sábado, 19 de abril de 2025

Após 50 anos cafeicultura volta com tudo

Brasil colhe os frutos do café: demanda chilena em alta impulsiona exportações em meio a estoques apertados e safra desafiadora

Por Ronald Stresser*

 
Foto: Alexia Santi/Agência Ophelia
 

No campo, o silêncio das madrugadas ainda é interrompido pelo tilintar das peneiras e o aroma forte do café recém-colhido. Nas lavouras de Minas, do Espírito Santo e do Paraná, os produtores já sentem a pressão: a colheita da nova safra mal começou e os estoques estão entre os mais baixos da história. Mas do outro lado da Cordilheira dos Andes, uma boa notícia aquece o coração dos cafeicultores brasileiros — e não é só o calor do café: os chilenos estão apaixonados pelo grão nacional.

Entre 2020 e 2024, o Chile aumentou em 171,8% suas importações de café brasileiro, consolidando o Brasil como o maior exportador do produto para o país vizinho. E não estamos falando apenas do tradicional café industrializado: o maior salto foi no café verde — aquele que ainda não foi torrado ou descafeinado. Em 2020, foram US$ 16,78 milhões exportados. Quatro anos depois, esse número subiu para US$ 43,22 milhões. Um crescimento robusto que vem acompanhado de uma tendência clara: os cafés especiais brasileiros estão conquistando cada vez mais espaço.

Segundo o Conselho dos Exportadores de Café (Cecafé), a demanda chilena por grãos de alta qualidade é um reflexo de uma mudança de hábito que não se limita ao paladar. O Chile, conhecido pela forte tradição no consumo de chá, vem abrindo espaço nas cafeterias e nas prateleiras para o café premium — e, nesse novo cenário, o Brasil reina absoluto.

Mas nem tudo é aroma e sabor. O atual momento do mercado também é marcado por apreensão. A valorização internacional do café — com altas expressivas nos contratos futuros de arábica e robusta — está sendo puxada por um fator climático: a chuva abaixo da média em regiões produtoras brasileiras.

Segundo dados do Climatempo, Minas Gerais, maior estado produtor de arábica, recebeu apenas 17,9 mm de precipitação na semana encerrada em 12 de abril — 89% abaixo da média histórica. E isso pode comprometer a produtividade da safra 2025. Vicente Zotti, analista da Pine Agronegócios, é direto: “Estamos com estoques praticamente zerados para o conilon (robusta) e muito apertados para o arábica. A situação é crítica.”

Com uma produção estimada em 38 milhões de sacas de arábica e 24 milhões de conilon, e uma demanda que soma 20,9 milhões de sacas para o consumo interno e cerca de 40 milhões para exportação, a conta não fecha. O resultado é um mercado nervoso e um produtor cauteloso.

No Espírito Santo, maior produtor de conilon, a colheita da nova safra deve ganhar força em maio. A expectativa é que esse movimento reponha parte da oferta e reaqueça os embarques da variedade no segundo semestre. Mas, até lá, o grão segue disputado. Em março, as exportações do robusta caíram, reflexo direto da baixa disponibilidade no mercado interno.

No mercado físico, a movimentação segue tímida. Muitos produtores seguram o que restou da safra 2024, esperando melhores preços. Em Guaxupé (MG), o arábica tipo 6 subiu para R$ 2.546,00 por saca, e o cereja descascado foi negociado a R$ 2.655,00. Em Franca (SP), o valor chega a R$ 2.660,00. Mesmo com a alta, os volumes negociados ainda estão bem abaixo do necessário para atender à demanda de compradores, como aponta o Escritório Carvalhaes.

Enquanto isso, nas bolsas internacionais, o café arábica encerrou a última quarta-feira (16) com alta de até 665 pontos, e o robusta alcançou valores acima de US$ 5.300/tonelada. A valorização expressiva reflete um cenário de escassez e expectativa — e, para o Brasil, essa equação tem dupla face: ao mesmo tempo que limita o mercado interno, abre uma janela de oportunidades no exterior.

Do ponto de vista do agronegócio, o momento é decisivo. O café brasileiro segue como referência global em qualidade, variedade e volume. Mas, como em toda boa colheita, o tempo é fator determinante. E, neste caso, ele corre junto com a chuva — ou com a falta dela.

Para o Chile, que redescobre o prazer do café ao som de samba e sotaque mineiro, o grão brasileiro é mais do que uma commodity: é uma experiência. Para o Brasil, é a chance de transformar uma paixão em negócio — e, quem sabe, em um novo ciclo de prosperidade para quem vive da terra.

Quase meio século se passou desde a histórica geada negra de 1975, que devastou lavouras no Paraná e marcou uma das maiores crises do café brasileiro. Daquele trauma, surgiu um novo capítulo: a migração de plantações para regiões mais altas e estáveis, o avanço tecnológico no cultivo e a valorização crescente dos cafés especiais.

Hoje, o Brasil não apenas se recuperou — se reinventou. E é essa capacidade de renascimento, enraizada no solo e na cultura do café, que sustenta o protagonismo brasileiro no cenário mundial, da xícara chilena às bolsas internacionais.

*com informações do Notícias Agrícolas e UOL Econômica.

Japão alerta Brasil sobre política extorsionisra de Trump

Não é negociação, é extorsão": o alerta do Japão ao Brasil em meio à guerra tarifária de Trump

 
 

A reunião da Comissão de Relações Exteriores do Parlamento japonês parecia ser apenas mais uma entre tantas que discutem os efeitos da nova escalada protecionista dos Estados Unidos. Mas bastou o deputado japonês Shinji Oguma tomar a palavra para que a diplomacia ganhasse um tom inesperadamente humano — e duro.

“Negociar com Trump é como ser extorquido por um delinquente.” A frase, seca e direta, rompeu o verniz protocolar da política internacional e lançou uma provocação que ressoa, com força, do outro lado do mundo — especialmente no Brasil, que começa a sentir o peso da nova guerra tarifária imposta por Donald Trump.

A fala do deputado viralizou após ser compartilhada pelo empresário francês Arnaud Bertrand na rede X (antigo Twitter). O vídeo tem problemas técnicos de dublagem por IA, mas sua autenticidade foi confirmada. E o conteúdo fala por si.

Oguma não poupa palavras: alerta que ceder ao que os EUA exigem não é apenas um erro de estratégia — é uma ameaça existencial à soberania econômica dos países. “Se você dá dinheiro para alguém que está te extorquindo, eles simplesmente voltam para te extorquir novamente”, afirmou, em uma crítica dura à política de tarifas e chantagens econômicas promovida pela gestão Trump.

Um espelho para o Brasil

O discurso do parlamentar japonês é mais do que uma análise da postura norte-americana. É, também, um espelho. E o Brasil, sexta maior economia do mundo em potencial, precisa se olhar ali com atenção. Mais cedo ou mais tarde — e tudo indica que mais cedo — terá que sentar-se à mesa com Trump.

Ou, como preferem alguns analistas, encará-lo no mesmo beco escuro onde, segundo Oguma, “não há política de segurança, onde a lei quem faz não é o Estado, mas o mais forte”.

O Japão, tradicional aliado dos EUA, tem se mostrado desconfortável com as exigências imprevisíveis de Washington. “Mesmo que o Ministro Akazawa seja sério e capaz, há uma preocupação sobre se é ok para uma pessoa séria lidar com isso. Eles não vão ouvir uma razão direta”, disse Oguma, demonstrando ceticismo com qualquer racionalidade por parte da diplomacia trumpista.

A fala do deputado é tão desconcertante quanto didática. Ele chega a recomendar aos ministros japoneses que assistam aos documentários sobre Roy Cohn — o advogado que moldou a mente de Trump — e sobre o próprio ex-presidente. “Quando você assiste, entende que tipo de pessoa ele é. Não foi uma decisão calculada, foi apenas ego. Ele está machucando o mundo”, disparou.

Da Ásia à América Latina, o eco da desconfiança

A análise do Japão não está isolada. Diversos países da Ásia têm se mostrado cautelosos e, em alguns casos, indignados com a condução da política externa norte-americana. Para os japoneses, aceitar as tarifas em nome de um “acordo” é assumir publicamente uma posição de fraqueza — e isso compromete não apenas o presente, mas o futuro das relações comerciais.

“Ser extorquido sozinho já é ruim, mas ser extorquido em público é ainda pior”, diz uma nota complementar da publicação de Bertrand. E essa é talvez a principal lição para o Brasil: o mundo está assistindo.

A América Latina, que havia sido vista por Trump como uma região “a ser protegida” em sua nova cartada econômica, agora se vê tratada como "quintal do fundo", segundo palavras de seu aliado Marco Rubio. A retórica revela o que Washington realmente espera: submissão.

Preparar-se é resistir

Enquanto ministros brasileiros começam a delinear as estratégias de negociação com os EUA, cresce a percepção de que é preciso mais do que técnica: é necessário ter clareza sobre quem está do outro lado da mesa.

Assistir aos documentários recomendados por Oguma — sobre Roy Cohn e Donald Trump — talvez seja um bom ponto de partida. Não apenas para entender suas táticas, mas para evitar que o Brasil cometa o erro que o Japão tenta agora impedir: confundir imposição com acordo, chantagem com diplomacia.

Em um cenário global onde o mais forte tenta ditar as regras à base do grito, a firmeza pode ser o último bastião da dignidade. E, como disse Oguma ao final de sua intervenção: “Não se deve demonstrar compaixão a um oponente que não joga limpo.”

A frase soa mais como aviso do que conselho. E o Brasil faria bem em escutá-la.

Por Ivo Pugnaloni e Ronald Stresser

Petrobras baixa preço do diesel pela segunda vez em abril

O vaivém do diesel: como a queda no preço da Petrobras mexe com o Brasil que se move

Por Ronald Stresser*

 
Foto: Shutterstock
 

Na beira da estrada, o caminhoneiro Edvaldo olha o céu cinza do fim de tarde e faz as contas no caderninho. Cada centavo economizado no diesel é uma pequena vitória para quem vive com o pé na estrada e carrega o país nas costas — literalmente. "Diz que vai baixar. Tomara que baixe mesmo pra gente, não só no papel", diz ele, enquanto abastece o tanque de 700 litros do seu bruto.

A esperança de Edvaldo não é isolada. Nesta sexta-feira (18), a Petrobras reduziu, pela segunda vez em abril, o preço médio do diesel nas refinarias. Com queda de 3,4%, o litro vendido às distribuidoras passou a custar R$ 3,43 — um alívio tímido, mas simbólico, que ocorre no rastro da queda do petróleo no mercado internacional.

Nas últimas semanas, o barril do tipo Brent despencou de US$ 75 para US$ 65, puxado por temores de recessão global após a nova ofensiva tarifária de Donald Trump. Com a ameaça de uma guerra comercial entre Estados Unidos e seus adversários, o mundo apertou o freio — e o preço do petróleo seguiu o mesmo caminho.

Apesar disso, a redução ainda é cercada de incertezas. O corte de R$ 0,12 por litro é bem abaixo dos R$ 0,30 que analistas consideravam possíveis. Para Eduardo Oliveira de Melo, sócio-diretor da Raion Consultoria, a decisão da Petrobras foi conservadora. “Ela está no meio do caminho. O petróleo já dá sinais de recuperação, e isso pesou para não aprofundar a redução.”

A presidente da Petrobras, Magda Chambriard, reforçou que os reajustes seguem critérios técnicos, mas também sociais. “Olhamos para o mercado, mas também para o que é bom para o Brasil”, afirmou, em coletiva na véspera.

Preço na bomba

Mesmo com o corte nas refinarias, o impacto imediato nos postos é incerto. O diesel vendido ao consumidor final, o chamado diesel B, é composto por 86% de diesel A (da Petrobras) e 14% de biodiesel. Com essa mistura, a redução efetiva no preço deve ser de apenas R$ 0,10 por litro na bomba — isso se distribuidores e revendedores repassarem o valor.

E nem sempre repassam. Entram na conta os tributos, os custos logísticos, as margens de lucro. Tudo isso faz com que a queda anunciada com alarde muitas vezes desapareça no caminho até o posto da esquina. “É como se o preço tivesse que enfrentar um pedágio atrás do outro antes de chegar ao consumidor”, brinca um economista do setor.

Impacto no frete e nos preços ao consumidor

Por trás desse valor aparentemente técnico, existe um efeito em cascata que afeta toda a economia. O diesel é o combustível dos caminhões — e, portanto, do frete, da comida que chega no supermercado, do material escolar, das roupas, do gás. Segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT), cada 10 centavos a mais no litro do diesel impactam em até 2% o custo do transporte rodoviário de cargas.

Desde dezembro de 2022, o preço do diesel nas refinarias já caiu R$ 1,06 por litro, uma retração de 23,6%. Quando ajustado pela inflação, a redução real é ainda mais expressiva: 31,7%. Ainda assim, o combustível segue caro para os padrões brasileiros e representa um peso significativo no custo de vida.

Entre acionistas e caminhoneiros

Essa gangorra de preços escancara uma encruzilhada para a Petrobras, que tenta equilibrar o interesse dos acionistas — especialmente os privados — com a função social que exerce no país. No início do ano, investidores chegaram a ameaçar recorrer à Justiça para obrigar a estatal a subir os preços dos combustíveis, por conta da defasagem em relação ao mercado internacional.

Agora, a situação se inverte. Com o preço alinhado ao patamar de importação, como explica o consultor Thiago Vetter, há o risco de o diesel nacional voltar a ficar abaixo do valor externo. Isso pode desestimular importadores e gerar desequilíbrio no abastecimento, já que o Brasil ainda importa cerca de 30% do diesel que consome.

Cenário instável

Em meio à turbulência internacional, Magda Chambriard chegou a declarar que não faria nenhum movimento de preços “enquanto o cenário geopolítico estiver com essa ansiedade”. Mas, dias depois, anunciou o corte. Analistas interpretaram o gesto como um sinal de que a estatal ainda busca um caminho viável entre o pragmatismo técnico e a pressão política.

No fim das contas, quem paga — ou economiza — é o brasileiro comum. O frete mais caro encarece o feijão. O diesel mais barato, se de fato chegar ao bolso do consumidor, pode aliviar o preço da batata e do pão. E para quem vive da estrada, como Edvaldo, é também uma questão de dignidade.

“Só queria ver esse negócio de baixar o diesel ser de verdade. Porque, pra nós, cada centavo faz diferença. É o que bota comida na mesa lá em casa.”

Enquanto isso, o país segue em marcha lenta, torcendo para que o próximo reajuste venha no sentido certo da estrada.

*com informações da Forbes e Petrobras.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

Ratinho Junior leva Paraná à Flórida em busca de novos horizontes

Na terra do Mickey, sonhos ganham sotaque paranaense: Ratinho Junior discute futuro com prefeitos da Flórida

 
Governador se reúne com prefeitos na Flórida - Jonathan Campos/AEN
 

No calor da Flórida, em meio às palmeiras de Orlando e à atmosfera vibrante de uma das regiões mais visitadas do planeta, o governador do Paraná, Carlos Massa Ratinho Junior, abriu espaço para um diálogo promissor entre o Brasil e os Estados Unidos. Não se tratava apenas de política ou diplomacia — o que estava em jogo era a construção de pontes entre mundos diferentes, conectados pelo desejo comum de formar cidadãos globais e fortalecer o turismo com um toque paranaense.

Na última segunda-feira (14), Ratinho Junior se reuniu com dois nomes de peso da política local: Buddy Dyer, prefeito de Orlando, e Jerry Demings, do condado de Orange County. O encontro, com sotaques diversos e interesses mútuos, foi pautado por um objetivo claro — discutir oportunidades de cooperação turística e incluir a Flórida no radar do programa paranaense *Ganhando o Mundo*, que leva alunos da rede pública a vivências internacionais transformadoras.

Um passo além do intercâmbio

Criado para abrir horizontes e oferecer experiências de vida a estudantes do ensino médio estadual, o *Ganhando o Mundo* tem se expandido em ritmo acelerado. Até agora, a Flórida havia ficado praticamente de fora. Em 2024, apenas um dos 50 alunos que foram para os EUA desembarcou no estado — mais precisamente em Winter Garden, cidade vizinha a Orlando.

Mas esse cenário está prestes a mudar.

“Orlando tem uma vocação incrível para o turismo e para o entretenimento, além de uma estrutura educacional robusta. Imagine o que nossos jovens podem vivenciar aqui?”, pontuou o governador, destacando que a edição de 2026 já será a maior da história, com 2 mil vagas. “Queremos que eles também tenham contato com esse universo vibrante e inspirador."

Uma irmandade de cidades e ideias

O encontro com Buddy Dyer teve um simbolismo especial. Orlando e Curitiba mantêm um acordo de cidades-irmãs — uma ponte institucional que pode facilitar acordos e intercâmbios no futuro próximo. Dyer, prefeito há mais de 20 anos e uma figura querida localmente, demonstrou interesse em estreitar laços com o Paraná, não só pela via educacional, mas também pelo potencial turístico mútuo.

Ratinho Junior aproveitou para apresentar as belezas e oportunidades do Paraná: de Foz do Iguaçu, que deve ganhar uma antena do Museu Pompidou, à Ilha do Mel, passando pela crescente temporada de cruzeiros no litoral paranaense, que movimenta turistas de todo o Brasil e do exterior. “Em 2024, o Paraná recebeu quase um milhão de turistas estrangeiros. Queremos mais”, afirmou.

Administração com sotaque diferente

Já na conversa com Jerry Demings, prefeito do condado de Orange, Ratinho Junior mergulhou em uma realidade administrativa bem distinta da brasileira. O condado, que compreende 13 localidades — entre cidades e vilas — funciona como uma espécie de mini-estado dentro da Flórida, com políticas próprias e uma gestão descentralizada.

“Conhecer essas particularidades é essencial para entender como adaptar boas práticas à nossa realidade. No Paraná, já atuamos com os Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado para potencializar regiões metropolitanas, mas sempre há o que aprender”, avaliou o governador.

Bastidores que fazem a diferença

Por trás da agenda intensa, houve articulação precisa. A empresa DG4Business, que representa a Invest-PR nos Estados Unidos, ajudou a organizar os encontros, com apoio do cônsul-geral do Brasil em Orlando, João Lucas Quental. Também estiveram presentes Caroline Fisher, presidente da Central Florida Brazilian American Chamber of Commerce, e Fernanda Makarios, da DG4Business.

A visita à Flórida aconteceu logo após o anúncio, em Miami, de que Paranaguá ganhará um terminal exclusivo para embarque e desembarque de cruzeiros nos próximos anos — outro passo estratégico para o turismo do estado.

Sonhos que atravessam fronteiras

No fim do dia, o que se viu foi mais do que uma agenda oficial. Foi uma troca de visões, de cultura e de esperança. Um gesto político, sim — mas, acima de tudo, humano. A cada aluno paranaense que cruzar fronteiras graças ao *Ganhando o Mundo*, estará também cruzando limites internos, descobrindo o novo, vencendo medos e abrindo o peito para um mundo cheio de possibilidades.

E se esse mundo tiver como porta de entrada a Flórida, que assim seja — com direito a mochila nas costas, inglês no ouvido, brilho nos olhos e muito orgulho de ser do Paraná.

*com informações da AEN-PR.

Como a psilocibina pode revolucionar o tratamento da depressão

A esperança brota do chão: como a psilocibina pode revolucionar o tratamento da depressão — se o preconceito permitir

Por Ronald Stresser*

 
A psilocibina é um composto presente em cogumelos alucinógenos — BBC
 

Na floresta úmida ou no canto de um jardim, sob a sombra discreta de uma árvore, nasce um dos mais polêmicos, e ao mesmo tempo promissores, aliados da saúde mental moderna. Os cogumelos que contêm psilocibina, até pouco tempo vistos apenas como “alucinógenos perigosos”, hoje são a nova aposta da ciência contra a depressão — a chamada “doença do século”, que atinge quase 12 milhões de brasileiros.

A virada de chave, no entanto, esbarra em um velho obstáculo: o tabu. Enquanto centros de pesquisa nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido colhem resultados promissores com a substância, o Brasil ainda caminha sobre cascas de ovo, tentando equilibrar ética científica, legislação ultrapassada e o preconceito histórico contra tudo que se relacione à palavra “psicodélico”.

Mas o que exatamente é essa tal de psilocibina?

A psilocibina é um alcaloide psicoativo encontrado em fungos (cogumelos) dos gêneros Psilocybe cubensis e Psilocybe semilanceata, popularmente conhecidos como “cogumelos mágicos”. Ao ser ingerida — seja in natura, em chás, chocolates, gomas ou até cápsulas — a substância age como um modulador potente dos receptores de serotonina no cérebro. E é justamente aí que mora seu diferencial.

Diferente dos antidepressivos convencionais, que precisam ser tomados diariamente e nem sempre funcionam, a psilocibina tem mostrado eficácia duradoura mesmo com uma ou poucas doses. "Os medicamentos atuais são muito limitados. Além dos efeitos colaterais, como perda de libido e problemas gastrointestinais, a maioria dos pacientes continua deprimida mesmo após meses de uso", explica o neurofarmacologista Francisney Nascimento.

Nascimento é o orientador de uma pesquisa pioneira da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), em Foz do Iguaçu (PR), que pode se tornar a primeira no Brasil a aplicar a psilocibina em humanos de forma clínica e controlada.

“O paciente toma a cápsula num ambiente seguro, acompanhado por médicos e psicólogos, durante pelo menos oito horas. É um processo terapêutico intenso, que une bioquímica e introspecção profunda. Não é recreação, é ciência e cuidado”, explica Gabriel Curan Pontieri, estudante de medicina e autor do projeto.

A iniciativa já passou pelo Comitê de Ética da Unioeste e aguarda apenas a autorização da Anvisa para importar o composto. O tratamento será oferecido gratuitamente a voluntários diagnosticados com depressão resistente aos remédios tradicionais. A expectativa é iniciar os testes ainda em 2024.

O paradoxo brasileiro

Apesar da autorização para fins científicos, a psilocibina segue proibida no Brasil. O curioso — e problemático — é que o corpo do cogumelo em si não está explicitamente vetado por lei. Isso abre margem para interpretações ambíguas que têm levado cultivadores e até terapeutas psicodélicos a sofrerem perseguições legais. A ausência de regulamentação clara gera um ambiente de insegurança jurídica que afeta não apenas usuários recreativos, mas também profissionais da saúde comprometidos com a ciência.

“O maior inimigo da pesquisa hoje é o preconceito institucional. A psilocibina ainda carrega o estigma das drogas ilícitas, mesmo com todas as evidências científicas do seu potencial terapêutico. Isso atrasa o avanço da medicina e priva milhões de uma esperança real”, desabafa um dos pesquisadores do estudo, sob anonimato.

De fato, as evidências crescem. Estudos da Universidade Johns Hopkins, nos EUA, demonstraram que a substância não só alivia sintomas de depressão grave, como também promove uma espécie de “reinicialização emocional” nos pacientes, favorecendo um olhar mais positivo sobre si mesmos e sobre a vida. Outros trabalhos mostram efeitos positivos em transtornos como ansiedade, estresse pós-traumático e até dependência química.

Uma ciência que cura — e escuta

O tratamento com psilocibina vai além da farmacologia. "É como se você se visse de fora. Você revisita traumas, entende padrões, acessa memórias com clareza. E isso, somado à presença de profissionais qualificados, pode gerar uma transformação profunda", descreve uma voluntária de outro estudo internacional, que preferiu não se identificar.

É exatamente esse processo que os pesquisadores brasileiros querem trazer para cá — com responsabilidade, ética e ciência. “Nosso objetivo não é vender milagre, mas oferecer mais uma alternativa a quem já tentou de tudo. Estamos falando de vidas que podem ser salvas”, conclui Gabriel.

Futuro à vista, se o presente permitir

Com 5,8% da população brasileira sofrendo com a depressão, segundo a OMS, não há mais espaço para dogmas. A ciência já fez sua parte, agora é a vez da sociedade — e principalmente dos legisladores — enfrentarem seus próprios fantasmas. A psilocibina não é uma panaceia, mas pode ser, para muita gente, o primeiro passo rumo à luz depois de um longo inverno.

Talvez o remédio que tanto procuramos não venha de um frasco na prateleira da farmácia, mas brote, silencioso, da terra. O que falta é coragem para colher.

*com informações da UNILA.

Inflação desacelera em março

Alívio no bolso: inflação desacelera em março para todas as faixas de renda, mas o peso da comida ainda aperta os mais pobres

Por Ronald Stresser*

 
Marcelo Casal / Agência Brasil
 

No fim do mês, quando o salário mal dá conta de esticar até o mercado, qualquer respiro no preço dos produtos é bem-vindo. Em março, esse respiro chegou – ainda que tímido. A inflação pisou no freio para todas as faixas de renda, segundo os dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Mas como toda boa notícia no Brasil, ela vem acompanhada de um “mas”: para quem tem menos, o alívio foi desigual, especialmente na hora de encher o carrinho do supermercado.

Para as famílias de renda mais baixa, a inflação caiu de 1,59% em fevereiro para 0,56% em março. Um recuo expressivo, impulsionado principalmente por tarifas mais comportadas de energia elétrica – que saltaram 16,8% no mês anterior e, agora, subiram apenas 0,12% mas assombradas pelo fantasma da bdndeira tarifária que pode voltar em breve. Além disso, as passagens de ônibus urbano e metrô também ficaram mais baratas, com quedas de 1,1% e 1,7%, respectivamente. São pequenas vitórias em gastos que pesam no dia a dia de quem depende do transporte público e vive com orçamento contado.

Na outra ponta, entre os mais ricos, a desaceleração também apareceu, embora de forma mais discreta: de 0,9% para 0,6%. O que puxou esse alívio foi o grupo educação, que havia sofrido um baque em fevereiro com os reajustes das mensalidades escolares. Com esse efeito passando, o índice esfriou.

No acumulado de 12 meses, o retrato segue parecido: inflação de 5,24% para a faixa de renda muito baixa e 5,61% para a alta. Em termos percentuais, parece pouco. Mas quem vai ao mercado sente a diferença no detalhe: um centavo a mais no café, outro no leite, e, de repente, a conta ficou R$ 30 mais cara.

Comida pesa mais para quem tem menos

É justamente na alimentação que a desigualdade do índice se escancara. Em março, produtos essenciais da cesta básica subiram forte. Ovos ficaram 13,1% mais caros, o tomate disparou 22,6%, e o café – vício nacional – subiu 8,1%. O leite também seguiu em alta, com 3,3%.

Em contrapartida, itens como arroz (-1,8%), feijão-preto (-3,9%), carnes (-1,6%) e óleo de soja (-2%) aliviaram um pouco. Ainda assim, o grupo de alimentos e bebidas apresentou alta, pressionado pelos produtos que mais pesam no prato de quem vive com menos.

“É aquela velha história: a inflação pode até cair, mas a comida continua cara”, resume Dona Neide, 64 anos, aposentada, que mora em São Gonçalo (RJ) com duas netas. “O tomate eu já desisti. Agora a gente compra menos e tenta aproveitar até o talo”, conta, rindo com leveza, mas sem esconder a preocupação.

Impactos diferentes, bolsos diferentes

Enquanto os mais pobres lidam com a instabilidade dos alimentos, os mais ricos sentiram maior pressão em áreas como transporte e lazer. As passagens aéreas subiram 6,9%, e os serviços ligados à recreação e lazer tiveram alta de 1,2%. No acumulado dos últimos 12 meses, os vilões são conhecidos: carnes (21,2%), óleo de soja (24,4%), leite (11,9%) e o campeão da inflação, o café, com impressionantes 77,8%.

Em saúde e cuidados pessoais, outro setor que atinge todas as camadas da sociedade, os reajustes também não deram trégua: produtos farmacêuticos e itens de higiene subiram 4,8%, enquanto planos de saúde ficaram 7,3% mais caros.

Perspectiva cautelosa

Apesar da desaceleração em março, a tendência ainda exige cautela. Os preços continuam sensíveis a variações climáticas, choques internacionais e políticas de reajuste. Para as famílias brasileiras, a inflação é mais que um número – é o que determina se o carrinho vai cheio ou pela metade, se o mês termina com feijão ou só esperança no prato.

Enquanto isso, o alívio que veio em março é comemorado com pés no chão. Porque, no Brasil, a economia costuma andar como as filas de mercado em dia de promoção: devagar, aos trancos – mas quando melhora um pouco, já vale a celebração. Mesmo que seja só com um cafezinho… mais caro.

*com informações da Agência Brasil.

Requião Filho rompe com o PT e mira o Palácio Iguaçu em 2026

Requião Filho deixa o PT com aval da Justiça e entra na corrida pelo governo do Paraná em 2026

Por Ronald Stresser*

 
Deputado Requião Filho - Alep
 

O deputado estadual Requião Filho, de 44 anos, recebeu nesta semana o aval definitivo do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) para se desfiliar do Partido dos Trabalhadores (PT) sem perder o mandato. A decisão, baseada em anuência formal das direções municipal, estadual e nacional do partido, abre caminho para que o parlamentar se filie ao PDT e se lance como pré-candidato ao governo do Paraná em 2026.

A desfiliação marca o fim de um ciclo iniciado em março de 2022, quando Requião Filho e seu pai, o ex-governador Roberto Requião, ingressaram no PT em um evento que contou com a presença do presidente Lula. Desde então, divergências políticas, especialmente em relação às privatizações e à condução econômica do governo federal, levaram ao afastamento gradual da família Requião da legenda. Roberto Requião deixou o PT em março de 2024 e se filiou ao Mobiliza, pelo qual concorreu à prefeitura de Curitiba.

Requião Filho, que exerce seu terceiro mandato na Assembleia Legislativa do Paraná, destacou que sua saída do PT é motivada por uma busca por coerência entre discurso e prática. Ele criticou o apoio do governo federal às privatizações de estradas e à venda da Copel, além de promessas não cumpridas com a população do Paraná e do Brasil.

Com a desfiliação autorizada, o deputado deve se filiar ao PDT, partido que tem buscado reforçar seu quadro de lideranças no estado. O ministro Carlos Lupi, presidente nacional licenciado do PDT, oficializou o convite para que Requião Filho e seu pai ingressem na sigla, em um movimento que visa "sacudir o Paraná".

Requião Filho já se apresenta como pré-candidato ao governo do Paraná em 2026. Ele pretende ocupar o espaço político que poderá ser deixado por Ratinho Júnior (PSD), caso este decida disputar a Presidência da República ou o Senado. Em entrevistas, o deputado tem enfatizado seu desejo de corrigir erros históricos na administração do estado e de oferecer uma alternativa progressista fora do PT.

Pesquisas recentes indicam que Requião Filho aparece em segundo lugar nas intenções de voto para o governo do Paraná, atrás apenas do senador Sergio Moro (União Brasil). O desempenho nas sondagens reforça a viabilidade de sua candidatura e a força da marca "Requião" no cenário político paranaense.

A movimentação de Requião Filho sinaliza uma reconfiguração no tabuleiro político do Paraná, com potencial impacto nas eleições de 2026. Sua trajetória e posicionamento crítico ao governo federal podem atrair eleitores em busca de uma alternativa progressista e independente.

*Com informações de CartaCapital, Blog do Esmael, Correio do Litoral, Tribuna do Interior e Bem Paraná.

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Supercana triplica produtividade

A aposta verde (e arriscada) de Eike Batista: a supercana que promete reerguer um império em ruínas

Por Ronald Stresser*

Supercana produz 20 mil litros de etanol por hectare - Maurício Glauco/EPTV

O cenário é bucólico: uma plantação recém-formada de cana-de-açúcar se estende pelo horizonte no interior paulista, sob o calor morno de outono. Mas por trás da paisagem aparentemente comum, esconde-se um projeto ambicioso — e controverso. E quem está por trás dele dispensa apresentações: Eike Batista.

Sim, ele mesmo. O ex-bilionário, ex-dono de um império de petróleo e mineração, ex-homem mais rico do Brasil — e, também, ex-presidiário. Depois de quase uma década de silêncio, Eike está de volta aos holofotes, apostando agora em um novo produto que promete revolucionar o agronegócio: a chamada “supercana”.

I'm back”, escreveu ele no X (antigo Twitter), em fevereiro, com a confiança de quem não apenas quer reescrever sua história, mas virar a página da própria biografia — manchada por promessas bilionárias não cumpridas, processos na Justiça e prisões pela Operação Lava Jato.

Agora, seu novo capítulo tem cheiro de bagaço e ambição renovada.

A cana que quer ser mais que açúcar

O projeto, que já recebeu um aporte de US$ 500 milhões do grupo árabe Adig, propõe uma variedade de cana capaz de produzir de duas a três vezes mais etanol por hectare do que a convencional, além de gerar até 12 vezes mais biomassa — o bagaço que pode ser usado na produção de energia ou na fabricação de plásticos biodegradáveis.

É aí que entra a ideia central de Eike: transformar o que antes era queimado em usinas em matéria-prima para o futuro. Embalagens sustentáveis e combustível de aviação (o SAF, na sigla em inglês) são os grandes trunfos.

“Essa cana é disruptiva. Ela muda a lógica do jogo”, defende o empresário, em videoconferência de seu escritório no Rio. “As pessoas acham que não dá pra moer? Ora, se ela produz três vezes mais, desenvolvemos máquinas maiores. Simples assim.”

Ceticismo no campo

Mas o setor sucroenergético, calejado de apostas semelhantes que não deram certo, não embarcou tão facilmente na empolgação. Rubens Ometto, presidente da Cosan — um dos maiores conglomerados do setor — foi direto ao ponto ao comentar o projeto: “Já fizemos isso e abortamos.”

A “supercana” que Eike promove, na verdade, não é tão nova assim. Trata-se de uma evolução da chamada cana-energia, pesquisada há mais de duas décadas por especialistas como o agrônomo Sizuo Matsuoka, hoje parceiro técnico do projeto. Matsuoka, veterano do Instituto Agronômico de Campinas, já tentara emplacar a variedade antes, sem sucesso. Sua empresa, a Vignis, entrou em recuperação judicial em 2017.

“Cana com mais bagaço é mais dura, mais difícil de processar, e tem um poder calorífico menor do que outras fontes de biomassa. Isso encarece tudo”, explica Fernando Reinach, membro da Academia Brasileira de Ciências e ex-presidente da CanaVialis, companhia pioneira nas pesquisas da variedade.

 
Escritório de Eike no Rio: 'supercana' foi recebida com desconfiança pelo setor - Foto: Reuters 
 

O retorno do anti-herói

Na entrevista, Eike se compara a Elon Musk e diz que seu erro foi confiar demais em executivos — e subestimar a impaciência brasileira. “Lá fora, quando o projeto é bom, o investidor dá tempo. Aqui, não me deram nem seis meses”, reclama.

Ele admite os erros do passado, mas rechaça a ideia de que esteja vendendo ilusões novamente. “A gente não tá aqui pra divulgar mentira. Que besteira é essa?”, rebate, com a mesma assertividade que o marcou na era do “império X”.

Ainda assim, a lembrança do colapso da OGX e das promessas de petróleo que não se concretizaram ronda o discurso. E o peso dos processos na Justiça — são cinco ações penais em curso — não desaparece da biografia. Parte de seu patrimônio, aliás, continua bloqueada.

Um futuro incerto — e um Brasil dividido

Apesar das dúvidas, o projeto avança. O primeiro plantio experimental da supercana já começou em Araras, São Paulo, e o plano é expandir para 70 mil hectares até 2031, com três fábricas previstas na região do Porto do Açu, no norte do Estado do Rio.

Se vai dar certo? Ninguém arrisca dizer. O Brasil do agronegócio — técnico, desconfiado, pragmático — observa de longe. Já o Brasil da esperança, que adora uma história de queda e redenção, parece torcer por Eike, mesmo que em silêncio.

Talvez porque todo brasileiro, no fundo, goste de ver alguém se levantar do chão.

Ou talvez porque, entre a desconfiança e o delírio, ainda haja espaço para a reinvenção — mesmo que ela venha coberta de bagaço.

*com informações da BBC News Brasil.

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Crise climática ultrapassa limite crítico

Crise climática ultrapassa limite crítico e expõe contradições entre consciência global e inação individual

Por Ronald Stresser*
 
 

Em um mundo que já ultrapassou o tão temido limite de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, o que mais falta para nos movermos? A pergunta ecoa como um grito abafado em meio ao calor crescente, às enchentes fora de época e aos incêndios que não respeitam mais a geografia. O alerta veio de forma oficial em 2024, quando os termômetros globais registraram, pela primeira vez, uma média anual superior àquele que era considerado o ponto de inflexão climática. E agora, em 2025, a sensação é de que já estamos vivendo dentro da crise, e não apenas às portas dela.

Um novo relatório da Ipsos, divulgado às vésperas do Dia da Terra, joga luz — e uma dose de frustração — sobre as percepções públicas em relação à emergência climática. O estudo, que ouviu pessoas em 32 países, revela um paradoxo inquietante: embora 64% dos entrevistados afirmem que não agir em relação ao clima é “trair as futuras gerações”, a parcela da população que acredita que suas próprias ações fazem diferença está em queda desde 2021.

O planeta aquece. E a esperança esfria.

“É como se as pessoas estivessem conscientes do problema, mas exaustas ou paralisadas diante dele”, analisa a pesquisadora ambiental Ana Lúcia Monteiro. “Esse cansaço climático é real. Estamos sobrecarregados com alertas, mas ainda com poucos caminhos acessíveis para agir no cotidiano.”

O dado mais simbólico talvez seja o da incompreensão: 17% ainda subestimam a importância do limite de 1,5°C — uma marca que, segundo a ciência, define o limiar entre impactos climáticos gerenciáveis e o risco de efeitos irreversíveis.

Mas o estudo da Ipsos vai além das estatísticas globais. Ele mostra como as preocupações variam conforme a realidade local. Em países altamente vulneráveis, como Filipinas e Turquia, 74% da população expressa temor com os impactos climáticos diretos. Já na América Latina, o clamor é por mais ação dos governos — enquanto 36% das pessoas, em outras partes do mundo, acham que seus países já estão fazendo até demais.

Europa teme o bolso. América Latina teme o futuro.

Na Europa, a transição para energias renováveis é vista com desconfiança por muitos, principalmente por conta dos possíveis aumentos nas contas de luz e da dúvida sobre o real impacto ambiental de carros elétricos. Na América Latina, onde a desigualdade e a vulnerabilidade ambiental andam de mãos dadas, a demanda é clara: políticas públicas mais ousadas e protetoras.

O Brasil, por exemplo, vive uma encruzilhada. Com uma das maiores biodiversidades do planeta e um protagonismo natural em energias limpas, o país poderia liderar uma nova agenda verde. Mas ainda falta articulação entre as esferas de governo, setor privado e sociedade civil.

“Temos um potencial imenso de ser solução, não só vítima”, afirma o climatologista José Henrique Viana. “Mas precisamos parar de tratar a questão climática como um tema de nicho. Está no prato, no bolso, na saúde e no emprego das pessoas.”

E agora, quem nos salvará?

A resposta pode estar no coletivo — mas um coletivo que precisa ser reativado. A pesquisa da Ipsos é um chamado à ação estratégica: entender onde estão os bloqueios, as percepções equivocadas, os medos legítimos. E, a partir daí, construir pontes entre o discurso e a prática, entre a culpa e o comprometimento.

Afinal, o planeta já ultrapassou o ponto de alerta. A pergunta que fica é se a humanidade vai, finalmente, despertar do torpor climático antes que seja tarde demais.

*com informações do Ipsos.

Curitiba, modelo no atendimento ao TEA

Curitiba, um abraço azul: como a capital se tornou referência no atendimento a pessoas com autismo

Por Ronald Stresser*

 
Inauguração da nova sede do Ambulatório Encantar, especializado em TEA, na Rua General Carneiro. Curitiba, 28/03/2025. Foto: José Fernando Ogura/SECOM
 

Na última sexta-feira, Leonardo Azevedo de Lima, de 14 anos, percorreu os cinco andares do novo Ambulatório Encantar com um sorriso no rosto e olhos brilhando de entusiasmo. Para ele, aquele prédio no coração de Curitiba não era apenas uma nova instalação do SUS — era um reencontro com sua própria história, marcada por desafios, superações e vínculos afetivos que ajudaram a transformar sua vida.

Diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) aos 5 anos, Leonardo frequentou o Encantar por quase uma década. Acompanhado da mãe, a assistente social Glaucye Azevedo, ele visitou a nova sede da unidade que o acompanhou em momentos delicados — e que agora se tornou uma referência nacional no cuidado a pessoas com TEA.

“Eu devo a qualidade de vida dos meus filhos e da minha família ao Encantar”, afirmou Glaucye, emocionada ao rever os profissionais que caminharam ao lado dela nessa trajetória. Um deles é o psicólogo Fidélis Líbero Grando Filho, que acompanhou Leonardo por anos e agora o recebia como quem reencontra um velho amigo.

A entrega da nova sede do Encantar fez parte das comemorações dos 332 anos de Curitiba. Com localização estratégica no centro da cidade, o espaço simboliza um novo capítulo na forma como a capital paranaense encara o cuidado com pessoas no espectro autista. “A missão que nós temos no plano de governo é ousada, e nós vamos cumprir”, afirmou o prefeito Eduardo Pimentel durante a inauguração.

Minha história com o Encantar

Como jornalista e pai de uma família atípica, não posso escrever sobre esse tema sem abrir espaço para a minha própria experiência. Meu filho nasceu em 2004, no Rio de Janeiro, e foi diagnosticado com Asperger — um grau mais leve dentro do espectro autista — ainda na pré-adolescência.

Nos mudamos para Curitiba em 2013. Foi aqui que encontramos acolhimento, estrutura e orientação. O Ambulatório Encantar fez toda a diferença em nossa vida. Com o suporte da equipe multidisciplinar, meu filho pôde se desenvolver com segurança, sem sobrecarga emocional. Hoje, não precisa mais de medicação e leva uma vida absolutamente normal. É por isso que, com convicção e gratidão, afirmo: Curitiba tem o melhor SUS entre as capitais brasileiras.

Encantar: mais que atendimento, um elo de afeto

O Encantar é hoje um dos pilares do modelo curitibano de atenção ao TEA. Especializado no acompanhamento de crianças e adolescentes com atraso no desenvolvimento, o ambulatório oferece atendimentos terapêuticos multidisciplinares dentro da rede pública de saúde, promovendo inclusão, autonomia e qualidade de vida.

Mas o impacto do Encantar vai além do consultório. “Aqui a gente encontra apoio, orientação, escuta. Não é só o tratamento da criança, é um acolhimento da família como um todo”, resume Elias, pai de um menino autista que participa dos grupos de apoio promovidos pelo município.

Esses grupos, presentes em todos os distritos sanitários da cidade, têm sido uma rede de fortalecimento e troca entre pais e cuidadores. “A primeira vez que participei foi antes do diagnóstico da minha filha. Eu estava perdida, não sabia como lidar com ela. Aqui aprendi a respeitar o tempo dela”, contou Andriea da Silva, mãe da pequena Gaia, de 4 anos.

Desde a criação da estratégia, mais de 500 famílias já participaram de cerca de 30 grupos realizados. Em 2025, os distritos Cajuru, CIC, Pinheirinho e Portão já contam com grupos ativos, e os demais — Bairro Novo, Boqueirão, Boa Vista, Santa Felicidade, Tatuquara e Matriz — receberão novas turmas a partir de abril. A formação de facilitadores, já em 96 profissionais, garante que o apoio chegue cada vez mais longe.

Uma rede que começa na atenção básica e vai até o ensino

O modelo curitibano de cuidado ao TEA começa na porta de entrada do Sistema Único de Saúde. Quando há suspeita de autismo, a orientação é procurar a Unidade Básica de Saúde mais próxima, onde o paciente será avaliado e, se necessário, encaminhado a serviços especializados.

Entre esses serviços, além do Encantar, destaca-se o CEETEA — Centro de Ensino Estruturado para o Transtorno do Espectro Autista —, que integra a rede da Secretaria Municipal de Educação e acolhe estudantes autistas com um olhar pedagógico e sensível às suas necessidades.

A inovação no cuidado também passa pelo telefone. O TeleTEA (41 3262-0579) é um serviço de orientação e apoio por chamada, oferecido a familiares, cuidadores e pessoas com TEA, ampliando o acesso à informação e suporte.

Política pública que vira exemplo

O compromisso de Curitiba com o atendimento humanizado à população autista ganhou também respaldo político. Além da inauguração da nova sede do Encantar, a Prefeitura criou um núcleo específico para garantir os direitos das pessoas autistas e ampliar a atenção a essa população.

A solenidade de inauguração reuniu autoridades de diversas áreas: saúde, educação, desenvolvimento humano e ação social. Estiveram presentes representantes do Conselho Municipal de Saúde, vereadores, deputada estadual, técnicos, gestores e parceiros do setor privado — todos reunidos por um mesmo propósito: construir uma cidade mais inclusiva, onde cada cidadão encontre acolhimento e respeito às suas singularidades.

Curitiba se firma, assim, como referência nacional em atendimento a pessoas com TEA. Mas mais do que infraestrutura, o que move essa rede é o afeto. Como diz Glaucye, mãe de Leonardo: “O Encantar nos ensinou que ninguém está sozinho. E quando a gente se sente acolhido, tudo muda.”

Serviço

- Encaminhamentos: procure a Unidade Básica de Saúde mais próxima  

- Ambulatório Encantar:  especializado para crianças e adolescentes com TEA  

- CEETEA: centro educacional estruturado para estudantes com autismo  

- TeleTEA: (41) 3262-0579 – orientação e apoio por telefone  

- Grupos de apoio: ativos nos distritos Cajuru, CIC, Pinheirinho e Portão, com expansão prevista para os demais distritos  

*com informações da Prefeitura Municipal de Curitiba.

Qual a fórmula do dia perfeito?

Cientistas descobrem a fórmula do dia perfeito – e talvez seja mais simples do que imaginamos

Por Ronald Stresser*

 
 

Era uma terça-feira qualquer quando a jornalista britânica Hannah Ewens teve um estalo: "Este foi o dia perfeito". Estava em Los Angeles, fevereiro de 2024, e viveu uma rotina que poderia repetir eternamente, sem arrependimentos no leito de morte. Tudo começou com uma aula de spinning cedo, seguida de algumas horas de trabalho. Depois, uma visita à biblioteca para estudar um tema pessoal, um jantar sozinha – longe do celular, observando os californianos com seus personal trainers e seus cachorros – e, para fechar, uma noite leve na casa de uma amiga. Nada espetacular. Mas absolutamente equilibrado.

E essa sensação de harmonia não era por estar de férias ou fora de casa. Era a proporção certa entre fazer o que precisava ser feito e o que se queria fazer. Agora, cientistas da Universidade da Colômbia Britânica parecem ter colocado essa intuição em números. Com base em dados da pesquisa *American Time Use Survey*, eles analisaram os chamados "dias melhores que a média" e chegaram à fórmula do dia ideal.

O cardápio do bem-estar

Segundo os pesquisadores, um dia perfeito seria composto por:

- 6 horas de tempo de qualidade com a família

- 2 horas com amigos

- 1h30 de interação social mais ampla

- 6 horas de trabalho

- 15 minutos de deslocamento

- 2 horas de exercícios físicos

- 1 hora no máximo de tela (celular, computador, TV)

Olhar para essa lista é quase como encarar um ideal inalcançável. Mas também é um lembrete simples e poderoso: a vida boa não está necessariamente nos excessos, mas na harmonia. Tudo ali tem seu espaço: o corpo, a mente, o trabalho, os afetos. E até mesmo o que muitas vezes parece um fardo, como o expediente profissional, é entendido como parte do sentido da vida.

O grande obstáculo? O relógio corporativo

Para a maioria das pessoas, no entanto, essa fórmula esbarra em uma dura realidade: a jornada de trabalho de oito a nove horas, que consome o tempo e a energia que poderiam ser investidos em amigos, família ou movimento. Como bem observa Hannah, nem todos têm a autonomia de um empreendedor ou a flexibilidade de um freelancer.

"Sou feita para me concentrar intensamente por quatro ou cinco horas. Depois disso, estou drenada, com a cabeça cheia de algodão, pronta apenas para tomar mais café, rolar o feed do celular ou atrapalhar os colegas", confessa.

E quem não se reconhece nesse ciclo? Quantos de nós já não sentimos que vivemos para trabalhar, ao invés de trabalhar para viver?

E quem não tem a família tradicional?

A pesquisa também parte de uma média americana que nem sempre reflete a diversidade de experiências. E quem mora longe da família, é solteiro ou simplesmente valoriza o tempo sozinho? No lugar das seis horas com parentes, Hannah diz que prefere investir esse período em hobbies, leitura, caminhada, ou qualquer atividade que a aproxime dela mesma.

Uma nova métrica de felicidade

No fim das contas, a proposta não é seguir a risca um cronograma cravado, mas redescobrir a importância de viver com equilíbrio. A fórmula nos convida a repensar a forma como distribuímos nosso tempo e energia. Afinal, já temos um modelo de vida com nove horas de trabalho e cinco de tela por dia – e não parece estar funcionando tão bem assim.

Talvez o que a ciência esteja nos dizendo é o que nossos corpos e corações já gritam há tempos: a vida boa é feita de equilíbrio, conexões reais e espaço para simplesmente ser.

*com informações do Independent.

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Brasil reduz queimadas em 70% no início de 2025

Entre cinzas e esperança: Brasil reduz queimadas em 70% no início de 2025

Por Ronald Stresser*

 
Agentes da Polícia Federal investigam incêndio florestal - PF/Divulgação
 

No coração da floresta que já ardeu como um braseiro descontrolado, o silêncio agora tem o som da chuva. Nos primeiros três meses de 2025, o Brasil viveu um respiro. Um alívio raro em tempos de emergência climática: a área queimada no país caiu 70% em relação ao mesmo período do ano passado. 

Os dados vêm do Monitor do Fogo, ferramenta do MapBiomas que utiliza imagens de satélite para rastrear as cicatrizes deixadas pelas chamas. Em números absolutos, são 912,9 mil hectares consumidos entre janeiro e março deste ano — uma cifra ainda expressiva, mas significativamente menor do que os 2,1 milhões de hectares queimados no primeiro trimestre de 2024.

Choveu. E isso fez diferença

As chuvas, tão aguardadas e às vezes esquecidas nos debates técnicos, foram aliadas importantes na contenção do fogo. “A ocorrência do período de chuvas contribui para essa diminuição das queimadas”, explica Vera Arruda, pesquisadora do MapBiomas Fogo. Mas ela alerta: a queda nos números não significa que o perigo passou. Especialmente no Cerrado, onde o fogo continua deixando marcas profundas. O bioma viu um aumento de 12% nas áreas queimadas em relação ao mesmo período de 2024, totalizando 91,7 mil hectares, mais que o dobro da média histórica desde 2019.

“Cada bioma reage de forma diferente ao clima e às ações humanas. E cada um precisa de estratégias específicas de prevenção e combate”, reforça Vera.

Roraima: onde a seca ainda acende chamas

Se o Brasil como um todo respirou, Roraima ainda queima. Foi o estado mais atingido no primeiro trimestre, com 415,7 mil hectares tomados pelo fogo. As cidades de Pacaraima e Normandia encabeçam a lista dos municípios mais afetados. De acordo com Felipe Martenexen, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), isso se deve ao ciclo natural do estado: “Roraima vivencia sua estação seca no início do ano, o que torna o estado particularmente vulnerável.”

A Amazônia, apesar da queda de 72% em relação a 2024, continua liderando em área absoluta queimada: foram 774 mil hectares, o equivalente a 78% de todo o território atingido pelas chamas no país.

O retrato por bioma: entre retrocessos e avanços

Embora a tendência geral seja de redução, o Brasil segue lidando com um mosaico complexo. Enquanto o Pantanal viu uma redução de 86% nas áreas queimadas e a Caatinga teve 8% a menos que no ano passado, a Mata Atlântica e o Pampa registraram crescimentos de 7% e 1,4%, respectivamente.

Março, último mês do trimestre, trouxe o melhor desempenho: apenas 106,6 mil hectares queimados — uma queda de 86% em comparação com março de 2024. Um sinal promissor, mas que precisa ser lido com cautela.

Entre o que apaga e o que acende

A redução nas queimadas é, sem dúvida, um dado a ser celebrado. Mas ela não é um ponto de chegada. É um respiro em meio a um cenário que ainda exige atenção constante, fiscalização reforçada, políticas públicas eficazes e, sobretudo, compromisso ambiental de todos os setores.

A diretora de Ciência do Ipam, coordenadora do MapBiomas Fogo, resume com uma frase que soa como aviso: “A estação seca de 2025, que se aproxima, possivelmente ainda será forte, o que pode reverter essa condição de redução.”

Enquanto isso, a floresta espera. O Cerrado resiste. E o Brasil, entre cinzas e esperança, precisa decidir se essa curva descendente será um tropeço do fogo — ou o início de um novo ciclo.

*com informações da Agência Brasil.

Terra passa por período de extinção, alerta cientista

“A maior e mais rápida extinção da história”: o alerta de um cientista para o futuro do planeta

 
 

A cena é familiar, quase poética. O sol toca a superfície do mar em um fim de tarde morno, o vento dança entre as folhas de uma amendoeira, e por um instante tudo parece estar em paz. Mas é justamente nessa calmaria aparente que mora o perigo. O clima do nosso planeta está mudando — rápido demais — e a humanidade, ainda sem esboçr reação à altura, segue tropeçando diante de um colapso profetizado.

Sir Hugh Montgomery, médico e pesquisador britânico, é um dos mais respeitados especialistas do mundo em saúde e mudanças climáticas. Ele não mede palavras para descrever o cenário atual: “Estamos provocando a maior e mais rápida extinção em massa da história da Terra”. A fala soou como um soco durante a abertura do Forecasting Healthy Futures Global Summit, evento internacional que reuniu cientistas, médicos e líderes políticos no Rio de Janeiro — cidade que se prepara para sediar a COP 30 em novembro.

Montgomery, que dirige o Centro de Saúde e Desempenho Humano da University College London e é um dos autores do relatório da revista *The Lancet* sobre clima e saúde, compara o cenário atual ao Período Permiano — o mais sombrio da história geológica do planeta, quando cerca de 90% das espécies foram exterminadas por condições extremas.

Mas, desta vez, não foi um meteoro. Não foi um supervulcão. Somos nós.

O clima virou emergência. E está matando

De acordo com Montgomery: “A cada tonelada de CO₂ lançada na atmosfera, empurramos a Terra mais perto de um abismo”. Em 2024, o mundo bateu o recorde de aquecimento global: 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais. Os cientistas projetam que, no ritmo atual de emissões, chegaremos a 2,7 °C até o fim do século.

Pode parecer pouco, mas essa diferença pode significar o colapso das geleiras do Ártico, a elevação de vários metros no nível do mar e uma cascata de desastres naturais — secas severas, enchentes históricas, ondas de calor insuportáveis. “Se alcançarmos entre 1,7 °C e 2,3 °C, já será suficiente para desacelerar drasticamente a circulação do Atlântico, o que mudará o clima do planeta como o conhecemos”, disse o cientista.

O alerta soa ainda mais dramático se lembrarmos que as mudanças já começaram. Ilhas estão desaparecendo, ecossistemas colapsando, animais sumindo. O que parecia coisa de filme apocalíptico já virou manchete.

Não é só o futuro — é o agora

As consequências da crise climática já batem à porta dos hospitais. Montgomery lembra que estamos falando de uma emergência de saúde pública. “Não é apenas sobre salvar o planeta, é sobre salvar pessoas. Já vemos hoje o aumento de doenças respiratórias, cardiovasculares, infecções e problemas de saúde mental ligados às mudanças climáticas.”

No Brasil, o calor extremo já virou pauta urgente. Em Fortaleza, por exemplo, 41% das escolas estão em áreas onde a temperatura ultrapassa a média da cidade em pelo menos 1 °C. Em São Paulo e Manaus, os chamados “cânions urbanos” — corredores formados por arranha-céus — aprisionam o calor e colocam a saúde de milhões em risco. E na Antártida, a vegetação avança à medida que o gelo recua. O mundo está se transformando diante de nossos olhos.

O preço do descaso

Há também o impacto econômico. Segundo Montgomery, a crise climática deve reduzir em até 20% a economia global anualmente a partir de 2049 — uma perda de US$ 38 trilhões por ano. “É como se ignorássemos um incêndio que começa em um canto da casa achando que não vai chegar aos quartos”, compara o cientista.

Mas os dados não são frios. Eles ganham rosto quando se pensa em comunidades inteiras afetadas por desastres ambientais, em agricultores que veem suas lavouras secarem, em populações ribeirinhas que perdem suas casas para o avanço das águas. O custo é humano.

E agora, há tempo?

A resposta é sim — mas não por muito tempo. O especialista defende ações imediatas: redução drástica nas emissões de gases do efeito estufa, corte urgente na liberação de metano (83 vezes mais nocivo que o CO₂), despoluição de centros urbanos, transição energética e uma mudança profunda nos padrões de consumo.

“Não adianta só aliviar os sintomas. É preciso atacar a causa”, diz Montgomery. Para ele, as medidas de adaptação — como infraestrutura contra enchentes ou campanhas de saúde — são importantes, mas insuficientes se não forem acompanhadas de um esforço real para frear o aquecimento global.

A escolha está feita — ou será feita por nós

Com a COP 30 no horizonte, o Brasil e o mundo têm a chance de virar a chave. A urgência foi lançada no palco do Rio, mas ecoa como um chamado coletivo: é hora de escolher entre a sobrevivência ou o colapso.

A Terra não deixará de girar. Mas talvez não gire mais com a mesma vida. A questão, como aponta Montgomery, é se estaremos aqui para contar a história.

“Se continuarmos golpeando a base dessa coluna instável sobre a qual estamos apoiados, a própria espécie humana estará ameaçada.”

O tempo corre. E o relógio do clima não aceita soneca.

Edição: Ronald Stresser

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