A aposta verde (e arriscada) de Eike Batista: a supercana que promete reerguer um império em ruínas
Por Ronald Stresser*O cenário é bucólico: uma plantação recém-formada de cana-de-açúcar se estende pelo horizonte no interior paulista, sob o calor morno de outono. Mas por trás da paisagem aparentemente comum, esconde-se um projeto ambicioso — e controverso. E quem está por trás dele dispensa apresentações: Eike Batista.
Sim, ele mesmo. O ex-bilionário, ex-dono de um império de petróleo e mineração, ex-homem mais rico do Brasil — e, também, ex-presidiário. Depois de quase uma década de silêncio, Eike está de volta aos holofotes, apostando agora em um novo produto que promete revolucionar o agronegócio: a chamada “supercana”.
“I'm back”, escreveu ele no X (antigo Twitter), em fevereiro, com a confiança de quem não apenas quer reescrever sua história, mas virar a página da própria biografia — manchada por promessas bilionárias não cumpridas, processos na Justiça e prisões pela Operação Lava Jato.
Agora, seu novo capítulo tem cheiro de bagaço e ambição renovada.
A cana que quer ser mais que açúcar
O projeto, que já recebeu um aporte de US$ 500 milhões do grupo árabe Adig, propõe uma variedade de cana capaz de produzir de duas a três vezes mais etanol por hectare do que a convencional, além de gerar até 12 vezes mais biomassa — o bagaço que pode ser usado na produção de energia ou na fabricação de plásticos biodegradáveis.
É aí que entra a ideia central de Eike: transformar o que antes era queimado em usinas em matéria-prima para o futuro. Embalagens sustentáveis e combustível de aviação (o SAF, na sigla em inglês) são os grandes trunfos.
“Essa cana é disruptiva. Ela muda a lógica do jogo”, defende o empresário, em videoconferência de seu escritório no Rio. “As pessoas acham que não dá pra moer? Ora, se ela produz três vezes mais, desenvolvemos máquinas maiores. Simples assim.”
Ceticismo no campo
Mas o setor sucroenergético, calejado de apostas semelhantes que não deram certo, não embarcou tão facilmente na empolgação. Rubens Ometto, presidente da Cosan — um dos maiores conglomerados do setor — foi direto ao ponto ao comentar o projeto: “Já fizemos isso e abortamos.”
A “supercana” que Eike promove, na verdade, não é tão nova assim. Trata-se de uma evolução da chamada cana-energia, pesquisada há mais de duas décadas por especialistas como o agrônomo Sizuo Matsuoka, hoje parceiro técnico do projeto. Matsuoka, veterano do Instituto Agronômico de Campinas, já tentara emplacar a variedade antes, sem sucesso. Sua empresa, a Vignis, entrou em recuperação judicial em 2017.
“Cana com mais bagaço é mais dura, mais difícil de processar, e tem um poder calorífico menor do que outras fontes de biomassa. Isso encarece tudo”, explica Fernando Reinach, membro da Academia Brasileira de Ciências e ex-presidente da CanaVialis, companhia pioneira nas pesquisas da variedade.
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| Escritório de Eike no Rio: 'supercana' foi recebida com desconfiança pelo setor - Foto: Reuters |
O retorno do anti-herói
Na entrevista, Eike se compara a Elon Musk e diz que seu erro foi confiar demais em executivos — e subestimar a impaciência brasileira. “Lá fora, quando o projeto é bom, o investidor dá tempo. Aqui, não me deram nem seis meses”, reclama.
Ele admite os erros do passado, mas rechaça a ideia de que esteja vendendo ilusões novamente. “A gente não tá aqui pra divulgar mentira. Que besteira é essa?”, rebate, com a mesma assertividade que o marcou na era do “império X”.
Ainda assim, a lembrança do colapso da OGX e das promessas de petróleo que não se concretizaram ronda o discurso. E o peso dos processos na Justiça — são cinco ações penais em curso — não desaparece da biografia. Parte de seu patrimônio, aliás, continua bloqueada.
Um futuro incerto — e um Brasil dividido
Apesar das dúvidas, o projeto avança. O primeiro plantio experimental da supercana já começou em Araras, São Paulo, e o plano é expandir para 70 mil hectares até 2031, com três fábricas previstas na região do Porto do Açu, no norte do Estado do Rio.
Se vai dar certo? Ninguém arrisca dizer. O Brasil do agronegócio — técnico, desconfiado, pragmático — observa de longe. Já o Brasil da esperança, que adora uma história de queda e redenção, parece torcer por Eike, mesmo que em silêncio.
Talvez porque todo brasileiro, no fundo, goste de ver alguém se levantar do chão.
Ou talvez porque, entre a desconfiança e o delírio, ainda haja espaço para a reinvenção — mesmo que ela venha coberta de bagaço.
*com informações da BBC News Brasil.
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