Brasil colhe os frutos do café: demanda chilena em alta impulsiona exportações em meio a estoques apertados e safra desafiadora
Por Ronald Stresser*| Foto: Alexia Santi/Agência Ophelia |
No campo, o silêncio das madrugadas ainda é interrompido pelo tilintar das peneiras e o aroma forte do café recém-colhido. Nas lavouras de Minas, do Espírito Santo e do Paraná, os produtores já sentem a pressão: a colheita da nova safra mal começou e os estoques estão entre os mais baixos da história. Mas do outro lado da Cordilheira dos Andes, uma boa notícia aquece o coração dos cafeicultores brasileiros — e não é só o calor do café: os chilenos estão apaixonados pelo grão nacional.
Entre 2020 e 2024, o Chile aumentou em 171,8% suas importações de café brasileiro, consolidando o Brasil como o maior exportador do produto para o país vizinho. E não estamos falando apenas do tradicional café industrializado: o maior salto foi no café verde — aquele que ainda não foi torrado ou descafeinado. Em 2020, foram US$ 16,78 milhões exportados. Quatro anos depois, esse número subiu para US$ 43,22 milhões. Um crescimento robusto que vem acompanhado de uma tendência clara: os cafés especiais brasileiros estão conquistando cada vez mais espaço.
Segundo o Conselho dos Exportadores de Café (Cecafé), a demanda chilena por grãos de alta qualidade é um reflexo de uma mudança de hábito que não se limita ao paladar. O Chile, conhecido pela forte tradição no consumo de chá, vem abrindo espaço nas cafeterias e nas prateleiras para o café premium — e, nesse novo cenário, o Brasil reina absoluto.
Mas nem tudo é aroma e sabor. O atual momento do mercado também é marcado por apreensão. A valorização internacional do café — com altas expressivas nos contratos futuros de arábica e robusta — está sendo puxada por um fator climático: a chuva abaixo da média em regiões produtoras brasileiras.
Segundo dados do Climatempo, Minas Gerais, maior estado produtor de arábica, recebeu apenas 17,9 mm de precipitação na semana encerrada em 12 de abril — 89% abaixo da média histórica. E isso pode comprometer a produtividade da safra 2025. Vicente Zotti, analista da Pine Agronegócios, é direto: “Estamos com estoques praticamente zerados para o conilon (robusta) e muito apertados para o arábica. A situação é crítica.”
Com uma produção estimada em 38 milhões de sacas de arábica e 24 milhões de conilon, e uma demanda que soma 20,9 milhões de sacas para o consumo interno e cerca de 40 milhões para exportação, a conta não fecha. O resultado é um mercado nervoso e um produtor cauteloso.
No Espírito Santo, maior produtor de conilon, a colheita da nova safra deve ganhar força em maio. A expectativa é que esse movimento reponha parte da oferta e reaqueça os embarques da variedade no segundo semestre. Mas, até lá, o grão segue disputado. Em março, as exportações do robusta caíram, reflexo direto da baixa disponibilidade no mercado interno.
No mercado físico, a movimentação segue tímida. Muitos produtores seguram o que restou da safra 2024, esperando melhores preços. Em Guaxupé (MG), o arábica tipo 6 subiu para R$ 2.546,00 por saca, e o cereja descascado foi negociado a R$ 2.655,00. Em Franca (SP), o valor chega a R$ 2.660,00. Mesmo com a alta, os volumes negociados ainda estão bem abaixo do necessário para atender à demanda de compradores, como aponta o Escritório Carvalhaes.
Enquanto isso, nas bolsas internacionais, o café arábica encerrou a última quarta-feira (16) com alta de até 665 pontos, e o robusta alcançou valores acima de US$ 5.300/tonelada. A valorização expressiva reflete um cenário de escassez e expectativa — e, para o Brasil, essa equação tem dupla face: ao mesmo tempo que limita o mercado interno, abre uma janela de oportunidades no exterior.
Do ponto de vista do agronegócio, o momento é decisivo. O café brasileiro segue como referência global em qualidade, variedade e volume. Mas, como em toda boa colheita, o tempo é fator determinante. E, neste caso, ele corre junto com a chuva — ou com a falta dela.
Para o Chile, que redescobre o prazer do café ao som de samba e sotaque mineiro, o grão brasileiro é mais do que uma commodity: é uma experiência. Para o Brasil, é a chance de transformar uma paixão em negócio — e, quem sabe, em um novo ciclo de prosperidade para quem vive da terra.
Quase meio século se passou desde a histórica geada negra de 1975, que devastou lavouras no Paraná e marcou uma das maiores crises do café brasileiro. Daquele trauma, surgiu um novo capítulo: a migração de plantações para regiões mais altas e estáveis, o avanço tecnológico no cultivo e a valorização crescente dos cafés especiais.
Hoje, o Brasil não apenas se recuperou — se reinventou. E é essa capacidade de renascimento, enraizada no solo e na cultura do café, que sustenta o protagonismo brasileiro no cenário mundial, da xícara chilena às bolsas internacionais.
*com informações do Notícias Agrícolas e UOL Econômica.

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