domingo, 29 de junho de 2025

Paraná lidera diálogo inédito com a OCDE sobre sustentabilidade

Paraná dá exemplo ao mundo: Assembleia Legislativa integra diálogo inédito com a OCDE sobre sustentabilidade e boas práticas de governança

Por Ronald Stresser | Sulpost 

 
Deputado Alexandre Curi, presidente da ALEP - Folha do Sudoeste/Arquivo
 

No Palácio 19 de Dezembro, sede do executivo paranaense, a voz do deputado Alexandre Curi atravessou as paredes da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) para alcançar um dos fóruns mais respeitados do planeta: a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE. Pela primeira vez, o Parlamento paranaense sentou-se, ainda que virtualmente, à mesma mesa de diálogo com representantes da entidade que reúne as maiores economias do mundo — e o fez para falar sobre o futuro. Um futuro sustentável, inclusivo, transparente. Um futuro que já começou por aqui.

O Paraná é hoje o único estado brasileiro com uma parceria ativa com a OCDE voltada especificamente para o avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela ONU, e para o fortalecimento da agenda ESG — sigla em inglês para Environmental, Social and Governance, ou seja, boas práticas ambientais, sociais e de governança.

Essa conquista, embora celebrada em instâncias internacionais, foi pavimentada internamente com ações concretas. "Pela primeira vez, a Assembleia dá sua contribuição direta para que a pauta do desenvolvimento sustentável avance", afirmou o presidente da Casa, deputado Alexandre Curi, durante a reunião com a missão da OCDE, que prepara um novo relatório sobre a implementação dos ODS no estado.

Não se trata de retórica ou de um gesto isolado. Com a criação de um Plano de Ação Estratégica, o Legislativo estadual incorporou os princípios do ESG em sua estrutura, seu funcionamento e sua cultura institucional. “Queremos inspirar outras esferas do setor público e também o setor privado a adotar boas práticas. Não se trata apenas de votar leis, mas de aplicar esses princípios no nosso funcionamento diário”, reforçou Curi.

Ponte entre a Alep e o Planeta

A Superintendência de Desenvolvimento Econômico e Social (SGDES), sob a liderança de Keli Guimarães, foi a força motriz por trás desse processo. É ela quem acompanha de perto a incorporação dos ODS ao Plano Plurianual 2024–2027 — um movimento estratégico que permitiu ao estado organizar, medir e monitorar políticas públicas com base em indicadores globais. "A intenção do Paraná é clara: apresentar à ONU um relatório voluntário com dados sociais, financeiros e de governança, mostrando que é possível transformar intenções em resultados", explicou Keli.

Durante a videoconferência, o diretor-geral da Assembleia, Wellington Dalmaz, respondeu a um questionário detalhado da OCDE sobre a atuação sustentável do Parlamento e sua articulação com o setor privado. As respostas, acompanhadas de dados e evidências, comporão um relatório internacional que será lançado até novembro.

É o tipo de documento que não apenas avalia, mas chancela o protagonismo de um estado que ousou pensar grande — e agir localmente.

A sustentabilidade começa em casa

Não é raro ver discursos sobre sustentabilidade carregados de promessas distantes. O que torna a experiência paranaense digna de nota é o compromisso com a prática. A Assembleia devolve 41% do seu orçamento anual ao Tesouro Estadual — um gesto concreto de austeridade e responsabilidade fiscal. Mais que isso: detém o Selo Diamante de Transparência, o mais alto nível de reconhecimento em prestação de contas públicas no país.

Esse olhar atento à governança se soma ao engajamento dos municípios. Todos os 399 municípios do Paraná já possuem algum nível de integração com a Agenda 2030 da ONU, uma conquista que coloca o estado em um seleto grupo global. Desde 2019, o Paraná integra o programa da OCDE com outras nove regiões e cidades do mundo, entre elas metrópoles europeias e asiáticas. E tem sido apontado como um dos melhores exemplos de implementação local dos ODS.

Agenda que vai além do meio ambiente

Falar em sustentabilidade, hoje, é falar sobre pessoas. Sobre justiça social, acesso à educação, à saúde, ao trabalho digno, ao combate à pobreza. É, também, sobre como as instituições públicas devem se organizar para garantir que esses direitos se concretizem. “Unidos por um propósito comum, seguimos firmes para consolidar o Paraná como referência em sustentabilidade, inovação pública e governança responsável”, declarou o presidente Alexandre Curi.

Esse propósito ganha forma e força com cada decisão tomada, com cada política pensada em longo prazo. O ESG deixou de ser um conceito e tornou-se um compromisso institucional. Um compromisso que reverbera, agora, nas reuniões da OCDE, nas metas dos municípios, nas metas do estado — e que, mais do que nunca, conecta o Paraná ao futuro que o mundo quer construir.

Com informações da ALEP, OCDE,  SGDES e do Plano Plurianual 2024–2027 do Governo do Estado.

Para o Sulpost, com edição especial para a editoria de desenvolvimento sustentavel e políticas públicas.

Em extinção, jumento brasileiro pode desaparecer até 2030

A longa travessia dos jumentos: exportação para China ameaça de extinção o animal símbolo do sertão brasileiro

Por Ronald Stresser | Sulpost

 
© Proteção Animal Mundial
 

No imaginário popular do sertão nordestino, a silhueta de um jumento cortando a paisagem ressequida é quase tão sagrada quanto as rezas à beira do fogão à lenha. Animal companheiro, teimoso e fiel, o jumento — Equus asinus — atravessou séculos ao lado do povo simples, puxando carroças, carregando água, cruzando trilhas onde máquinas não ousam passar. Mas essa relação ancestral, marcada por suor, poesia e religiosidade, corre risco de ser extinta em silêncio. Literalmente.

É que a demanda crescente da China por ejiao — uma gelatina medicinal feita a partir da pele dos jumentos — vem provocando uma matança sem precedentes desses animais no Brasil, em outros países da América Latina e da África. Segundo especialistas reunidos no 3º Workshop Jumentos do Brasil, em Maceió, a espécie pode desaparecer do território brasileiro até 2030, caso nada seja feito.

“A situação do Brasil e do mundo em relação ao jumento é assustadora”, resume o professor Adroaldo Zanella, do Departamento de Medicina Veterinária da USP. Segundo a Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, o país perdeu 94% do seu rebanho de asininos entre 1996 e 2025.

Colágeno de sangue e silêncio

Tradicional na medicina chinesa, o ejiao é considerado um tônico rejuvenescedor, usado há séculos para melhorar a circulação sanguínea, aumentar a fertilidade e reforçar a imunidade. O problema é o custo por trás da suposta cura: apenas em 2021, 5,6 milhões de jumentos foram abatidos para atender ao mercado internacional. A previsão é que esse número suba para 6,8 milhões em 2027, segundo a ONG internacional The Donkey Sanctuary.

O Brasil, que sequer possui fazendas para reprodução da espécie, virou um dos principais fornecedores de pele bruta, sacrificando um dos animais mais emblemáticos de sua cultura rural em nome de um comércio que muitos consideram cruel e descontrolado.

Registros da crueldade

Uma pesquisa publicada este ano na revista científica Animals aponta um cenário preocupante: a maioria dos jumentos abatidos apresenta sinais evidentes de maus-tratos, abandono, má nutrição e sofrimento extremo. Não há regulamentação efetiva no transporte e abate desses animais, o que agrava o risco de disseminação de doenças — inclusive zoonoses, como alerta o próprio relatório da Donkey Sanctuary.

“Estamos vendo um processo de industrialização do abate, sem qualquer estrutura de produção adequada, e com absoluto desrespeito ao bem-estar animal”, diz a médica-veterinária Patrícia Tatemoto, coordenadora da campanha da organização no Brasil.

O fim de uma parceria histórica

Não se trata apenas de números. O desaparecimento dos jumentos traria impactos diretos para milhares de famílias do campo, sobretudo na agricultura familiar. Em pequenas plantações de cacau e café, onde tratores não entram, o jumento segue insubstituível. Sua doçura, inteligência e resistência o tornam também um companheiro querido, muitas vezes tratado como membro da família.

“É um animal dócil, forte e extremamente útil. Tirar ele do campo é tirar uma ferramenta de trabalho de quem já tem muito pouco”, lamenta seu José Florêncio, agricultor em Uauá, no sertão da Bahia.

O tempo de gestação longo — 12 meses — e a maturação demorada para o abate (cerca de 3 anos) tornam sua criação comercial pouco viável. A exploração atual, portanto, se baseia na retirada desordenada dos animais que vivem soltos ou abandonados, sobretudo no Nordeste, onde o jumento antes vagava livre pelas estradas.

Alternativas precisam de vontade política

Cientistas vêm testando soluções tecnológicas como a fermentação de precisão, capaz de produzir colágeno sintético sem o uso de animais. “Investir nessas inovações é essencial para proteger a espécie e promover práticas mais sustentáveis, inclusive sob a perspectiva socioeconômica”, afirma o engenheiro agrônomo Roberto Arruda, doutor em Economia Aplicada pela USP.

Alguns países africanos, como Quênia, Nigéria e Tanzânia, já restringiram ou baniram o abate de jumentos para exportação. No Brasil, dois projetos de lei tramitam com o objetivo de proibir a matança da espécie para o comércio de carne ou derivados: um na Câmara dos Deputados e outro na Assembleia Legislativa da Bahia.

Grito do sertão que ecoa no mundo

O jumento, que a tradição cristã diz ter carregado Jesus em sua entrada em Jerusalém, carrega agora o peso de um destino que não escolheu. O que está em jogo não é apenas a sobrevivência de um animal, mas a memória de um Brasil profundo, onde o jumento era símbolo de força, luta e resistência.

Salvar o jumento é, portanto, mais do que preservar uma espécie: é resgatar uma parte de nós mesmos. É dizer que a modernidade não precisa ser sinônimo de crueldade, e que há formas mais justas e humanas para vivermos e produzirmos. Que o barulho de um jumento no sertão não seja substituído pelo silêncio de sua ausência.

  • Com informações da BBC Brasil, G1 Meio Ambiente, The Donkey Sanctuary, Revista Animals, USP - Revista Brasileira de Pesquisa Veterinária e Ciência Animal e Agência Brasil.

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sábado, 28 de junho de 2025

De herói a investigado: investigações encontram menções a Moro na operação que revelou fraudes contra aposentados

Do sonho de heróis à sombra da suspeita: menções a Moro e Onyx na operação que revelou fraudes contra aposentados

Por Ronald Stresser | Sulpost

 
Marcelo Camargo/Agência Brasil
 

No silêncio das filas do INSS, onde milhares de aposentados esperam por seus direitos com documentos nas mãos e esperança nos olhos, uma ferida se abre — discreta, profunda e cruel. Ela se chama “fraude associativa”, e atingiu os mais vulneráveis como um golpe certeiro no coração da dignidade. Agora, a investigação da Polícia Federal, batizada de “Operação Sem Desconto”, sobe os degraus do poder: chega ao Supremo Tribunal Federal com nomes de peso no centro das suspeitas. Entre eles, o senador Sergio Moro e o deputado e ex-ministro Onyx Lorenzoni.

Ambos negam qualquer envolvimento direto. Mas as menções a seus nomes em documentos da PF — ainda que sob reserva ou sem prova material conclusiva — são suficientes para transformar a narrativa. Não é apenas um escândalo de cifras desviadas do INSS. É um espelho trincado da própria história recente do país.

As vítimas: aposentados e pensionistas

A dor começa nos extratos bancários. Pequenos descontos, de R$ 20, R$ 30, R$ 50 por mês. Valor que, para muitos, representa o arroz do mês ou o medicamento essencial. Eles vinham de associações supostamente assistenciais, que jamais haviam sido autorizadas pelos segurados. Um esquema que, segundo a PF, se sofisticou ao ponto de operar com o aval de acordos de cooperação firmados durante a gestão de Onyx Lorenzoni no Ministério do Trabalho e Previdência (2021–2022).

Essas entidades, como a Amar Brasil, obtinham autorização para debitar mensalidades diretamente da aposentadoria dos cidadãos — um mecanismo legal que virou armadilha. A PF apurou que, por trás desses convênios, havia verdadeiros balcões de negócios, com intermediações políticas, favorecimentos e blindagens institucionais.

Conexões políticas: padrão que se repete?

As coincidências saltam aos olhos. Em 2019, o Brasil já assistia, atônito, ao plano da “lava jato” de criar uma fundação privada — de R$ 2,5 bilhões — para administrar recursos oriundos de acordos com a Petrobras. O projeto foi barrado pelo Supremo, mas revelou algo mais grave: uma visão paralela de Estado, onde promotores e juízes, em nome do combate à corrupção, passavam a gerir dinheiro público como se fosse de uma ONG própria.

Agora, o inquérito do INSS revela uma possível reedição desse modelo. Segundo a Polícia Federal, as mudanças promovidas por Sergio Moro no Ministério da Justiça, ainda em 2019, teriam fragilizado a atuação dos sindicatos tradicionais e aberto espaço para o avanço das entidades fraudulentas. Um “ajuste institucional” que pode ter sido a gênese do que viria a ser um dos maiores golpes contra aposentados na história recente do país.

O nome de Moro surge nos documentos da PF como figura que, em sua gestão, teria facilitado a proliferação dessas entidades ao modificar a regulação das cartas sindicais. Um movimento que, para o advogado e delator Rodrigo Tacla Duran, se deu por meio da “negociação espúria” dessas permissões.

As reações: negativas públicas e silêncio estratégico

Sergio Moro, em nota, repudiou o que chamou de “insinuações irresponsáveis”, afirmando que jamais tratou de contribuições associativas enquanto ministro e que não há qualquer vínculo entre sua atuação e os convênios suspeitos. Onyx Lorenzoni, por sua vez, confirmou ter recebido uma doação de campanha de um intermediário da Amar Brasil — mas disse não conhecer o doador e chamou de “fantasiosa” a versão da PF.

Ambos alegam “consciência tranquila”. Mas a tranquilidade parece não encontrar eco nas instituições. O ministro Dias Toffoli, do STF, centralizou as apurações, considerando a gravidade das menções e a necessidade de preservar a investigação de interferências políticas ou fragmentações judiciais.

Do lava-jatismo à crise previdenciária: um ciclo que não se fecha

A presença de Sergio Moro entre os citados na “Operação Sem Desconto” representa mais do que uma ironia do destino. Para muitos analistas, é o fechamento simbólico de um ciclo iniciado em 2014, quando ele se projetou nacionalmente à frente da operação “lava jato”. Uma cruzada anticorrupção que, aos poucos, perdeu o brilho do heroísmo e passou a carregar o peso de decisões controversas, acordos bilionários sob suspeita e, agora, acusações que tocam a ética de sua trajetória.

Em setembro de 2023, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já havia lançado luz sobre o “laboratório Curitiba”. Um relatório da corregedoria apontou conluio entre magistrados e procuradores, gestão irregular de recursos e tentativas de desviar bilhões para fins privados. Em abril de 2024, o diagnóstico foi claro: a força-tarefa da lava jato desviou sua finalidade pública. Agora, parte desses protagonistas está de volta às manchetes — desta vez, como alvo das investigações.

Epílogo de um Brasil cansado

Aos olhos de muitos brasileiros, a esperança de um país passado a limpo se dissolveu em relatórios, delações e decisões judiciais. As fronteiras entre justiça e projeto pessoal, entre combate à corrupção e abuso de poder, tornaram-se indistintas. E quem deveria proteger os vulneráveis — como os aposentados e pensionistas do INSS — pode ter, no mínimo, falhado em impedir que fossem explorados.

Há uma ferida institucional aberta. E ela exige mais do que culpados: requer verdade, responsabilização e um novo pacto de integridade. Porque não é apenas sobre Moro ou Onyx. É sobre os caminhos que o Brasil ainda precisa trilhar para que o poder sirva à população — e não a si mesmo.

Com informações da Agência Estado / UOL, Conjur e CNJ.

Sulpost – Reportagens que atravessam a superfície.

Os 80 anos de Raul Seixas e a Capital Nacional do Rock

Curitiba e Raul Seixas: uma cidade que canta alto quando o mundo silencia no aniversário do rockeiro mais famoso da nossa história

Por Ronald Stresser | Sulpost

 
 

Quando o mundo parece repetir suas guerras em looping, quando as notícias soam como reprises de tragédias já assistidas, o rock ressurge como um grito. Não de desespero, mas de resistência. E se há um solo fértil onde esse grito ecoa mais forte no Brasil, é Curitiba.

Sim, é oficial: a capital paranaense foi reconhecida, por lei municipal, como a “Cidade mais Rock and Roll do Brasil”. Mas para entender o que isso significa de verdade, é preciso ir além das guitarras distorcidas e dos palcos iluminados — é preciso voltar à essência do rock como linguagem de liberdade. E nesse caminho, inevitavelmente, se encontra Raul Seixas.

Porque se Raul ainda vivesse, ele provavelmente começaria dizendo que essa história não começou em 2025. Nem com as leis recém-aprovadas que colocaram o Dia do Rock no calendário curitibano (13 de julho) ou que batizaram a cidade com o título mais roqueiro do país. Essa história começou muito antes, cada vez que alguém ousou desafinar com o sistema, vestir preto numa manhã cinza ou cantar bem alto que não era escravo de ninguém.

Raul dizia que "sonho que se sonha só é só um sonho, mas sonho que se sonha junto é realidade". E Curitiba, com seus 80 bares dedicados ao rock, centenas de estúdios e estabelecimentos temáticos, transformou o sonho coletivo de ser referência no gênero em uma realidade registrada no Diário Oficial. Não por vaidade, mas por pertencimento. Porque o rock aqui nunca foi apenas música — foi maneira de pensar, agir e reagir. Em Curitiba o rock não é apenas um estilo musical, é estilo de vida.

A ideia de oficializar esse título partiu da própria população, por meio do Banco de Ideias Legislativas. Sabrina Matos e Marcelus dos Santos, vocalista da banda Motorocker, fizeram o que Raul faria: usaram as ferramentas disponíveis para transformar provocação em política cultural. O projeto ganhou apoio de vereadores e foi sancionado em dezembro de 2024 pelo ex-prefeito Rafael Greca. Desde então, Curitiba é, por direito municipal, a cidade mais rock and roll do Brasil.

Mas o que isso quer dizer para quem não veste jaqueta de couro ou não conhece os solos de guitarra de cor? Tudo.

Porque o rock é mais do que estética. É um estado de espírito. É sobre viver com coragem em tempos de medo. É sobre questionar quando todos obedecem. É sobre lembrar que "preferia ser essa metamorfose ambulante" num mundo que insiste em fórmulas fixas e respostas prontas. E nesse sentido, Raul Seixas continua mais atual do que nunca — e Curitiba, talvez sem querer, se torna a sua cidade-espelho.

A escolha do dia 13 de julho como Dia do Rock, também sancionada por lei municipal, não é por acaso. A data remete ao Live Aid, festival histórico que, em 1985, mostrou ao mundo que o rock podia salvar vidas, arrecadar fundos, unir nações e desafiar a indiferença. O mesmo espírito que faz com que cada show em Curitiba — de bandas locais aos gigantes como Metallica, AC/DC e Iron Maiden que em anos recentes da nossa história lotaram o Couto Pereira — não seja apenas entretenimento, mas parte de algo maior: um movimento.

O movimento de quem não se conforma. De quem, como Raul, cantava contra a ditadura e por um mundo mais justo, usando a música como instrumento de lucidez. Um movimento que pulsa no concreto das ruas curitibanas, ecoa nos amplificadores e vibra nos corações de quem ainda acredita que "o tempo é uma escola onde aprendemos a viver".

Curitiba não precisa de uma lei federal para ser capital do rock. Porque, na prática, ela já é. Ela vive o rock. E talvez por isso combine tanto com Raul Seixas — ambos são intensos, autênticos, inconformados. O rock faz uma ligação nacional que mostra laços do Paraná com a Bahia, onde Raul nasceu e com o Pará onde surgiu a primeira banda de Heavy Metal do país.

Rockeiros e metaleiros sabem que o rock não é uma moda passageira: é a resposta constante de uma tribo imensa quando o mundo se pergunta para onde foi a alma das coisas e a humanidade das pessoas.

E no meio do caos, da pressa, das guerras e dos algoritmos, Curitiba continua cantando. Com suas guitarras, seus bares, seus rebeldes pacíficos. Com suas leis que reconhecem que arte também é economia, que cultura também é futuro.

Canta porque, como Raul, ela também sabe: "não diga que a canção está perdida… tenha fé na vida, tenha fé no rock, e cante, outra vez". Cante alto porque, ao menos no Brasil, o rock não morreu e o sonho não acabou.

Paranaguá, principal porto exportador de proteína animal do Brasil

Paranaguá, onde o Brasil alimenta o mundo: porto se consolida como maior exportador de carnes do país e impulsiona o agronegócio brasileiro

Por Ronald Stresser | Sulpost 

 
De janeiro a maio mais de 1,2 milhão de toneladas de carne embarcaram em Paranaguá - Divulgação/TCP
 

No compasso das marés e ao som constante das máquinas e gruas da estiva e apitos de navios, Paranaguá segue escrevendo uma história de protagonismo no mapa logístico brasileiro. A cidade portuária, guardiã do maior terminal exportador de aves congeladas do planeta, não é apenas um ponto no litoral do Paraná — é a principal porta de saída das carnes brasileiras para o mundo.

Entre janeiro e maio de 2025, mais de 1,2 milhão de toneladas de proteínas animais cruzaram o Atlântico, saindo de Paranaguá rumo a mercados exigentes como China, Japão, Emirados Árabes e Arábia Saudita. O volume, 9,9% superior ao mesmo período do ano passado, reflete mais que um crescimento estatístico: revela um sistema em pleno funcionamento, onde produção, logística e gestão se alinham para alimentar o planeta.

A força que vem do campo

Para entender a potência desse corredor logístico, é preciso voltar os olhos ao interior do Paraná, onde o cheiro da ração, o som dos aviários e o ritmo das granjas desenham a rotina de milhares de trabalhadores. O Estado lidera a produção nacional de carne de frango, responsável por 34,6% do que o Brasil abateu no primeiro trimestre de 2025. A suinocultura também é forte: segunda maior do país, com 21,9% do total nacional. Na pecuária bovina, mesmo com participação menor, o Estado cresce: foram 354 mil cabeças abatidas até março, um salto de 3,6%.

Toda essa riqueza precisa de escoamento — e é aí que Paranaguá se impõe.

“Paranaguá é mais que um porto. É um elo entre o campo e o mundo”, define Luiz Fernando Garcia, diretor-presidente da Portos do Paraná. “Quando um contêiner cheio de carne embarca aqui, ele leva com ele o esforço de milhares de brasileiros, da produção à logística.”

A engenharia da eficiência

Os números são impressionantes: 44,1% de toda a carne de frango exportada pelo Brasil passou por Paranaguá nos cinco primeiros meses do ano. Isso representa mais que o dobro do volume movimentado pelo Porto de Santos, que responde por 20,9%.

Essa liderança não é obra do acaso. A ampliação da profundidade do canal de acesso ao porto, que agora permite navios maiores com mais carga, é um dos fatores-chave. Segundo Garcia, essa medida diminuiu os custos operacionais e atraiu ainda mais exportadores.

“Temos hoje um corredor de carnes consolidado, graças a investimentos estratégicos e à dedicação de uma comunidade portuária comprometida com a excelência”, acrescenta.

Mesmo diante de desafios, como as restrições impostas por alguns países após um caso isolado de gripe aviária no Rio Grande do Sul, o Porto mostrou resiliência. As exportações de frango congelado aumentaram 2,5%, atingindo 923 mil toneladas entre janeiro e maio. Já a carne bovina teve um salto expressivo: crescimento de 50,9%, passando de 183 mil para quase 277 mil toneladas.

Engrenagem humana

Por trás das cifras bilionárias, há uma engrenagem feita de gente. Caminhoneiros que cruzam o Estado com a carga refrigerada, operadores que coordenam o embarque com precisão milimétrica, técnicos que monitoram a temperatura das câmaras, exportadores atentos aos mercados globais. São mais de 557 empresas dedicadas ao abate e processamento de carnes no Paraná, todas contando com a confiabilidade de um porto que se moderniza sem perder sua alma.

“Somos a principal porta de saída para as carnes de frango, bovina e suína do Brasil. Isso comprova a eficiência dos portos do Paraná", afirma Gabriel Vieira, diretor de Operações Portuárias. “Temos estrutura para diversos tipos de carga. O que o Paraná e o Brasil produzirem, temos capacidade de exportar.”

Um futuro que começa no cais

Em tempos em que o mundo exige segurança sanitária, rastreabilidade e velocidade, Paranaguá se apresenta como símbolo da maturidade logística brasileira. Um porto que conecta granjas paranaenses ao arroz com frango servido em Tóquio, ao churrasco de costela nas mesas de Dubai, ao sanduíche de frango empanado nos centros urbanos da China.

É aqui, entre o verde da Serra do Mar e o azul do Oceano Atlântico, que o Brasil encontra sua voz no comércio mundial de proteínas. E enquanto os navios seguem partindo, carregados de alimento e esperança, Paranaguá segue firme, de olhos no mar e pés fincados no trabalho.

  • Com informações da Agência Estadual de Notícias do Paraná. Edição: Ronald Stresser

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Vacina contra herpes-zóster deve chegar ao SUS em breve

Quando a vacina contra herpes-zóster vai chegar ao SUS? A esperança de um alívio gratuito para milhões de brasileiros

Por Ronald Stresser | Sulpost

 
 

No Brasil, milhares de pessoas convivem em silêncio com uma dor que vai muito além da pele. É uma dor que arde, que queima, que se arrasta por semanas ou até meses. É a dor da herpes-zóster — ou, como muitos conhecem, o temido “cobreiro”. Em meio a um cenário de envelhecimento da população e alta incidência de doenças crônicas, a pergunta que ecoa entre especialistas, pacientes e familiares é urgente: quando a vacina contra a herpes-zóster vai, enfim, ser oferecida pelo SUS?

A resposta ainda exige tempo. Mas um importante passo foi dado.

Em maio passado, o Ministério da Saúde anunciou que solicitou estudos para avaliar a inclusão do imunizante no Plano Nacional de Imunização (PNI). A medida representa uma possível virada de chave: caso aprovada, a vacina será oferecida de forma gratuita pelo Sistema Único de Saúde. Hoje, o custo para se proteger gira em torno de R$ 2 mil na rede privada — valor inviável para a imensa maioria da população brasileira.

“É uma ferramenta que considero fundamental na prevenção, principalmente da morbidade e do sofrimento relacionado às complicações da doença”, afirma a médica infectologista Gabriela Camargo, em entrevista ao podcast Repórter SUS. “Se conseguirmos a vacina pelo SUS, será um avanço imenso na proteção da população. E gratuito. Seria incrível.”

A dor invisível

A herpes-zóster é provocada pelo vírus Varicela-Zóster, o mesmo responsável pela catapora. Depois da primeira infecção, normalmente na infância, o vírus permanece adormecido no organismo — mas pode acordar muitos anos depois, especialmente quando a imunidade está baixa.

O problema é que esse despertar pode ser brutal.

As bolhas na pele são apenas o começo. O que mais assusta são as complicações neurológicas, como a neuralgia pós-herpética, uma dor lancinante que pode durar meses ou até anos. Para idosos e imunossuprimidos, o risco de comprometimento ocular e infecções graves é real.

“Minha mãe teve aos 67. As feridas secaram em um mês, mas a dor, essa não passou até hoje”, relata Clarice dos Anjos, filha de dona Irene, moradora de Porto Alegre. “Ela vive à base de analgésicos e, mesmo assim, tem noites que não consegue dormir. É como se o vírus tivesse deixado uma cicatriz na alma dela.”

Por que ainda não chegou?

O anúncio do Ministério da Saúde acende a esperança, mas o caminho até o posto de saúde é longo e técnico. O processo começa com a análise da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), responsável por avaliar se a vacina é eficaz, segura e apresenta uma relação entre custo e efetividade justificável para adoção pelo sistema público.

Além das evidências científicas, a comissão considera o impacto econômico da medida: quanto custa comprar, armazenar, distribuir e aplicar o imunizante em larga escala? Há estrutura para isso em todos os estados? A logística alcança áreas remotas e populações vulneráveis?

A previsão atual é que todo esse trâmite — que inclui consulta pública e articulação com estados e municípios — leve cerca de um ano ou mais. Com isso, a vacina contra herpes-zóster deve estar disponível no SUS em 2026, se tudo ocorrer conforme o previsto.

O imunizante: o que ele promete?

A vacina que está sendo considerada para o SUS é do tipo recombinante com vírus inativado, mais segura e eficaz, principalmente para idosos. Estudos mostram que ela pode reduzir em mais de 90% os casos graves da doença, incluindo as temidas complicações.

O público-alvo prioritário deverá ser pessoas acima dos 60 anos e indivíduos com condições clínicas que comprometam a imunidade — como pacientes oncológicos, transplantados e pessoas vivendo com HIV.

Para Gabriela Camargo, a vacina é mais do que uma prevenção: é um instrumento de justiça social.

“É sobre garantir que um idoso do sertão nordestino tenha a mesma chance de proteção que alguém do centro de São Paulo. É isso que o SUS significa. E é para isso que lutamos.”

O silêncio dos números

Entre 2015 e 2024, o Brasil registrou mais de 300 mil casos relacionados ao vírus Varicela-Zóster, somando manifestações de catapora e herpes-zóster. É uma estatística que pouco se ouve, mas que carrega histórias de dor, isolamento e perda de qualidade de vida.

Muitos desses casos poderiam ter sido evitados com a vacina. Mas ela ainda é um privilégio de poucos — daqueles que podem pagar. Enquanto isso, a espera continua, e com ela a esperança de que, em breve, o alívio não seja mais uma questão de renda.

Com informações do Ministério da Saúde e da FIOCRUZ.

quinta-feira, 26 de junho de 2025

Setor eólico liga a chave de um futuro sustentável para o Brasil

Ventos de mudança: mesmo com prejuízos, energia eólica ganha força no Brasil e liga a chave de um futuro sustentável para o país

Por Ronald Stresser | Sulpost

 
Parque eólico no município de Caetité (BA) - Letras Ambientais

No sertão castigado pelo sol e banhado por ventos constantes, gigantes de aço desenham no horizonte uma nova esperança para o futuro energético do Brasil. Em meio aos desafios econômicos e à logística complexa do setor elétrico, a energia eólica tem se erguido com resiliência, como um símbolo da transição para um modelo mais limpo e sustentável — mesmo navegando, por ora, em mares de prejuízos e recuperações judiciais.

A trajetória do setor, que movimenta atualmente 40% de todas as fusões e aquisições no país em 2025 (um montante estimado em R$ 120 bilhões), é marcada por um paradoxo intrigante: cresce a passos largos, impulsionado por investimentos robustos e projeções otimistas, ao mesmo tempo em que lida com uma estrutura regulatória que ainda engatinha para acompanhar a velocidade dos dínamos e das turbinas.

Um país impulsionado pelos ventos

Hoje, o Brasil ocupa a 5ª posição no ranking mundial de capacidade instalada de energia eólica onshore, segundo o Global Wind Energy Council (GWEC). São milhares de turbinas espalhadas sobretudo pelo Nordeste, onde os ventos constantes e previsíveis garantem alta eficiência na geração. Mas, ao contrário do que muitos pensam, a expansão desse setor não significa lucros imediatos.

As usinas eólicas, por não contarem com armazenamento próprio, precisam seguir ordens do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que regula a produção de acordo com a demanda do país. Isso significa que, muitas vezes, mesmo podendo produzir energia, os parques são obrigados a parar suas turbinas, acumulando prejuízos com contratos não cumpridos e energia que não chega a ser vendida.

“É como produzir alimentos em larga escala e ser impedido de entregá-los porque o mercado só aceita pedidos limitados”, resume um engenheiro do setor que atua no Nordeste.

Ventos que movem bilhões

Ainda assim, os olhos das gigantes da energia permanecem fixos no Brasil — e com razão. A matriz elétrica brasileira é uma das mais limpas do planeta: mais de 80% da energia gerada vem de fontes renováveis, e a meta é chegar a 95% até 2030. Incentivos fiscais, leilões de transmissão e a urgência climática mundial aqueceram o mercado e acenderam o farol dos investimentos.

A Engie Brasil Energia, uma das maiores companhias privadas do setor, anunciou um plano ambicioso de R$ 11,6 bilhões em aportes entre 2025 e 2027. Só no primeiro trimestre de 2025, foram R$ 1,1 bilhão investidos. O foco? Ampliar sua presença nos parques eólicos, solares e em sistemas de transmissão, além de concluir a aquisição de ativos hidrelétricos.

No Ceará, o Conjunto Eólico Trairi, operado remotamente a partir da sede da empresa em Florianópolis, simboliza esse novo tempo. Lançado em 2014 e composto por 50 turbinas da Siemens com 80 metros de altura, o parque é um colosso que transforma o vento do litoral em eletricidade para milhares de brasileiros. E ele não está só: somado a outros parques da Engie no Nordeste e na Bahia, a capacidade de geração da empresa em energia eólica chega a 2,3 gigawatts (GW) — quase uma Itaipu feita de vento e sol.

Ao todo, a Engie tem 116 usinas no Brasil, com capacidade de geração própria de 13 GW, o que representa cerca de 6% de toda a capacidade instalada no país.

Déficit passageiro, futuro promissor

Apesar das perdas atuais causadas por restrições de despacho do ONS, o setor caminha com fôlego renovado. Projeções recentes, que indicavam uma recuperação significativa em 2026, foram revistas para 2027, mas sem abalar o otimismo. Com os bilhões prometidos para 2025 e o aumento constante de fusões e aquisições, as apostas voltam a crescer — e com elas, a confiança de que o país finalmente vai destravar o potencial de sua vocação renovável.

“Trabalhamos hoje com prejuízo, mas construindo um sistema mais limpo e resiliente para as próximas décadas. É um investimento no planeta, não só no lucro”, afirma um executivo da Engie em entrevista recente à EXAME.

Estrada para o futuro

A transição energética não é mais uma tendência, é um compromisso com o futuro do nosso planeta. O Brasil, com sua geografia privilegiada e sua matriz elétrica já majoritariamente renovável, tem tudo para liderar essa revolução — desde que haja regulação que acompanhe o ritmo da inovação, bem como incentivos fiscais e linhas de crédito especiais.

Se os ventos continuam soprando com força nos campos eólicos do Nordeste, eles também carregam um recado urgente: a energia do futuro está aqui, mas precisa de infraestrutura, visão de longo prazo e vontade política para deixar de ser promessa para o futuro e se tornar a potência de agora.

Em tempos de crise climática global e cobrança por responsabilidade ambiental, o Brasil tem nas mãos — e nos ventos — a chance de ser farol. Que o país saiba escutar o som dessas hélices girando. São cataventos que sussurram esperança para todos.

  • Com informações do Global Wind Energy Council (GWEC), EXAME, Engie Brasil Energia, Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Reportagem: Ronald Stresser | Sulpost

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Entre geadas e vinhos, assim é o inverno na região Sul

Um cálice por dia faz bem à saúde — e ainda melhor ao espírito, sobretudo quando o frio convida ao aconchego. Não é só em Curitiba, o vinho é parte inalienável da tradição sulista

Por Ronald Stresser, para o Sulpost

 
 

Curitiba e região se encontram no embalo dos dias cada vez mais frios. Se por aqui o inverno é famoso pelo charme dos agasalhos — casacos de lã, cachecóis e botas —, também ganha um aliado delicioso: o vinho. Não por acaso, a bebida vermelha ou branca se torna presença garantida na mesa, em encontros entre amigos, fins de semana preguiçosos e noites românticas.

A sensação do calor

O vinho provoca uma sensação térmica real, ainda que passageira. O álcool dilata os vasos sanguíneos próximos à pele, levando o sangue para a superfície do corpo. É isso que gera aquela ruborizada no rosto e a impressão de calor. Internamente, a temperatura pode até cair — mas não importa: o calor que o vinho oferece é mais simbólico do que científico. E talvez aí esteja seu maior charme.

Sul, a região que abraça o vinho

Na região sul do Brasil, especialmente no Paraná, os dias mais rigorosos impulsionam o consumo da bebida, muito tradicional, especialmente entre os mais velhos. Enquanto vinhos brancos barricados combinam bem com pratos cremosos, os tintos encorpados — como tannats e cabernets — são perfeitos para harmonizar com assados típicos, massas, polentas e fondues da estação.

Em Curitiba, esse movimento segue à risca: a união entre vinho e fondue, que é tradição em lares, bares e restaurantes que aproveitam o frio para criar experiências memoráveis. Outra combinação clássica é a carne de onça, acompanhada por um bom tinto da região, que também harmoniza muito bem com pinhão — que pode ser frito, enrolado numa fatia de bacon.

Roteiro local de taças e abraços

Curitibanos têm à mão mais do que a grande seleção de vinícolas típicas do Sul, como as da Serra Gaúcha. A produção local, nos chamados “Campos de Curitiba”, ganha espaço com vinhos de mesa refinados, feitos a partir de uvas como a Terci (ou Bordô), e sustentando pequenos roteiros turísticos por cidades como Colombo e São José dos Pinhais, e, é claro, em Santa Felicidade, o bairro italiano da capital paranaense.

É o vinho com sotaque regional, valorizando o terroir paranaense e reforçando o charme dos encontros no frio que, em algumas noites, transcende o zero grau.

Quentão, o vinho do inverno paranaense

Além das taças tradicionais, há o “quentão” feito com vinho, gengibre, casca de laranja, cravo e canela — outra forma de vivenciar aquecimento com sabor. Com o cozimento o álcool evapora, então há os que adicionam uma dose de cachaça à mistura, antes de servir. Com gemada, dizem, vira afrodisíaco.

No sul, a bebida quente e aromática vai além das quermesses e festas juninas. Ela habita lares, rodas de conversa e esquenta tanto mãos quanto memórias. Inverno é sinônimo de quentão, bebida que na época mais fria do ano pode ser encontrada em todas as feiras livres da capital paranaense.

Rótulos certos para a estação

Para quem deseja experimentar, os rótulos encorpados — tanto brasileiros quanto importados — fazem bonito na mesa de inverno: tannat da Campanha Gaúcha, sangioveses italianos, pinot noirs franceses e até brancos barricados são escolhas acertadas para harmonizar com queijos, carnes e chocolates.

O fondue, por exemplo, se transforma com um bom chardonnay ou sauvignon blanc, enquanto os tintos leves acompanham carnes e sobremesas com elegância, e, quando se fala em sobremesa, sempre é bom nos lembrarmos do Vinho do Porto, típico vinho de sobremesa.

Um brinde ao bem-estar

Se há estudos que comprovam que um cálice por dia pode ser benéfico à saúde, o efeito emocional do vinho no inverno é ainda mais evidente. A bebida convida à pausa, à conversa demorada, ao prazer de estar junto. Aquece, não só o corpo — mas a alma.

No inverno curitibano, no inverno de toda a Região Sul do Brasil, o vinho não é apenas uma bebida. É rito, afeto, calor e carinho em forma líquida. Um brinde à estação que nos pede mais presença, mais silêncio e mais taças compartilhadas. Salut!

Manhã de ação e esperança: Curitiba dá o troco no crime organizado

Operação conjunta prende 63 suspeitos e cumpre 172 mandados — comerciantes do centro da cidade comemoram "vitória do povo curitibano!"

A COPE cumpriu diversos mandatos na manhã dessa quarta-feira 25 de junho - Foto: PCPR

Na manhã desta quarta-feira, 25 de junho, a capital paranaense viveu um momento de alívio e esperança. Desde o silêncio que antecede o romper do dia, cerca de 400 policiais – entre a Polícia Civil, Polícia Militar e Polícia Penal do Paraná – envolveram-se em uma operação meticulosamente planejada no Centro de Curitiba. A meta? Desarticular um grupo que há meses impunha terror nas ruas, controlando o tráfico e intimidação na região da Praça Tiradentes, Travessa Nestor de Castro e Rua Trajano Reis.

O resultado foi impactante: 172 mandados judiciais cumpridos, sendo 92 mandados de prisão, 55 de busca e apreensão e 25 de bloqueio de ativos financeiros. Até o momento, 63 prisões realizadas, além de pelo menos um confronto fatal registrado no local.

Passo decisivo após acordo estratégico

O desfecho positivo da operação só foi possível graças à ação articulada entre Governo do Estado e Prefeitura. Na tarde anterior, o coronel Jefferson Silva, comandante-geral da PMPR, esteve reunido com o prefeito Eduardo Pimentel no Palácio 29 de Março. O encontro definiu uma estratégia combinada de policiamento ostensivo, articulação social e fortalecimento da segurança pública nas ruas centrais, em especial através dos serviços de inteligência da PM e da PCPR.

Uma das iniciativas mais emblemáticas dessa agenda conjunta é a chamada Operação Centro Seguro, estrutura que integra o programa “Curitiba de Volta ao Centro”. Combinando apoio da Guarda Municipal, ações urbanísticas, acolhimento social da FAS e reforço no policiamento, o objetivo é recuperar o coração da cidade .

Reprimido o crime e devolvendo a segurança

Com viaturas, helicópteros, cães farejadores, tecnologia de ponta e efetivo humanizado nas ruas, o momento foi de dominância policial – mas também de presença acolhedora. O apoio in loco da Superintendência de Trânsito garantiu que o transporte público e pedestres seguissem seu ritmo normal, minimizando o impacto urbano .

Para os moradores e trabalhadores da região, a operação trouxe sensação imediata de reorganização. “A gente sentia medo até de passar por aqui cedo. Agora, a gente já sente que é outro dia”, comentou um comerciante da região do Largo da Ordem — localizado próxima ao coração dos pontos de maior atuação dos investigadores.

A força da unidade institucional

A atuação coordenada atendeu à ordem do prefeito Pimentel: “A segurança começa com cuidado e oportunidades”. Segundo ele, ações sociais — como capacitação, limpeza, infraestrutura e oferta de moradia — caminham lado a lado com o policiamento preventivo .

Nesse contexto, o coronel Silva acrescenta que a presença de um batalhão exclusivo para a área central será um avanço definitivo, consolidando a segurança e assegurando uma resposta rápida ao cidadão.

Legado que transcende a repressão

Esta operação não é um evento isolado, mas sim o desfecho promissor de uma investigação que começou em agosto de 2024. Ela expôs uma rede complexa: lideranças, contabilidade, vendas em turnos, armazenamento em bueiros, e formas violentas de manutenção do controle territorial por parte da organização criminosa desarticulada hoje.

Aliado ao desmantelamento da facção veio também o bloqueio de recursos e o envio de suspeitos para o sistema prisional — tudo documentado com riqueza de detalhes, como planilhas e códigos internos usados pelos criminosos.

Próximas ações

A população curitibana, que passa pelo centro todos os dias, comemora aliviada: nas ruas, há mais patrulhas; nos prédios da gestão pública, uma coordenação multiprofissional; nas reuniões institucionais, o compromisso de continuar investindo em políticas sociais. É um novo capítulo — pensado e executado com olhar sensível às causas estruturais da violência. O objetivo da prefeitura, em trabalho conjunto com o Governo do Estado, parece claro: impedir que a organização criminosa desmantelada hoje volte a agir.

O crime, na região central de Curitiba foi golpeado com força pelo Estado – e a cidade, reforçada pela fé em Nossas Senhora da Luz dos Pinhais e em sua capacidade de reconstrução, caminha firme rumo a um futuro mais seguro, digno e justo para todos.

Para o cidadão comum, que transita pelo centro da cidade, esta manhã de 25 de junho foi um momento de respiro. Cada ordem judicial cumprida e cada espaço público reocupado pelo Estado representa não apenas uma vitória legal, mas uma conquista comunitária: a da restauração da lei e da ordem na Curitiba e no Paraná que age em sincronicidade com os anseios do seu povo.

Reportagem: Ronald Stresser, para o Sulpost.

Ilha da Trindade: farol de energia limpa

Luz no fim do oceano: a aliança entre Itaipu e Marinha que transforma a Ilha da Trindade em um farol de energia limpa

Por Ronald Stresser | Sulpost

 
Ilha da Trindade, no extremo leste da Amazônia Azul - Agência Marinha de Notícias
 

A Ilha da Trindade não aparece nos mapas turísticos. Ela não tem praias com quiosques nem voos diretos. Mas quem chega ali, após cinco dias de navegação em mar aberto, entende por que esse pedaço de terra vulcânica — a mais remota do Brasil — guarda um valor que vai além do visível. Trindade é um símbolo silencioso da presença brasileira no Atlântico Sul. E agora, graças a uma parceria entre a Itaipu Binacional, o Itaipu Parquetec e a Marinha do Brasil, ela começa a brilhar também como um marco de inovação energética e soberania ambiental.

Longe do continente, a 1.200 km da costa do Espírito Santo, Trindade parece resistir ao tempo — mas não aos desafios. Até pouco tempo atrás, toda a energia necessária para manter o Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT), a estação científica, os alojamentos e os equipamentos vinha de geradores a diesel que, ano após ano, consumiam mais de 60 mil litros de combustível fóssil. Para um lugar de pesquisa e preservação ambiental, esse paradoxo pesava mais do que os barris transportados em cada missão.

Mas agora, isso começa a mudar.

Virada energética em meio ao oceano

O projeto de transição energética, idealizado e implementado por Itaipu Binacional e Itaipu Parquetec em parceria com a Marinha do Brasil, busca exatamente o que parece impossível: garantir autonomia energética, limpa e segura a uma ilha sem porto, sem conexão com o Sistema Interligado Nacional e sem espaço para erros.

A solução? Um sistema híbrido que integra energia solar fotovoltaica, baterias de armazenamento e um sistema inteligente de gestão remota, operado diretamente de Foz do Iguaçu, no Paraná.

A montagem da usina fotovoltaica, com 480 painéis solares, exigiu uma logística desafiadora: todo o material — cerca de 50 toneladas — foi embarcado no NDM Almirante Saboia, navio da Marinha com 140 metros de comprimento, e depois transferido por helicópteros e botes, já que a ilha não possui estrutura portuária. Foram dias de operação minuciosa sob o calor equatorial e o mar revolto.

Tecnologia de ponta para ambientes extremos

Nos bastidores da inovação, está o trabalho de dois anos e meio de pesquisas, testes e desenvolvimento realizado nos laboratórios do Itaipu Parquetec, o braço tecnológico da hidrelétrica de Itaipu. O objetivo não era apenas gerar energia — era gerar confiança. O sistema implantado na Ilha da Trindade é capaz de monitorar em tempo real dados como temperatura, consumo por setor e o estado das baterias, reduzindo desperdícios e otimizando o uso dos recursos naturais disponíveis.

Segundo os engenheiros do projeto, o modelo é capaz de funcionar de maneira totalmente automatizada. Quando o sol brilha, a energia vai diretamente para a operação ou para as baterias. Em períodos de baixa insolação, os sistemas de armazenamento entram em ação, mantendo a estabilidade da rede local. E, se necessário, ainda existe um gerador a diesel de emergência — agora, usado apenas como último recurso.

A ciência e a soberania agradecem

Mais do que resolver um problema energético, o projeto representa um reforço à presença brasileira em uma região estratégica, rica em biodiversidade, com potencial mineral submerso e importância geopolítica crescente. A Cadeia Vitória-Trindade, que se estende até a ilha, é uma área de interesse científico e ambiental, e manter uma estrutura permanente ali é fundamental para assegurar a soberania nacional.

A estação científica da Marinha, junto ao POIT, realiza estudos sobre correntes oceânicas, mudanças climáticas, biodiversidade e até bioprospecção — a busca por substâncias marinhas com potencial para tratamento de doenças como câncer, malária e doença de Chagas. Cada watt de energia limpa gerado ali fortalece também essas descobertas.

Modelo para transformar realidades

A experiência adquirida em Trindade não termina no horizonte do arquipélago. O modelo energético implantado ali é replicável. Em um país com centenas de comunidades isoladas da Amazônia ao Sertão, fora do alcance do sistema elétrico nacional, a iniciativa abre um novo caminho: levar energia sustentável para onde ela nunca chegou.

Se funcionar — e tudo indica que sim —, o projeto será mais do que uma revolução insular. Será uma lição continental.

Quando o futuro amanhece primeiro

A Ilha da Trindade é o primeiro pedaço de Brasil a ver o sol nascer todos os dias. É também, agora, o primeiro a mostrar que, com vontade política, tecnologia nacional e respeito ao meio ambiente, é possível iluminar o amanhã com a força do presente.

Ao trocar o rugido dos geradores pelo silêncio das placas solares, Trindade nos lembra que o progresso não precisa ser barulhento — ele só precisa ser sustentável.

Trump 2.0 assusta os mercados com guerra contra a China

O segundo mandato de Trump e o susto nos mercados globais: tarifa, tensão e um erro de cálculo com a China

Por Ronald Stresser | Sulpost
 
 

Não foi uma surpresa para ninguém que o segundo mandato de Donald Trump traria turbulência ao cenário internacional. Mas o que muitos não previam era o grau de instabilidade que suas decisões econômicas – sobretudo no tocante à guerra tarifária contra a China – causariam no coração do capitalismo global: nos mercados financeiros e no mundo corporativo internacional.

Em Wall Street, o clima já não é apenas de cautela, mas de um espanto crescente. CEOs, investidores e analistas do mercado expressam, ainda que em sussurros, uma frustração quase silenciosa com o presidente que muitos viram como um defensor do “business first”. A promessa de proteger a indústria americana parece ter cruzado uma linha invisível e agora ameaça comprometer as engrenagens que mantêm o sistema financeiro global girando: as cadeias de suprimentos integradas e, sobretudo, a interdependência tecnológica com a China.

Tarifaço que mirou a China, mas acertou aliados

A decisão mais recente do Departamento de Comércio dos EUA, que revogou isenções para gigantes como a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company, Samsung Electronics e SK Hynix, foi um alerta. O envio de equipamentos de fabricação de chips norte-americanos para fábricas na China continental agora enfrenta novas barreiras, uma tentativa clara de dificultar a modernização da indústria chinesa de semicondutores.

Mas o que se desenha nos bastidores é um quadro de frustração crescente também entre aliados econômicos dos Estados Unidos. O impacto dessas decisões não recai apenas sobre Pequim, mas sobre as operações das próprias multinacionais que, nos últimos anos, ampliaram consideravelmente sua presença em território chinês. O motivo? A China se tornou insubstituível.

Segundo artigo publicado pelo Global Times, mídia estatal chinesa, “Washington subestimou a importância da China continental para as receitas e cadeias de suprimentos dessas empresas”, cometendo um erro de cálculo estratégico ao tentar frear, por meio de sanções unilaterais, uma engrenagem que já gira por inércia de mercado e avanço tecnológico.

Jogo perigoso com chips e terras raras

Na essência, os Estados Unidos tentam vincular o licenciamento de tecnologia para fabricação de chips aos controles de exportação de terras raras, matérias-primas das quais a China é uma das principais fornecedoras globais. O movimento, no entanto, parece estar criando mais atrito do que resultado.

As dificuldades logísticas causadas por essas medidas – como as limitações na atualização de equipamentos nas fábricas chinesas – aumentam os custos operacionais para empresas ocidentais. Uma punição que, na prática, mira o gigante asiático, mas compromete a própria eficácia das corporações ocidentais, que hoje dependem profundamente da produção chinesa para manter seus cronogramas e faturamentos.

A tentativa de Washington de empurrar as empresas para fora da China também ignora uma realidade dura: deslocar estruturas de produção complexas e maduras custa tempo, bilhões de dólares e, mais do que isso, representa riscos operacionais e geopolíticos ainda maiores.

Mercado reage com desconfiança

Enquanto isso, o mercado dá sinais de desacordo com a política de confrontação. A NVIDIA, uma das líderes mundiais em tecnologia gráfica, continua a lançar unidades de processamento específicas para o mercado chinês, driblando as sanções com criatividade e deixando claro que a realidade da cadeia produtiva não se curva facilmente a decretos presidenciais.

A mensagem é clara: o mercado reconhece que, em termos de escala, eficiência e alcance, o setor industrial chinês é simplesmente insubstituível. E tentar isolá-lo é mais uma aposta de alto risco do que uma estratégia de longo prazo.

“O endurecimento das políticas econômicas do Trump está assustando até os que apoiaram ele no passado”, comentou um gestor de fundos da Bolsa de São Paulo, que pediu para não ser identificado. “Não se governa um mundo globalizado com base em cálculos simplistas. Os CEOs sabem disso. Os investidores estão começando a perceber.”

A corda bamba entre protecionismo e pragmatismo

No centro desse redemoinho está uma contradição crescente: o presidente que prometeu prosperidade e crescimento começa a ser visto como o artífice de um cenário de incerteza e retração. Empresas antes entusiasmadas com uma agenda de desregulamentação e cortes de impostos agora se veem tentando sobreviver a um ambiente hostil, com fronteiras comerciais fechando e alianças sendo testadas.

O segundo mandato de Trump, ao que tudo indica, não será lembrado apenas pelas suas bravatas ou sua retórica inflamável. Está se desenhando como uma era em que os mercados perceberam, da forma mais dolorosa possível, que decisões políticas impensadas podem corroer até mesmo os alicerces mais sólidos do capitalismo moderno.

E nesse jogo de xadrez em que as peças são cadeias de suprimento, chips e interesses globais, o xeque-mate talvez não venha da Casa Branca, mas do próprio mercado, que segue se adaptando – com ou sem Washington.

terça-feira, 24 de junho de 2025

Bandeiras que não tremulam por nós

Servilismo, entreguismo e a ruptura do pacto nacional: Gleisi Hoffmann denuncia Bolsonaro por traição à soberania

Por Ronald Stresser | Sulpost

 
Netanyahu e Bolsonaro - Fernando Frazão/Agência Brasil
 

Em meio a um cenário internacional tenso, marcado por novos bombardeios dos Estados Unidos ao Irã, uma imagem voltou a circular nas redes sociais: o ex-presidente Jair Bolsonaro posando ao lado de Donald Trump e Benjamin Netanyahu. Não se trata de um gesto isolado, nem de um simples alinhamento político.

Para a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, esse é o retrato mais cruel do que ela chama de "entreguismo explícito" — uma abdicação consciente da soberania nacional em troca de prestígio internacional.

Sentada no gabinete em Brasília, Gleisi não mede palavras. "Bolsonaro desmonta qualquer narrativa de nacionalismo. Ele não só se alinha, como se curva a interesses estrangeiros. Isso não é erro, é estratégia."

E não é a primeira vez.

Três bandeiras e um país à deriva

Durante seu governo, Bolsonaro participou de atos públicos onde segurava um estandarte com três bandeiras: a do Brasil, a dos Estados Unidos e a de Israel. O símbolo, uma construção improvisada, encarnava a tentativa de criar uma identidade ultraconservadora e transnacional, mas que, para muitos, soava como um ultraje à Pátria.

"Foi uma violação à integridade simbólica da bandeira nacional", relembra o antropólogo David Nemer. "Nem mesmo os israelenses veem com bons olhos esse tipo de fetichização da bandeira. É um gesto que beira o fanatismo e ignora o que esses símbolos realmente representam."

Entidades judaicas, como o Instituto Brasil-Israel e o grupo Judeus pela Democracia, também se manifestaram, classificando o ato como um sequestro dos símbolos e uma tentativa de usar a bandeira israelense como escudo político. “Não há identificação legítima ali. É apenas marketing ideológico de quem está disposto a ceder tudo para agradar aliados externos”, afirmou o historiador Michel Gherman na época.

A quem serve Bolsonaro?

Nos últimos dias, Bolsonaro voltou a aparecer nas redes, publicando uma imagem onde dizia:

“Dê-me 50% da Câmara e 50% do Senado que eu mudo o destino do Brasil.”

A mensagem, segundo Gleisi, é mais do que uma bravata populista — é uma insinuação direta de que a solução para o país pode vir de fora, caso o sistema democrático não o favoreça. Para ela, isso não apenas fragiliza o Estado de Direito como representa uma ameaça aberta à soberania.

“Quanto mais avança o julgamento de seus crimes no Supremo, mais ele apela a uma intervenção estrangeira. É a admissão explícita de que Bolsonaro não confia nas instituições do país”, denunciou a ministra.

O contexto não poderia ser mais grave. Bolsonaro é investigado por tentativa de golpe de Estado e outros crimes que, somados, desenham um projeto autoritário. Um projeto que, para Gleisi, nunca foi disfarçado — apenas mal camuflado com discursos nacionalistas que caem por terra ao primeiro gesto de bajulação externa.

Diplomacia às avessas

Enquanto o Itamaraty condenava os ataques americanos ao Irã, Bolsonaro e seu filho Eduardo aplaudiam. Este último chegou a citar o lema latino “Si vis pacem, para bellum” — se queres a paz, prepara-te para a guerra —, frase que, usada nesse contexto, transforma o Brasil em cúmplice informal de bombardeios internacionais.

“É uma inversão total de valores. A diplomacia brasileira sempre foi pautada pela busca da paz, pela mediação, pelo respeito aos povos”, lembra uma fonte ligada à diplomacia internacional, que prefere não se identificar.

Bolsonaro, ao agir assim, não rompe apenas com a tradição da política externa brasileira — rompe com o próprio pacto da política: a defesa do Brasil acima de tudo.

Palavras vazias em uma bandeira rasgada

Para Gleisi Hoffmann, a questão é mais profunda do que a política partidária. “Soberania, democracia, justiça — para ele, tudo isso parece apenas palavras vazias. Elementos de um discurso que ele usa quando convém, mas abandona sem pudor quando não lhe serve.”

A crítica da ministra ecoa em um país que ainda tenta se recompor dos abalos institucionais e morais de um governo que, em nome de Deus, família e liberdade, se aliou a líderes estrangeiros e flertou com a ruptura democrática.

Mas talvez o símbolo mais claro de tudo isso tenha sido mesmo aquele estandarte tricolor — Brasil, EUA e Israel. Três bandeiras que, unidas num mesmo mastro, não tremulam por um povo. Tremulam por um projeto. E esse projeto, como lembra Gleisi, não é o Brasil.

 

Brasil verde: energia que move o futuro

Brasil aposta em energia limpa e se prepara para liderar exportações de energia renovável na América Latina

Por Ronald Stresser | Sulpost
 
 

Era uma manhã nublada na capital britânica, Londres, quando um passo silencioso, mas poderoso, foi dado a milhares de quilômetros do Brasil. Ali, numa mesa de negociações, o Banco do Brasil assinou um acordo que pode mudar para sempre o cenário da produção energética do país — e transformar pequenos empresários em protagonistas da revolução verde latino-americana.

Nos próximos três anos, até US$ 700 milhões estarão disponíveis para micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) brasileiras que desejem investir em energia limpa. A parceria com a Agência de Garantia de Investimentos Multilaterais (MIGA), ligada ao Banco Mundial, é mais do que um contrato internacional: é a fagulha de um Brasil que se recusa a ser apenas o celeiro do mundo — e começa a se ver como berço da energia que vai alimentar o planeta.

Um futuro que nasce no pequeno

Enquanto os grandes debates sobre o clima e a transição energética se desenrolam em fóruns globais, é no chão das pequenas propriedades rurais, nos telhados de armazéns comunitários e nas oficinas de interior que esse futuro vai se materializando. Com acesso a financiamento facilitado e taxas reduzidas, graças à garantia de até 95% contra inadimplência oferecida pela MIGA, as MPMEs agora podem sonhar alto — e verde.

O primeiro aporte já está a caminho: US$ 350 milhões serão imediatamente disponibilizados, com apoio de instituições como o HSBC Bank e o espanhol BBVA. A operação recebeu classificação de risco AAA, a mais segura possível, tornando o crédito em moeda estrangeira mais acessível e o investimento em equipamentos sustentáveis mais viável.

Entre os destinos do crédito estão projetos com biocombustíveis, energia solar, eólica, de biomassa e até hidrogênio verde — um combustível limpo que promete substituir os fósseis nas indústrias e transportes nos próximos anos.

A força de um Brasil renovável

O Brasil não está começando do zero. O país já é um dos maiores produtores de energia renovável do mundo, com destaque para sua matriz energética composta majoritariamente por hidrelétricas. Mas os ventos do nordeste e o sol escaldante do centro-oeste têm contribuído para um salto na produção eólica e solar, fazendo com que o país comece a exportar energia para vizinhos como Argentina e Uruguai — uma tendência que só tende a crescer.

Ao mesmo tempo, o Brasil vem abrindo novos caminhos. Leilões de linhas de transmissão têm ampliado a infraestrutura nacional, conectando regiões produtoras de energia limpa a centros urbanos e portos, preparando o país para exportações em larga escala. O potencial é tão grande que Europa e Ásia já figuram como mercados estratégicos para o hidrogênio verde brasileiro.

Segundo o Banco do Brasil, tudo isso integra o Plano de Transformação Ecológica, que não apenas promove a transição energética, mas também torna as empresas brasileiras mais competitivas no exterior. Um detalhe que faz toda a diferença, já que 99% dos empreendimentos brasileiros são de pequeno e médio porte.

Energia limpa com DNA brasileiro

O que está em jogo vai além da economia. Trata-se da chance de redesenhar a identidade energética brasileira, tornando-a exemplo de desenvolvimento sustentável para o mundo. O Brasil que, por séculos, exportou commodities sem valor agregado, agora se prepara para exportar tecnologia, inovação e energia limpa.

Os incentivos não param no financiamento. Créditos tributários, subsídios e isenções fiscais estão sendo utilizados para atrair investimentos em tecnologias de baixo carbono. Cada real injetado nesse setor não apenas aquece a economia, mas também refrigera o planeta.

A revolução começa no campo e nas cidades

Para a engenheira Letícia Ramos, que trabalha em uma cooperativa agrícola no interior do Paraná, a possibilidade de instalar um sistema de energia solar sem comprometer o caixa da empresa é transformadora:

“A gente sempre quis investir, mas os custos eram proibitivos. Agora, com essa linha de crédito, vamos poder gerar nossa própria energia e até vender o excedente. É uma virada de chave.”

Assim como Letícia, milhares de pequenos empresários e produtores rurais poderão transformar seus negócios em verdadeiros centros de geração limpa. Cada painel solar instalado, cada turbina eólica que gira, cada gota de biocombustível processada será parte de uma engrenagem muito maior: a que coloca o Brasil na liderança da transição energética da América Latina.

Exportando esperança

O mundo está faminto por energia limpa. E o Brasil, ao que tudo indica, está pronto para servir.

A aposta nos pequenos, respaldada por acordos internacionais sólidos e estratégias públicas bem definidas, pode fazer do país um símbolo global de desenvolvimento sustentável com inclusão econômica.

Em um tempo onde o planeta clama por soluções e os extremos climáticos já batem à porta, iniciativas como essa nos lembram que é possível caminhar rumo ao futuro sem deixar ninguém para trás — nem o pequeno produtor, nem o bioma brasileiro, nem as próximas gerações.

Porque a energia mais poderosa que o Brasil tem a oferecer ainda é a esperança.

  • Ronald Stresser é editor do Sulpost, jornalista independente focado em transição ecológica, recursos renováveis, direitos sociais, desenvolvimento sustentável, oferecendo soluções ao invés de apenas apresentar problemas.

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Dossiês do silêncio: a engrenagem que não morreu com a queda de Bolsonaro

Mesmo longe do poder, o “Gabinete do Ódio” seguiu operando nos bastidores. Relatório da PF revela nova tentativa de manipular a verdade — desta vez, mirando o governo Lula

Por Ronald Stresser | Editorial Sulpost

 
 

Há estruturas que não se desmontam com uma derrota nas urnas. Algumas resistem no subterrâneo do poder, nas salas escuras do Estado, nos corredores onde a democracia perde a voz. E foi ali, longe dos holofotes, que um dos esquemas mais sombrios da política recente brasileira continuou a operar — mesmo após o fim do governo Jair Bolsonaro.

Essa é a principal revelação do relatório final da Polícia Federal sobre a chamada Abin paralela, um braço clandestino de inteligência usado para fins políticos. Um sistema montado, financiado e coordenado para proteger aliados, destruir adversários e reescrever os fatos — com o verniz da autoridade institucional.

No centro da operação, um nome ressurge: Carlos Bolsonaro, vereador carioca e filho do ex-presidente, agora identificado pela PF como idealizador e operador da estrutura que uniu o “Gabinete do Ódio” à espionagem ilegal da Abin. Não como peça lateral, mas como mente central. O fio condutor de uma máquina feita para manipular a opinião pública, sabotar investigações e, sobretudo, manter o clã Bolsonaro acima da lei.

Espionagem, farsa e silêncio

Segundo a Polícia Federal, foi Carlos quem articulou a integração entre funcionários da Presidência e agentes da Agência Brasileira de Inteligência. Não por motivos de Estado — mas por motivos de interesse pessoal e político.

Mensagens reveladas pela investigação mostram que ele e o pai, Jair Bolsonaro, escolhiam alvos, determinavam missões e recebiam relatórios de inteligência forjada. Entre esses alvos, estavam ministros do STF, jornalistas, opositores políticos e até integrantes do próprio governo Lula. A engrenagem funcionava a partir de softwares espiões e grupos secretos de comunicação, em uma rede que misturava gabinete, milícia digital e sabotagem institucional.

O caso mais recentemente exposto pela PF é simbólico: a tentativa de fabricar um falso gabinete do ódio petista. A operação envolveu Richard Posner, ativista bolsonarista, e Daniel Lemos, assessor do deputado Pedro Júnior (PL-TO). Eles manipularam conversas de um grupo de WhatsApp de apoiadores de Lula — o “Caçadores de Fake News” — para tentar incriminar o então ministro da Secretaria de Comunicação, Paulo Pimenta.

O objetivo era simples e brutal: fingir que o atual governo usava as mesmas táticas sujas atribuídas ao bolsonarismo, invertendo o espelho da verdade para confundir a sociedade. “Mais uma prova cabal do gabinete do ódio”, escreveu Posner a um interlocutor. Mas a prova era forjada. O grupo era legítimo, e os prints haviam sido retirados de contexto, distorcidos, adulterados.

Modus operandi

Não foi um caso isolado. A Polícia Federal afirma que a estrutura que operou na pandemia, na campanha eleitoral de 2022 e na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, nunca foi desmobilizada. Apenas mudou de foco.

A espionagem que antes atacava adversários de campanha, passou a mirar integrantes do Judiciário, servidores públicos e até outros parlamentares. O relatório mostra que um homônimo do ministro Alexandre de Moraes teve o celular monitorado — uma tentativa, talvez, de infiltrar dados do próprio magistrado.

Foi essa estratégia de confusão e desinformação que sustentou, por tanto tempo, a retórica de ódio que assolou o país. Não por acaso, a PF classificou a estrutura como uma organização criminosa.

Carlos Bolsonaro agora é formalmente investigado. Segundo os delegados do caso, ele exercia “função de liderança” no grupo, com “influência hierárquica” e controle direto sobre os fluxos de informação. Ainda não foi indiciado, pois há conexão com inquéritos anteriores. Mas o cerco se fecha.

O Poderoso Chefão

Jair Bolsonaro também figura nos documentos. A PF o descreve como “principal destinatário” das informações produzidas pela Abin paralela. Segundo o relatório, o ex-presidente não apenas sabia do funcionamento da máquina, como a utilizava como recurso pessoal — inclusive para se antecipar a operações da Polícia Federal.

As provas sugerem que ele e Carlos operavam em conjunto. Um projeto de poder que desafiava as regras republicanas, buscando instalar uma nova lógica: onde Estado e família se confundem, onde política e paranoia andam lado a lado.

A resposta do clã tem sido o silêncio. Carlos se recusou a prestar depoimento. Jair se diz perseguido. E aliados repetem o discurso da vitimização — mesmo diante de evidências robustas.

O preço do esquecimento

A tentativa de criar um gabinete do ódio petista não foi apenas um gesto desesperado. Foi a repetição da tática mais eficaz da extrema-direita brasileira: inverter os fatos, confundir os culpados, fingir equilíbrio onde há assimetria.

Não se trata mais de proteger um projeto político. Trata-se de sustentar uma narrativa capaz de sobreviver à verdade, mesmo que, para isso, seja preciso destruir reputações, instituições e até o próprio país.

A pergunta que fica é: por quanto tempo o Brasil aceitará ser governado das sombras?

O silêncio que grita

Há um detalhe que os documentos oficiais não conseguem descrever com exatidão: o impacto simbólico dessa máquina de desinformação. O que ela gera na confiança social, na legitimidade do Estado, na esperança de que o voto e a Constituição ainda valham alguma coisa.

O gabinete do ódio pode ter perdido seus cargos, mas ainda opera. Não mais dentro do Palácio, mas do lado de fora, em ambientes onde a lei demora a chegar.

Como nas tragédias mal encerradas, o que não foi resolvido volta. E volta com mais força.

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