Chik Jeitoso falou em voz alta num sábado de novembro. Suas palavras cruzaram fé, indignação e alívio — batendo de frente com um movimento que agora observa um ex-presidente, eleito por eles, recolhido pela Justiça
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| Bruxo Chik Jeitoso e ex-presidente Bolsonaro - Arquivo |
Há uma imagem que ficou: o bruxo diante da câmera, batendo no peito e repetindo, seco, quase desafiante — “Eu previ”. Ontem, sábado, 22 de novembro, a frase entrou leve pela rede e saiu pesada no peito de muita gente. Para uns, confirmação; para outros, tropeço de quem lucra com o espelho das angústias públicas. Procuramos juntar os pontos — as previsões do bruxo Chik Jeitoso, o contexto jurídico que levou Jair Bolsonaro à prisão preventiva e as investigações sobre seu entorno — para pensar não só no acerto ou erro de uma previsão, mas no que ela diz sobre nossas crenças e medos.
O homem por trás da aura
Luiz Antônio Ferreira Pereira é Chik Jeitoso — nome que virou marca: do rádio às lives, do consultório espiritual à arena digital. Em reportagens e postagens recentes, ele aparece como um fenômeno da fé pop, com milhões de visualizações e uma audiência fiel, que mistura devotos, curiosos e políticos que lhe pedem conselhos e trabalhos de magia. Sua trajetória o colocou numa zona ambígua entre o sagrado e o midiático: conselheiro de políticos, comentador público e, sobretudo, um contador de histórias que transforma o futuro em narrativa presente.
As palavras que o trouxeram até aqui
Nos arquivos que recebi hoje cedo — dois vídeos transcritos das postagens de ontem — Chik não apenas celebra o que chama de acerto: ele descreve a situação com raiva ritualizada, mistura referências religiosas e morais, e projeta uma condenação simbólica que vai além do tribunal. Trechos das postagens dizem, em tom direto: “Eu vejo a prisão do Bolsonaro, do filho dele e da Michele Bolsonaro também” e “essa extrema-direita é o capeta hoje no Brasil”. São frases que rasgam a distância entre profecia e julgamento moral.
O fato — o que a Justiça fez
Na mesma janela temporal em que as palavras de Chik circularam, a Justiça brasileira desencadeou um desfecho de grande impacto: a prisão preventiva de Jair Bolsonaro, motivada por temores de tentativa de fuga e por indícios reunidos durante apurações sobre a tentativa de golpe de 2022. A imprensa internacional e brasileira tem acompanhado a medida como um movimento de grande simbolismo — a efetivação de uma pena pesada (mais de 27 anos por crimes ligados ao atentado à ordem democrática) e a execução de medidas cautelares que visam garantir a ordem e prevenir fuga.
As faces da investigação: Eduardo e a família
Não se trata de um episódio isolado. O STF, por meio do ministro Alexandre de Moraes, abriu e aprofundou inquéritos para apurar a atuação de setores do entorno bolsonarista — entre eles, procedimentos que miram o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro por atuações no exterior que teriam a finalidade de pressionar autoridades e interferir no curso das investigações. Em maio de 2025, Moraes autorizou a abertura de inquérito a pedido da PGR e determinou diligências que incluem o monitoramento de publicações e a colheita de depoimentos. Esse quadro amplia a noção de responsabilização além de um único réu: cria um cruzamento entre poder, família e rede.
Onde a profecia encontra o concreto
A força de uma frase — “eu previ” — só existe porque existe um mundo onde a previsão pode ser testada. Quando ela coincide com um fato que já era possível antever por outros meios (investigações, documentos, atos processuais), o vidente recebe a parte visível do crédito; quando erra, torna-se alvo de escárnio. Mas há algo que as previsões trazem, e que a imprensa costuma menosprezar: elas ordenam afetos. Chik não só disse que algo aconteceria; ele ofereceu um rito para que seguidores entrem em luto, celebração ou fúria — dependendo do lugar político e emocional onde se encontram.
O peso social de crer
Julgar Chik apenas pelo “acerto” seria perder a dimensão social de seu papel. Para muitos, seu discurso é um código para organizar expectativas — um manual de sobrevivência emocional em tempos de alta polarização. Para outros, é combustível para radicalismos. O que fica claro é que, em uma democracia fraturada, narrativas místicas e narrativas jurídicas passam a disputar o mesmo terreno simbólico: o do sentido público.
O que dizem os próprios arquivos
Nos vídeos anexados a esta reportagem, suas falas mesclam crítica moral, referências religiosas e injúrias ao que chama de “extrema-direita”. Em um dos trechos, ele sentencia: “Se existe diabo, a extrema-direita é o capeta hoje no Brasil”; em outro, apresenta a prisão como algo que já estava em seu mapa pessoal. As palavras revelam menos um método previsional do que uma raiva ritualizada — e, por isso mesmo, eficaz em persuadir.
Entre a razão e o rito
A manchete fácil é proclamar “o bruxo acertou” ou “o bruxo errou”. A reportagem prefere outra janela: perguntar o que essa profecia revela sobre nós. Revela um país que espera justiça e que, ao mesmo tempo, busca significado nas pedras e nos terreiros, nas rádios e nas timelines. Revela também que instituições e crenças hoje se encontram na mesma praça pública — e isso, ao contrário do que se crê, é uma condição de fragilidade e de cuidado.


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