domingo, 16 de novembro de 2025

Marcha pelo Clima reúne 70 mil e leva força amazônica às ruas de Belém

Em um cortejo de tradições ancestrais, com pegada ambiental, povos originários, periféricos e internacionais exigem que a COP30 transforme promessas em proteção concreta aos guardiões da floresta

Por Ronald Stresser —  

 

Belém (PA), 14/11/2025 — Marcha Global pelo Clima, evento paralelo à COP30. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

 

Belém amanheceu fervendo — não só pelo sol de 35°C, mas pela urgência acumulada nas vozes que saíram do Mercado de São Brás e percorreram 4,5 km até a Aldeia Cabana. Foram, segundo organizadores, pelo menos 70 mil pessoas que transformaram as ruas em território de coragem e memória: máscaras de Chico Mendes, o rosto do cacique Raoni, uma cobra de 30 metros com a frase “Financiamento direto para quem cuida da floresta”, e a mistura ruidosa e decisiva de carimbó, brega e discursos políticos.

A marcha, convocada pela Cúpula dos Povos e pela COP das Baixadas, trouxe à superfície algo que os números das cúpulas raramente conseguem traduzir: a experiência viva de quem mora na Amazônia. Era uma demonstração de que proteção de biomas não é invenção técnica — é prática cotidiana de povos e comunidades que há gerações sustentam a vida no território.

“Proteger quem protege a floresta é condição para uma transição justa”, disse Darcy Frigo, do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, sintetizando a inquietação do dia. Ao microfone, representantes de movimentos de todos os continentes repetiam a⁰ mesma linha: não queremos medidas cosméticas. Queremos financiamento direto, demarcação de terras e o fim dos combustíveis fósseis.

Eduardo Giesen, da Global Campaign to Demand Climate Justice, foi claro: “Denunciamos falsas soluções como fundos que não chegam à ponta. Não queremos expansão do petróleo na Amazônia.” Essas palavras, proferidas sob o calor da tarde, carregavam o peso de comunidades que já sentem a conta do aquecimento.

A COP que encontrou as ruas

Ministerios do governo federal se aproximaram do ato: as ministras Marina Silva (Meio Ambiente) e Sonia Guajajara (Povos Indígenas) subiram no carro de som e reconheceram o caráter popular da conferência. Marina lembrou que esta COP, por ocorrer no Brasil, abre espaço para que periferias, águas, campos e florestas tenham lugar na mesa — mas ressaltou que isso precisa se traduzir em políticas que encerrem a dependência dos combustíveis fósseis.

O simbolismo foi palpável: a COP saiu dos salões e, por algumas horas, foi tomada por um povo que não aceita mais esperar por soluções distantes. Era, para muitos, uma cobrança pública — e um convite para que as negociações reconheçam a sabedoria dos territórios.

Cultura, resistência e relatos

O Arraial do Pavulagem trouxe 38 anos de rua e cultura à marcha. “A rua sente o clima antes de qualquer relatório”, disse Júnior Soares, coordenador do grupo, lembrando que manifestações culturais e ambientais são parte do mesmo tecido social.

Marciele Albuquerque, indígena Munduruku e cunhã-poranga do Boi Caprichoso, marchou para exigir demarcação de terras: “A COP30 tem que ouvir quem paga a conta da crise climática sem ser responsável por ela.” E o coro nas ruas era sempre o mesmo: ouvir as vozes locais é condição para qualquer política climática legítima.

A escultura-coletiva de Santarém — a cobra de 30 metros produzida por 16 artistas em 15 dias — foi um gesto plástico e político. Sua faixa exigia que o financiamento chegue diretamente às populações que cuidam da Amazônia; não mais roteiros de projetos intermediados por interesses que não vivem o território.

Vozes que carregam o mundo

Do MTST às comunidades quilombolas, a marcha costurou demandas sociais e ambientais: para Rud Rafael, coordenador nacional do MTST, não há moradia sem um olhar ambiental. Eventos climáticos extremos deslocam milhões e transformam déficit habitacional em emergência social.

O Movimento Negro levantou a memória: quilombos reprimem madeireiros e garimpeiros; protegem biomas. Marcelino Conti lembrou que são comunidades que, há séculos, defendem o território — responsabilidade que o Estado e as negociações internacionais devem reconhecer e financiar.

E vindos de fora, representantes como Kwami Kpondzo, de Togo, reafirmaram a dimensão internacional da resistência: “Estamos aqui contra o capitalismo e o colonialismo que exploram florestas.” A marcha mostrou que, embora a Amazônia seja geograficamente localizada, sua defesa é dever planetário.

Ao fim do percurso, muitos permaneceram na Aldeia Amazônica em rodas de conversa, atividades culturais e assembleias improvisadas. A mensagem que ficou no ar foi simples e contundente: a Amazônia quer ser ouvida, não mercantilizada. As decisões da COP30 terão validade real apenas se reconhecerem o papel político e econômico das pessoas que vivem no bioma — e lhe devolverem meios concretos de proteção.

A COP 30, realizada no Brasil, claramente está buscando ouvir e traduzir essas vozes. É delas que virá parte das respostas que, para além dos tratados, definirão se haverá futuro para as pessoas e as paisagens que representam a floresta.
  • Com informações da Agência Brasil.

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