Crise climática ultrapassa limite crítico e expõe contradições entre consciência global e inação individual
Por Ronald Stresser*Em um mundo que já ultrapassou o tão temido limite de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, o que mais falta para nos movermos? A pergunta ecoa como um grito abafado em meio ao calor crescente, às enchentes fora de época e aos incêndios que não respeitam mais a geografia. O alerta veio de forma oficial em 2024, quando os termômetros globais registraram, pela primeira vez, uma média anual superior àquele que era considerado o ponto de inflexão climática. E agora, em 2025, a sensação é de que já estamos vivendo dentro da crise, e não apenas às portas dela.
Um novo relatório da Ipsos, divulgado às vésperas do Dia da Terra, joga luz — e uma dose de frustração — sobre as percepções públicas em relação à emergência climática. O estudo, que ouviu pessoas em 32 países, revela um paradoxo inquietante: embora 64% dos entrevistados afirmem que não agir em relação ao clima é “trair as futuras gerações”, a parcela da população que acredita que suas próprias ações fazem diferença está em queda desde 2021.
O planeta aquece. E a esperança esfria.
“É como se as pessoas estivessem conscientes do problema, mas exaustas ou paralisadas diante dele”, analisa a pesquisadora ambiental Ana Lúcia Monteiro. “Esse cansaço climático é real. Estamos sobrecarregados com alertas, mas ainda com poucos caminhos acessíveis para agir no cotidiano.”
O dado mais simbólico talvez seja o da incompreensão: 17% ainda subestimam a importância do limite de 1,5°C — uma marca que, segundo a ciência, define o limiar entre impactos climáticos gerenciáveis e o risco de efeitos irreversíveis.
Mas o estudo da Ipsos vai além das estatísticas globais. Ele mostra como as preocupações variam conforme a realidade local. Em países altamente vulneráveis, como Filipinas e Turquia, 74% da população expressa temor com os impactos climáticos diretos. Já na América Latina, o clamor é por mais ação dos governos — enquanto 36% das pessoas, em outras partes do mundo, acham que seus países já estão fazendo até demais.
Europa teme o bolso. América Latina teme o futuro.
Na Europa, a transição para energias renováveis é vista com desconfiança por muitos, principalmente por conta dos possíveis aumentos nas contas de luz e da dúvida sobre o real impacto ambiental de carros elétricos. Na América Latina, onde a desigualdade e a vulnerabilidade ambiental andam de mãos dadas, a demanda é clara: políticas públicas mais ousadas e protetoras.
O Brasil, por exemplo, vive uma encruzilhada. Com uma das maiores biodiversidades do planeta e um protagonismo natural em energias limpas, o país poderia liderar uma nova agenda verde. Mas ainda falta articulação entre as esferas de governo, setor privado e sociedade civil.
“Temos um potencial imenso de ser solução, não só vítima”, afirma o climatologista José Henrique Viana. “Mas precisamos parar de tratar a questão climática como um tema de nicho. Está no prato, no bolso, na saúde e no emprego das pessoas.”
E agora, quem nos salvará?
A resposta pode estar no coletivo — mas um coletivo que precisa ser reativado. A pesquisa da Ipsos é um chamado à ação estratégica: entender onde estão os bloqueios, as percepções equivocadas, os medos legítimos. E, a partir daí, construir pontes entre o discurso e a prática, entre a culpa e o comprometimento.
Afinal, o planeta já ultrapassou o ponto de alerta. A pergunta que fica é se a humanidade vai, finalmente, despertar do torpor climático antes que seja tarde demais.
*com informações do Ipsos.


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