A esperança brota do chão: como a psilocibina pode revolucionar o tratamento da depressão — se o preconceito permitir
Por Ronald Stresser*| A psilocibina é um composto presente em cogumelos alucinógenos — BBC |
Na floresta úmida ou no canto de um jardim, sob a sombra discreta de uma árvore, nasce um dos mais polêmicos, e ao mesmo tempo promissores, aliados da saúde mental moderna. Os cogumelos que contêm psilocibina, até pouco tempo vistos apenas como “alucinógenos perigosos”, hoje são a nova aposta da ciência contra a depressão — a chamada “doença do século”, que atinge quase 12 milhões de brasileiros.
A virada de chave, no entanto, esbarra em um velho obstáculo: o tabu. Enquanto centros de pesquisa nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido colhem resultados promissores com a substância, o Brasil ainda caminha sobre cascas de ovo, tentando equilibrar ética científica, legislação ultrapassada e o preconceito histórico contra tudo que se relacione à palavra “psicodélico”.
Mas o que exatamente é essa tal de psilocibina?
A psilocibina é um alcaloide psicoativo encontrado em fungos (cogumelos) dos gêneros Psilocybe cubensis e Psilocybe semilanceata, popularmente conhecidos como “cogumelos mágicos”. Ao ser ingerida — seja in natura, em chás, chocolates, gomas ou até cápsulas — a substância age como um modulador potente dos receptores de serotonina no cérebro. E é justamente aí que mora seu diferencial.
Diferente dos antidepressivos convencionais, que precisam ser tomados diariamente e nem sempre funcionam, a psilocibina tem mostrado eficácia duradoura mesmo com uma ou poucas doses. "Os medicamentos atuais são muito limitados. Além dos efeitos colaterais, como perda de libido e problemas gastrointestinais, a maioria dos pacientes continua deprimida mesmo após meses de uso", explica o neurofarmacologista Francisney Nascimento.
Nascimento é o orientador de uma pesquisa pioneira da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), em Foz do Iguaçu (PR), que pode se tornar a primeira no Brasil a aplicar a psilocibina em humanos de forma clínica e controlada.
“O paciente toma a cápsula num ambiente seguro, acompanhado por médicos e psicólogos, durante pelo menos oito horas. É um processo terapêutico intenso, que une bioquímica e introspecção profunda. Não é recreação, é ciência e cuidado”, explica Gabriel Curan Pontieri, estudante de medicina e autor do projeto.
A iniciativa já passou pelo Comitê de Ética da Unioeste e aguarda apenas a autorização da Anvisa para importar o composto. O tratamento será oferecido gratuitamente a voluntários diagnosticados com depressão resistente aos remédios tradicionais. A expectativa é iniciar os testes ainda em 2024.
O paradoxo brasileiro
Apesar da autorização para fins científicos, a psilocibina segue proibida no Brasil. O curioso — e problemático — é que o corpo do cogumelo em si não está explicitamente vetado por lei. Isso abre margem para interpretações ambíguas que têm levado cultivadores e até terapeutas psicodélicos a sofrerem perseguições legais. A ausência de regulamentação clara gera um ambiente de insegurança jurídica que afeta não apenas usuários recreativos, mas também profissionais da saúde comprometidos com a ciência.
“O maior inimigo da pesquisa hoje é o preconceito institucional. A psilocibina ainda carrega o estigma das drogas ilícitas, mesmo com todas as evidências científicas do seu potencial terapêutico. Isso atrasa o avanço da medicina e priva milhões de uma esperança real”, desabafa um dos pesquisadores do estudo, sob anonimato.
De fato, as evidências crescem. Estudos da Universidade Johns Hopkins, nos EUA, demonstraram que a substância não só alivia sintomas de depressão grave, como também promove uma espécie de “reinicialização emocional” nos pacientes, favorecendo um olhar mais positivo sobre si mesmos e sobre a vida. Outros trabalhos mostram efeitos positivos em transtornos como ansiedade, estresse pós-traumático e até dependência química.
Uma ciência que cura — e escuta
O tratamento com psilocibina vai além da farmacologia. "É como se você se visse de fora. Você revisita traumas, entende padrões, acessa memórias com clareza. E isso, somado à presença de profissionais qualificados, pode gerar uma transformação profunda", descreve uma voluntária de outro estudo internacional, que preferiu não se identificar.
É exatamente esse processo que os pesquisadores brasileiros querem trazer para cá — com responsabilidade, ética e ciência. “Nosso objetivo não é vender milagre, mas oferecer mais uma alternativa a quem já tentou de tudo. Estamos falando de vidas que podem ser salvas”, conclui Gabriel.
Futuro à vista, se o presente permitir
Com 5,8% da população brasileira sofrendo com a depressão, segundo a OMS, não há mais espaço para dogmas. A ciência já fez sua parte, agora é a vez da sociedade — e principalmente dos legisladores — enfrentarem seus próprios fantasmas. A psilocibina não é uma panaceia, mas pode ser, para muita gente, o primeiro passo rumo à luz depois de um longo inverno.
Talvez o remédio que tanto procuramos não venha de um frasco na prateleira da farmácia, mas brote, silencioso, da terra. O que falta é coragem para colher.
*com informações da UNILA.

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