência do Mapa do Caminho no texto final é mais que uma lacuna técnica: é uma escolha política com consequências. Sem um roteiro global — mesmo que gradual e com flexibilidade para realidades nacionais —, a transição corre o risco de ser desigual, lenta e indefinida. Países insulares, nações africanas e povos amazônicos, que já sentem o peso das mudanças, sabem que demora equivale a perdas.

A sessão final em Belém foi um espelho disso: marcada por três horas de atraso, uma paralisação após protestos de delegações latino-americanas e a emoção de ministros e negociadores. A delegada colombiana Daniela Durán González protagonizou um momento emblemático ao cobrar a inclusão explícita da transição longe dos fósseis — e por pouco isso não levou à ruptura do consenso.

O compromisso brasileiro: dois mapas e uma promessa

Diante do impasse, o presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, assumiu publicamente um compromisso: elaborar, nos meses que antecedem a próxima conferência, dois mapas — um para o fim do desmatamento e outro para a transição energética longe dos combustíveis fósseis. A ministra Marina Silva e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defenderam que a questão não foi enterrada; foi delegada a um trabalho técnico-político que deverá envolver ciência, sociedade civil e governos.

É um gesto necessário, mas que exige tradução em ações concretas, calendários e fontes de financiamento. O tempo dos mapas é curto: a presidência brasileira segue até novembro de 2026 e tem pouco mais de 11 meses para transformar promessas em roteiros operacionais.

Leitura final: avanços que não substituem coragem

Belém deixou claro algo que já sabíamos nas entranhas desta crise: é possível construir ferramentas, fundos e mecanismos que entreguem justiça, saúde e proteção — e a COP30 fez isso. Mas também demonstrou que sem a decisão explícita de enfrentar os combustíveis fósseis, a virada necessária continua incompleta.

Há motivos para comemorar: o reconhecimento da Amazônia como ativo global, o TFFF, os avanços em gênero e adaptação e a arquitetura de implementação que começa a nascer. Há motivos, também, para inquietação: a ausência do fim planificado dos fósseis e a incerteza sobre se recursos anunciados serão realmente mobilizados de forma justa e contínua.

O que resta, agora, é transformar palavras em mapas operacionais — e mapas em política. Só assim o gesto de amor à humanidade invocado por autoridades em Belém deixará de ser retórica e virará legado.

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Curitiba amanhece mais leve: a dupla Coxa e Athletico estão de volta à Série A

Coxa campeão e Athletico vice: a taça da Série B é símbolo de recomeço, enquanto o futebol paranaense retoma seu lugar natural, com o retorno dos dois grandes clubes da capital à elite

Com a vitória sobre o Amazonas o Coritiba retorna a primeira divisão como campeão - Staff/CBF

A capital paranaense acordou diferente. Mais leve. Mais viva. Mais Coxa. Na noite de ontem a cidade já mostrava alegria e alívio: buzinas, bandeiras nas janelas e conversas que se transformavam em festa — porque o Coritiba conquistou o título da Série B de 2025 e garantiu o retorno à primeira divisão com autoridade, e com o arquirival Athletico Paranaense chegando em segundo.

A noite histórica em Manaus

Em Manaus, onde o time viajou para selar o destino da temporada, o Coxa venceu o Amazonas por 2 a 1 e comemorou o tricampeonato da competição — uma campanha encerrada com 68 pontos que confirma, nas estatísticas e no sentimento, o direito do clube de voltar à elite.

A vitória foi mais do que um placar: foi o capítulo final de um calendário que, rodada a rodada, exigiu organização, disciplina tática e paciência. A defesa, reconhecidamente a menos vazada da competição, transformou dúvidas em segurança; o ataque, por vezes discreto, foi alma quando necessário.

Iury Castilho marcou o segundo gol do Coxa e fez o time botar a mão na taça - Staff Images / CBF

Mozart e o peso da história

No centro dessa narrativa esteve Mozart, que já conhecia a sensação do título como jogador e, agora, após 26 anos, ergue a sua primeira taça nacional como treinador — um gesto que mistura memória e futuro e que foi acompanhado de um convite público: um encontro com a torcida no Aeroporto Internacional Afonso Pena para a recepção dos campeões.

A cidade que vai ao encontro

Nas redes, em grupos de WhatsApp e em conversas de botequim, a promessa se espalhou: um grande número de torcedores promete ir receber o time no Afonso Pena. É a cidade inteira transformando o aeroporto em praça de encontro; faixas sendo preparadas, ônibus sendo alinhados, crianças e avós combinando o que vão vestir. Se confirmado em massa, o movimento tornará o desembarque um dos grandes momentos de comunhão entre time e torcida.

Do aeroporto ao Couto Pereira — a festa que a cidade quer

Depois do desembarque, a tradição indica um só lugar para a continuação da festa: o Couto Pereira. Lá, entre cimento e lembranças, a taça encontrará seu espaço simbólico. Torcedores, jogadores e a comissão técnica animam a ideia de levar a cerimônia para o templo do clube — porque ali se medem histórias, gerações e promessas.

Paraná de volta ao protagonismo

O que se comemora em Curitiba tem reflexos políticos e esportivos maiores: Coritiba e Athletico retornam juntos à Série A, devolvendo ao Paraná um lugar de destaque no futebol nacional. A presença dos dois rivais na elite reacende expectativas — não apenas por clássicos de grande apelo, mas pela disputa por elencos, contratações e preparação para uma temporada em que a atenção do país estará voltada para a região.

A pergunta que se instala nas rodas de bar e nos estúdios é prática e cheia de esperança: como serão formados os elencos para 2026? Quais reforços chegarão? Como cada clube vai se preparar para transformar acesso em permanência e ambição em resultado?

O retorno do Remo — 31 anos depois

A festa não foi só paranaense. Do outro lado do mapa, o Remo garantiu o acesso à Série A e volta à principal divisão após 31 anos ausente — um feito construído com a força de sua torcida no Mangueirão, que transformou partidas em verdadeiros atos de fé e esperança. O retorno do clube paraense reacende o protagonismo regional e amplia a diversidade geográfica da elite nacional.

Chape: renascimento e emoção

Outro símbolo de reconstrução no país é a Chapecoense, que, após quatro anos, também voltou à Série A — garantindo o terceiro lugar com a vitória por 1×0 sobre o Atlético Goianiense na Arena Condá. A Chape volta à elite com sua história de superação ainda muito presente, convertida agora em força competitiva.

O que a taça representa

Para os torcedores do Coxa, a taça é menos um objeto do que um espelho: reflete anos, gerações e pequenas grandes derrotas que, juntas, explicam por que a alegria de hoje é tão intensa. As ruas de Curitiba mostraram que um título pode ser antídoto contra dias difíceis — e também promessa para os que virão. Pena que houve um episódio de agressão, membros da organizada do Athletico agrediram um torcedor do Coxa, no Porão, polícia e SAMU foram acionados.

Mesmo com registro de casos isolados de briga entre torcedores, fato é que Curitiba amanheceu mais unida, porque o futebol tem esse poder de transformar alegrias individuais em festa coletiva.

Que a cidade saiba guardar essa sensação como combustível para os próximos dias, que virão de treinos, negociações e a longa tarefa de provar, na Série A, que esse título não foi um fim, mas o começo de outro ciclo. A dupla atletiba tem muito trabalho pela frente. O campeão Coritiba e o vice-campeão Athletico prometem trazer de volta os dias de glória à capital do Paraná.

domingo, 23 de novembro de 2025

“Eu previ”: quando a profecia encontra o cárcere — o bruxo, a família e a justiça

Chik Jeitoso falou em voz alta num sábado de novembro. Suas palavras cruzaram fé, indignação e alívio — batendo de frente com um movimento que agora observa um ex-presidente, eleito por eles, recolhido pela Justiça

Bruxo Chik Jeitoso e ex-presidente Bolsonaro - Arquivo

Há uma imagem que ficou: o bruxo diante da câmera, batendo no peito e repetindo, seco, quase desafiante — “Eu previ”. Ontem, sábado, 22 de novembro, a frase entrou leve pela rede e saiu pesada no peito de muita gente. Para uns, confirmação; para outros, tropeço de quem lucra com o espelho das angústias públicas. Procuramos juntar os pontos  — as previsões do bruxo Chik Jeitoso, o contexto jurídico que levou Jair Bolsonaro à prisão preventiva e as investigações sobre seu entorno — para pensar não só no acerto ou erro de uma previsão, mas no que ela diz sobre nossas crenças e medos.

O homem por trás da aura

Luiz Antônio Ferreira Pereira é Chik Jeitoso — nome que virou marca: do rádio às lives, do consultório espiritual à arena digital. Em reportagens e postagens recentes, ele aparece como um fenômeno da fé pop, com milhões de visualizações e uma audiência fiel, que mistura devotos, curiosos e políticos que lhe pedem conselhos e trabalhos de magia. Sua trajetória o colocou numa zona ambígua entre o sagrado e o midiático: conselheiro de políticos, comentador público e, sobretudo, um contador de histórias que transforma o futuro em narrativa presente.

As palavras que o trouxeram até aqui

Nos arquivos que recebi hoje cedo — dois vídeos transcritos das postagens de ontem — Chik não apenas celebra o que chama de acerto: ele descreve a situação com raiva ritualizada, mistura referências religiosas e morais, e projeta uma condenação simbólica que vai além do tribunal. Trechos das postagens dizem, em tom direto: “Eu vejo a prisão do Bolsonaro, do filho dele e da Michele Bolsonaro também” e “essa extrema-direita é o capeta hoje no Brasil”. São frases que rasgam a distância entre profecia e julgamento moral.

O fato — o que a Justiça fez

Na mesma janela temporal em que as palavras de Chik circularam, a Justiça brasileira desencadeou um desfecho de grande impacto: a prisão preventiva de Jair Bolsonaro, motivada por temores de tentativa de fuga e por indícios reunidos durante apurações sobre a tentativa de golpe de 2022. A imprensa internacional e brasileira tem acompanhado a medida como um movimento de grande simbolismo — a efetivação de uma pena pesada (mais de 27 anos por crimes ligados ao atentado à ordem democrática) e a execução de medidas cautelares que visam garantir a ordem e prevenir fuga.

As faces da investigação: Eduardo e a família

Não se trata de um episódio isolado. O STF, por meio do ministro Alexandre de Moraes, abriu e aprofundou inquéritos para apurar a atuação de setores do entorno bolsonarista — entre eles, procedimentos que miram o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro por atuações no exterior que teriam a finalidade de pressionar autoridades e interferir no curso das investigações. Em maio de 2025, Moraes autorizou a abertura de inquérito a pedido da PGR e determinou diligências que incluem o monitoramento de publicações e a colheita de depoimentos. Esse quadro amplia a noção de responsabilização além de um único réu: cria um cruzamento entre poder, família e rede.

Onde a profecia encontra o concreto

A força de uma frase — “eu previ” — só existe porque existe um mundo onde a previsão pode ser testada. Quando ela coincide com um fato que já era possível antever por outros meios (investigações, documentos, atos processuais), o vidente recebe a parte visível do crédito; quando erra, torna-se alvo de escárnio. Mas há algo que as previsões trazem, e que a imprensa costuma menosprezar: elas ordenam afetos. Chik não só disse que algo aconteceria; ele ofereceu um rito para que seguidores entrem em luto, celebração ou fúria — dependendo do lugar político e emocional onde se encontram.

O peso social de crer

Julgar Chik apenas pelo “acerto” seria perder a dimensão social de seu papel. Para muitos, seu discurso é um código para organizar expectativas — um manual de sobrevivência emocional em tempos de alta polarização. Para outros, é combustível para radicalismos. O que fica claro é que, em uma democracia fraturada, narrativas místicas e narrativas jurídicas passam a disputar o mesmo terreno simbólico: o do sentido público.

O que dizem os próprios arquivos

Nos vídeos anexados a esta reportagem, suas falas mesclam crítica moral, referências religiosas e injúrias ao que chama de “extrema-direita”. Em um dos trechos, ele sentencia: “Se existe diabo, a extrema-direita é o capeta hoje no Brasil”; em outro, apresenta a prisão como algo que já estava em seu mapa pessoal. As palavras revelam menos um método previsional do que uma raiva ritualizada — e, por isso mesmo, eficaz em persuadir. 

Entre a razão e o rito

A manchete fácil é proclamar “o bruxo acertou” ou “o bruxo errou”. A reportagem prefere outra janela: perguntar o que essa profecia revela sobre nós. Revela um país que espera justiça e que, ao mesmo tempo, busca significado nas pedras e nos terreiros, nas rádios e nas timelines. Revela também que instituições e crenças hoje se encontram na mesma praça pública — e isso, ao contrário do que se crê, é uma condição de fragilidade e de cuidado.

A nova onda de desinformação que tenta transformar a COP30 em palco de guerra espiritual

Quando o clamor religioso se mistura ao ódio político: como uma mentira sobre a COP30 transforma medo em política e desvia a atenção das vidas que realmente importam

Por Ronald Stresser, para o Sulpost 

A imagem que circula entre a extrema-direita xiita brasileira - Reprodução

Belém do Pará se prepara para receber, em 2025, a COP30 — a conferência global que deveria simbolizar união, ciência e responsabilidade climática. Mas, enquanto a cidade organiza sua estrutura, outro movimento — estrondoso nas redes e silencioso nas intenções — tenta reescrever a narrativa: grupos bolsonaristas difundem a ideia de que o evento teria exibido uma “estátua satânica”.

Entre a fé e a manipulação: quando o medo vira ferramenta política

Conversei com pesquisadores de comunicação, religião e movimentos sociais que apontam uma constatação clara: o medo é o combustível mais eficiente do radicalismo. E quando acionado, serve a qualquer agenda — inclusive àquela que pretende desacreditar a ciência, atacar instituições e sabotar debates ambientais.

“Não existe, até o momento, registro de qualquer obra com esse teor nas preparações oficiais da COP30. O que existe é a construção de uma ficção simbólica pensada para viralizar. Quanto mais grotesca a imagem, mais ela mexe com o emocional. E quanto mais emoção, mais engajamento — não importa se é falso.”

Professor de semiótica cultural, UFPA

O fenômeno não nasce ao acaso. Ele se insere numa estrutura onde o mundo é dividido entre “nós, os puros” e “eles, os corruptos e satânicos”. Nessa lógica, qualquer evento global vira palco de batalha espiritual — e a pauta socioambiental vira pano de fundo para acender ódios, não consciências.

A ponte perigosa entre extremismo político e extremismo religioso

O Brasil convive há anos com um bloco que entrelaça fé e radicalização política. Esse entrelaçamento não apenas instrumentaliza símbolos — ele reorganiza vínculos, reescreve inimigos e legitima ações que antes seriam inaceitáveis.

Quando esse discurso encontra terreno fértil, suas consequências extrapolam fronteiras. A destruição da Palestina por Israel — intensificada por narrativas que transformam adversários em inimigos existenciais — é exemplo de como discursos que desumanizam o outro podem autorizar a violência. A desinformação que tenta satanizar a COP30 não tem a mesma escala geopolítica, mas nasce da mesma lógica: fabricar pânicos morais para impedir diálogos racionais.

De onde nasce o boato e para onde ele aponta

A transcrição que circula nas redes bolsonaristas diz que “a estátua satânica exibida na COP30 se tornou o principal foco de debate nas redes brasileiras...”. A resposta que a reportagem apurou é direta: não houve estátua. Não houve exposição. Não houve símbolo satânico.

O que houve foi um ecossistema organizado de desinformação que investe em criar narrativas falsas com três objetivos principais:

  1. Descredibilizar instituições internacionais, especialmente as ligadas ao meio ambiente;
  2. Criar choque moral para gerar compartilhamentos impulsivos;
  3. Agitar a base radicalizada, mantendo-a em constante estado de mobilização emocional.

Belém, COP30 e o que realmente importa

Enquanto a farsa da “estátua demoníaca” corre pelas redes, a vida continua no Pará. Ribeirinhos, lideranças indígenas, pesquisadores e trabalhadores que dependem da floresta aguardam a COP30 com esperança — não por simbolismos ocultos, mas por ações concretas.

A COP é uma oportunidade rara: para colocar o Norte do Brasil no centro do mundo, para ouvir povos invisibilizados, para desenhar políticas climáticas com sotaque amazônico. Narrativas conspiratórias importam porque desviam foco do que está em jogo — vidas humanas, territórios e um planeta que pede socorro.

O Brasil diante de sua encruzilhada: ciência ou superstição política?

A pergunta que ecoa nas redes — “o que motivou o símbolo satânico na COP30?” — fala mais sobre quem pergunta do que sobre o próprio evento. O país tem uma escolha clara: ou alimentamos monstros de fantasia que fortalecem extremismos, ou encaramos os monstros reais: desmatamento, aquecimento, fome hídrica e desinformação organizada.

A COP30 chegará, com ou sem boatos. A questão é se chegaremos preparados como nação — ou se permitiremos que medos fabricados continuem guiando decisões que afetam milhões de vidas.

Faça você mesmo: Bolsonaro admite ter usado solda para tentar abrir tornozeleira eletrônica (video)

Em vídeo e laudo técnico, as marcas de queimadura na tornozeleira abriram uma cortina: foi “curiosidade”, disse ele — mas quem ensinou Bolsonaro a fazer isso? Quem deu a ideia? Será que ele viu um tutorial do tipo “Faça você mesmo” na internet?

Por Ronald Stresser — 23 de novembro de 2025

Divulgação/Seap


Um relatório técnico da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seap) e um vídeo juntado aos autos mostram o ex-presidente Jair Bolsonaro admitindo que usou um ferro de solda para danificar a tornozeleira eletrônica que o monitorava. O próprio registro da perícia descreve “sinais claros e importantes de avaria” e marcas de queimadura na circunferência do aparelho. 0

Segundo o relatório, o alerta do Centro Integrado de Monitoração Eletrônica (CIME) foi gerado às 00h07 do sábado (22), e, pela manhã, agentes compareceram ao local para inspeção. Na gravação, Bolsonaro justifica o dano como “curiosidade” — e diz que usou um “ferro de solda”. Em seguida, o equipamento foi substituído por outro.

Diante das evidências, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes determinou a retirada do sigilo sobre o relatório e o vídeo e deu prazo de 24 horas para que a defesa se manifeste. A decisão judicial cita a violação do equipamento como um dos elementos que justificaram a prisão preventiva, por risco de fuga e por possíveis efeitos de tumulto diante de manifestações convocadas nas imediações da residência do ex-presidente.

A defesa afirma que Bolsonaro sofre de doenças permanentes e pediu prisão domiciliar humanitária, argumento que foi rejeitado na decisão que determinou a prisão preventiva. Os advogados informaram que vão recorrer. Enquanto isso, a corte aguarda a manifestação no prazo fixado.

O episódio transborda o registro técnico: a tornozeleira — símbolo moderno de controle e visibilidade — transformou-se em palco de uma ação que desperta interrogações. A primeira pergunta que paira, e que repito aqui porque é impossível afastá-la, é direta e simples: quem ensinou Bolsonaro a fazer isso? Quem lhe deu a ideia? Será que foi um impulso próprio, ou ele viu um tutorial do tipo “faça você mesmo” na internet e resolveu experimentar com um soldador? Essa hipótese parece absurda e perigosa — e por isso merece ser investigada com seriedade. (Uma busca preliminar em reportagens e vídeos revela circulação ampla do registro da confissão; não há, até o momento, evidência pública de orientação externa específica que explique o gesto.)

Há, ainda, um componente político e simbólico: aliados descrevem o ato como “surto emocional” ou consequência do estado de saúde do ex-presidente, enquanto críticos o veem como um gesto deliberado, capaz de alimentar teorias de fuga e de alimentar o espetáculo político que acompanha o caso desde a condenação. Nesta encruzilhada — entre fragilidade física e cálculo político —, as marcas queimadas na tornozeleira funcionam como uma metáfora dolorosa. 5


O que muda nos próximos dias

  • Defesa tem 24 horas para se manifestar sobre a violação.
  • Se os últimos recursos forem rejeitados, as condenações poderão ter execução imediata — e a situação processual dos réus pode evoluir nas próximas semanas. 
  • As autoridades substituiram o equipamento por outro e mantêm a investigação sobre as circunstâncias da violação.

No fim, o que se vê é a sobreposição de níveis de leitura: uma confissão registrada em vídeo, o laudo técnico com marcas físicas, uma decisão judicial que entende existir risco — e a pergunta que insiste em permanecer entre as linhas do relato: a quem cabe ensinar um gesto assim? A resposta exige investigação — e não apenas conjectura em redes.

Vídeo anexado ao processo em que Bolsonaro admite uso de solda — trecho divulgado pela Seap / Polícia Federal)

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