segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Pacote de Belém entrega avanços históricos — mas COP30 termina sem o acordo crucial sobre combustíveis fósseis

Em plena Amazônia, o mundo celebra conquistas inéditas; mas, ao mesmo tempo, deixa escapar a decisão mais urgente da nossa era climática

Por Ronald Stresser –

Belém amanheceu com o cansaço das grandes decisões. Treze dias de negociações, madrugadas de texto e reuniões – e, ao final, um sentimento ambíguo: a COP30 deixou avanços reais, e ao mesmo tempo deixou sem resposta a pergunta que mais importa. A conferência aprovou o chamado Pacote de Belém — 29 documentos consensuais entre 195 países —, mas não aprovou o esperado e urgente Mapa do Caminho para afastamento dos combustíveis fósseis.

Não foi por falta de pressão. A proposta ganhou o suporte de cerca de 80 países; foi defendida em discursos e debatida nos corredores. Ainda assim, a plenária final, marcada por atrasos e por um protesto vigoroso de delegações latinas, deixou claro que nem sempre o clamor da ciência encontra tradução imediata no terreno diplomático.

O que Belém trouxe de novo

Entre os textos aprovados, alguns brilham pela ambição prática: o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) é talvez o maior símbolo desta COP. Com a proposta de transformar a floresta em ativo de desenvolvimento — remunerando países que mantêm seus biomas em pé — o TFFF já mobilizou, segundo a presidência da conferência, cerca de US$ 6,7 bilhões e tem a adesão inicial de dezenas de países. Não é filantropia: é um mecanismo que atrai investidores e oferece retorno, enquanto paga pelo serviço global que a floresta presta.

Outro pilar do Pacote de Belém são compromissos com financiamento: a meta de triplicar os recursos para adaptação até 2035 e o esforço para mobilizar ao menos US$ 1,3 trilhão por ano para países em desenvolvimento aparecem como opções estruturantes — mas com a ressalva que sempre acompanha promessas desse porte: resta definir fontes, cronogramas e garantias.

A transição com rosto — e voz

Pela primeira vez nos textos oficiais houve menção explícita a grupos historicamente silenciados: afrodescendentes aparecem nos documentos; há um Plano de Ação de Gênero que amplia verbas e liderança para mulheres indígenas, rurais e negras; e a noção de transição justa foi desenhada para colocar as pessoas no centro — não apenas como beneficiárias, mas como protagonistas.

Estas vitórias têm rosto: agricultores que passam a ter acesso a recursos; comunidades que ganham mercado pela floresta em pé; trabalhadoras e trabalhadores que verão, em tese, planos de qualificação e proteção social na virada para uma economia baixa em carbono.

O que ficou faltando — e por que dói

A ausência do Mapa do Caminho no texto final é mais que uma lacuna técnica: é uma escolha política com consequências. Sem um roteiro global — mesmo que gradual e com flexibilidade para realidades nacionais —, a transição corre o risco de ser desigual, lenta e indefinida. Países insulares, nações africanas e povos amazônicos, que já sentem o peso das mudanças, sabem que demora equivale a perdas.

A sessão final em Belém foi um espelho disso: marcada por três horas de atraso, uma paralisação após protestos de delegações latino-americanas e a emoção de ministros e negociadores. A delegada colombiana Daniela Durán González protagonizou um momento emblemático ao cobrar a inclusão explícita da transição longe dos fósseis — e por pouco isso não levou à ruptura do consenso.

O compromisso brasileiro: dois mapas e uma promessa

Diante do impasse, o presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, assumiu publicamente um compromisso: elaborar, nos meses que antecedem a próxima conferência, dois mapas — um para o fim do desmatamento e outro para a transição energética longe dos combustíveis fósseis. A ministra Marina Silva e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defenderam que a questão não foi enterrada; foi delegada a um trabalho técnico-político que deverá envolver ciência, sociedade civil e governos.

É um gesto necessário, mas que exige tradução em ações concretas, calendários e fontes de financiamento. O tempo dos mapas é curto: a presidência brasileira segue até novembro de 2026 e tem pouco mais de 11 meses para transformar promessas em roteiros operacionais.

Leitura final: avanços que não substituem coragem

Belém deixou claro algo que já sabíamos nas entranhas desta crise: é possível construir ferramentas, fundos e mecanismos que entreguem justiça, saúde e proteção — e a COP30 fez isso. Mas também demonstrou que sem a decisão explícita de enfrentar os combustíveis fósseis, a virada necessária continua incompleta.

Há motivos para comemorar: o reconhecimento da Amazônia como ativo global, o TFFF, os avanços em gênero e adaptação e a arquitetura de implementação que começa a nascer. Há motivos, também, para inquietação: a ausência do fim planificado dos fósseis e a incerteza sobre se recursos anunciados serão realmente mobilizados de forma justa e contínua.

O que resta, agora, é transformar palavras em mapas operacionais — e mapas em política. Só assim o gesto de amor à humanidade invocado por autoridades em Belém deixará de ser retórica e virará legado.

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