segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Caravanas e organizações como a Abayomi tomam as estradas rumo à 2ª Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem-Viver

Às vésperas da 2ª Marcha das Mulheres Negras, caravanas de todo o país seguem rumo à capital; ministra Cármen Lúcia afirma que desigualdade e violência contra mulheres — especialmente negras — seguem como ferida aberta no Brasil

Mulheres embarcam em ônibus no Rio de Janeiro, hoje (24), para participar, em Brasília, da Marcha das Mulheres Negras. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Desde cedo, as estradas brasileiras testemunham uma cena que parece mover o país: ônibus lotados, bandeiras nas janelas, cantos ancestrais, risos, lágrimas e uma convicção que nenhuma distância consegue conter. É a teimosia bonita de quem insiste em existir.

Na Paraíba, essa insistência ganhou um verbo — teimosar — e virou combustível para delegações que viajam quase dois dias até Brasília para se somar a mais de 1 milhão de mulheres no ato de 25 de novembro: a 2ª Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem-Viver.

Quando a vida exige coragem, “teimosar” vira ação política

A expressão ganhou força após um relato da líder quilombola e enfermeira Elza Ursulino, do Quilombo Caiana dos Crioulos. Contou como era repreendida pelo pai quando, ainda jovem, provocava debates na comunidade. Elza não desistiu — e sua "teimozeira" tornou-se símbolo de resistência.

“Teimosar, para as mulheres negras, é sobreviver onde quiseram que elas não existissem”, diz Durvalina Rodrigues, coordenadora da organização paraibana Abayomi — "encontro precioso" em iorubá — criada após a primeira marcha, em 2015, para consolidar espaços de luta e autocuidado.

Jornada de 2025: corpo, território e história em disputa

Ao longo de 2025, a Abayomi e outras organizações promoveram encontros que colocaram lado a lado bem-viver e reparação. Para a psicóloga Hidelvânia Macedo, o bem-viver atravessa o autocuidado como ato coletivo — não um luxo, mas uma política que protege contra doenças crônicas, sofrimento psicológico e isolamento.

Já a reparação surge como correção histórica: depois de quase 400 anos de escravidão, a ausência de indenização, acesso à terra ou à educação deixou cicatrizes que se traduzem hoje em desigualdade socioeconômica e violência dirigida aos corpos negros.

  • No Nordeste, a taxa de analfabetismo chega a 14% — quase o dobro da média nacional — com maior concentração de pessoas pretas e pardas nas camadas de pobreza extrema.

  • A violência de Estado e a necropolítica têm impacto direto sobre as periferias, onde vivem a maioria das vítimas cujo perfil é racializado.

Necropolítica: reconhecer a política que mata

Nas rodas de conversa, ganhou força a compreensão de que as políticas públicas não são neutras. A filósofa política necropolítica — termo que revela como o Estado produz zonas de abandono e morte — ajuda a explicar por que a violência não é aleatória. Para Durvalina, esse entendimento provoca um despertar político que transforma dor em ação coletiva.

O Manifesto Econômico e Institucional: propostas que buscam transformar

Para que a marcha seja mais do que gesto simbólico, o movimento lançou um Manifesto Econômico e Institucional com sete eixos. Entre as propostas centrais estão:

  1. Criação de um Fundo Econômico de Reparação;
  2. Taxação de grandes fortunas e heranças;
  3. Políticas para redução das taxas de juros e blindagem do orçamento social;
  4. Reforma agrária e urbana;
  5. Linhas de crédito e ações afirmativas para empresas que atendem à administração pública.

O recado do STF: Cármen Lúcia e a urgência de proteger mulheres e crianças

Na abertura do seminário Democracia: Substantivo Feminino, realizado na segunda-feira, 24 de novembro, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministra do STF, Cármen Lúcia, sublinhou que, embora a Constituição garanta igualdade, a violência contra mulheres e crianças no Brasil é “gravíssima” e as desigualdades permanecem.

A ministra lembrou que o seminário aconteceu na véspera do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher (25 de novembro) e que a data inaugura um período de 16 dias de mobilização. Ressaltou, ainda, que as mulheres negras são historicamente as maiores vítimas, sobretudo aquelas sem condições econômicas ou acesso a serviços públicos, como a educação.

“O poder é do povo, a mulher é o povo, é a maioria do povo brasileiro. Hoje, nós ouvimos as mulheres da sociedade civil e queremos aprender com elas”, afirmou Cármen Lúcia.

A ministra insistiu que a palavra cabe agora às mulheres: para ensinar e propor caminhos conjuntos. Defendeu uma democracia forte, livre de desigualdade e violência, e lembrou que a luta pela igualdade é uma ação permanente. Citou dados dramáticos: uma mulher assassinada a cada seis horas no Brasil — um indicador, disse, de barbárie inaceitável.

Cármen Lúcia fechou seu discurso lembrando que a batalha por direitos não é exclusiva das mulheres: homens democratas também devem somar forças por um país onde homens e mulheres tenham dignidade e direitos iguais.

Brasília as espera — e o país escuta

Na terça-feira, a Esplanada dos Ministérios será o corredor onde memórias, dores e utopias se encontrarão. A marcha é, simultaneamente, lembrança e projeto: lembrar os que foram privados de vida, educação e terra; projetar políticas que tornem o bem-viver possível para todas as pessoas.

Teimosando como Elza. Teimosando como Durvalina. Teimosando como milhares de mulheres que agora avançam juntas — não apenas por si, mas por um Brasil que precisa aprender a proteger sua maioria.

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