Não é negociação, é extorsão": o alerta do Japão ao Brasil em meio à guerra tarifária de Trump
A reunião da Comissão de Relações Exteriores do Parlamento japonês parecia ser apenas mais uma entre tantas que discutem os efeitos da nova escalada protecionista dos Estados Unidos. Mas bastou o deputado japonês Shinji Oguma tomar a palavra para que a diplomacia ganhasse um tom inesperadamente humano — e duro.
“Negociar com Trump é como ser extorquido por um delinquente.” A frase, seca e direta, rompeu o verniz protocolar da política internacional e lançou uma provocação que ressoa, com força, do outro lado do mundo — especialmente no Brasil, que começa a sentir o peso da nova guerra tarifária imposta por Donald Trump.
A fala do deputado viralizou após ser compartilhada pelo empresário francês Arnaud Bertrand na rede X (antigo Twitter). O vídeo tem problemas técnicos de dublagem por IA, mas sua autenticidade foi confirmada. E o conteúdo fala por si.
Oguma não poupa palavras: alerta que ceder ao que os EUA exigem não é apenas um erro de estratégia — é uma ameaça existencial à soberania econômica dos países. “Se você dá dinheiro para alguém que está te extorquindo, eles simplesmente voltam para te extorquir novamente”, afirmou, em uma crítica dura à política de tarifas e chantagens econômicas promovida pela gestão Trump.
Um espelho para o Brasil
O discurso do parlamentar japonês é mais do que uma análise da postura norte-americana. É, também, um espelho. E o Brasil, sexta maior economia do mundo em potencial, precisa se olhar ali com atenção. Mais cedo ou mais tarde — e tudo indica que mais cedo — terá que sentar-se à mesa com Trump.
Ou, como preferem alguns analistas, encará-lo no mesmo beco escuro onde, segundo Oguma, “não há política de segurança, onde a lei quem faz não é o Estado, mas o mais forte”.
O Japão, tradicional aliado dos EUA, tem se mostrado desconfortável com as exigências imprevisíveis de Washington. “Mesmo que o Ministro Akazawa seja sério e capaz, há uma preocupação sobre se é ok para uma pessoa séria lidar com isso. Eles não vão ouvir uma razão direta”, disse Oguma, demonstrando ceticismo com qualquer racionalidade por parte da diplomacia trumpista.
A fala do deputado é tão desconcertante quanto didática. Ele chega a recomendar aos ministros japoneses que assistam aos documentários sobre Roy Cohn — o advogado que moldou a mente de Trump — e sobre o próprio ex-presidente. “Quando você assiste, entende que tipo de pessoa ele é. Não foi uma decisão calculada, foi apenas ego. Ele está machucando o mundo”, disparou.
Da Ásia à América Latina, o eco da desconfiança
A análise do Japão não está isolada. Diversos países da Ásia têm se mostrado cautelosos e, em alguns casos, indignados com a condução da política externa norte-americana. Para os japoneses, aceitar as tarifas em nome de um “acordo” é assumir publicamente uma posição de fraqueza — e isso compromete não apenas o presente, mas o futuro das relações comerciais.
“Ser extorquido sozinho já é ruim, mas ser extorquido em público é ainda pior”, diz uma nota complementar da publicação de Bertrand. E essa é talvez a principal lição para o Brasil: o mundo está assistindo.
A América Latina, que havia sido vista por Trump como uma região “a ser protegida” em sua nova cartada econômica, agora se vê tratada como "quintal do fundo", segundo palavras de seu aliado Marco Rubio. A retórica revela o que Washington realmente espera: submissão.
Preparar-se é resistir
Enquanto ministros brasileiros começam a delinear as estratégias de negociação com os EUA, cresce a percepção de que é preciso mais do que técnica: é necessário ter clareza sobre quem está do outro lado da mesa.
Assistir aos documentários recomendados por Oguma — sobre Roy Cohn e Donald Trump — talvez seja um bom ponto de partida. Não apenas para entender suas táticas, mas para evitar que o Brasil cometa o erro que o Japão tenta agora impedir: confundir imposição com acordo, chantagem com diplomacia.
Em um cenário global onde o mais forte tenta ditar as regras à base do grito, a firmeza pode ser o último bastião da dignidade. E, como disse Oguma ao final de sua intervenção: “Não se deve demonstrar compaixão a um oponente que não joga limpo.”
A frase soa mais como aviso do que conselho. E o Brasil faria bem em escutá-la.
Por Ivo Pugnaloni e Ronald Stresser

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