Em meio a pressões políticas, críticas do governo e pedidos de diálogo dos estados, a Câmara decide adiar a votação do PL Antifacção — um projeto que pode redefinir os rumos da segurança pública no país
Por Ronald Stresser — 13 de novembro de 2025
| A ministra Gleisi Hoffmann (PT-PR), e o deputado Guilherme Derrite (PP-SP) - Reprodução |
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), decidiu adiar para a próxima terça-feira, 18, a votação do Projeto de Lei Antifacção (PL 5582/2025), batizado pelo relator como Marco Legal de Combate ao Crime Organizado.
O adiamento, segundo Motta, foi necessário para evitar que a pauta fosse conduzida de maneira “açodada”. “Ninguém tem interesse de correr com essa pauta. É uma matéria sensível, que exige cuidado e equilíbrio”, afirmou o parlamentar. A decisão atendeu a um pedido do relator, Guilherme Derrite (PP-SP), que afirmou precisar de tempo para “ajustes finais” e “correções redacionais”.
Em um Congresso dividido e sob a pressão das ruas, o tema expõe o dilema de um país que tenta endurecer as leis sem fragilizar as garantias democráticas. Entre o medo da violência e o risco do autoritarismo, o Brasil segue buscando um ponto de equilíbrio.
Um projeto em disputa
O projeto nasceu no governo federal com a promessa de reforçar o combate às facções criminosas, descapitalizar o crime organizado e proteger os agentes de segurança pública. A proposta inicial previa, inclusive, a criação do tipo penal de “facção criminosa”. Mas o texto original foi alterado várias vezes por Derrite, que apresentou três versões diferentes em apenas cinco dias.
O relator, secretário licenciado de Segurança Pública de São Paulo, recuou de pontos polêmicos — como a ideia de equiparar facções criminosas ao terrorismo e de submeter operações da Polícia Federal à autorização dos governadores. Ainda assim, o novo texto provocou reação imediata do governo.
Em nota oficial, o Ministério da Justiça e Segurança Pública alertou que o parecer de Derrite poderia instaurar “um verdadeiro caos jurídico” e gerar “retrocessos jurídicos e institucionais inaceitáveis”. Segundo a pasta, há risco de “tumulto normativo” que poderia beneficiar criminosos já investigados. O governo também criticou a tentativa de alterar a destinação de recursos da Polícia Federal para fundos estaduais, o que, na visão do Planalto, “debilitaria financeiramente as forças federais”.
A ministra Gleisi Hoffmann, da Secretaria de Relações Institucionais, foi enfática ao afirmar que o governo não pretende negociar quatro pontos: tipificação penal, apreensão de bens, descapitalização da PF e preservação da Lei das Organizações Criminosas.
A resposta de Derrite
Com tom diplomático, Guilherme Derrite buscou acalmar os ânimos. “O texto nunca foi uma linha de chegada, e sim um ponto de partida”, disse o relator. Ele agradeceu o apoio das bancadas e reafirmou que o projeto incorpora sugestões de diferentes correntes políticas. “O último parecer já está no sistema com vários ajustes que foram realizados”, completou.
Derrite, policial militar desde 2003, defendeu o endurecimento das penas e mudanças na condução das audiências de custódia — ato que garante que toda pessoa presa seja ouvida por um juiz em até 24 horas. “Recebi sugestões que devem virar emendas, para ajustar a questão das audiências de custódia”, afirmou.
Na prática, o texto prevê penas mais duras, que podem chegar a 40 anos e aumento de dois terços se o crime for cometido contra agentes de segurança pública. “Mais do que penas severas, queremos garantir que condenados cumpram 85% da pena em regime fechado. Este é o paradigma que muda a segurança pública no país”, declarou Derrite.
Governadores pedem tempo — e diálogo
Antes da decisão de adiamento, quatro governadores de oposição ao governo federal — Cláudio Castro (RJ), Jorginho Mello (SC), Ronaldo Caiado (GO) e a vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão — reuniram-se com Hugo Motta para pedir mais tempo. O grupo solicitou 30 dias adicionais de debate antes da votação.
“Não discutimos mérito, mas a necessidade de mais tempo para ouvir governadores, secretários e especialistas em segurança pública”, afirmou Castro. Celina Leão destacou que a discussão precisa considerar temas como a segurança das mulheres, e Mello defendeu o envolvimento de representantes dos três Poderes no debate.
Já Caiado foi direto: “O programa social mais importante do Brasil é o combate duro e forte às organizações criminosas.” O grupo sugeriu que a votação ocorra entre 10 e 15 de dezembro, para não se misturar às pautas orçamentárias e evitar contaminação política em ano pré-eleitoral.
Entre o clamor e a cautela
O adiamento do PL Antifacção é mais do que um gesto político — é um sinal de maturidade institucional. O país enfrenta, novamente, o velho desafio de conciliar firmeza com responsabilidade, força com justiça, segurança com liberdade.
Enquanto parte da sociedade exige respostas rápidas diante do avanço das facções, outras vozes alertam para o perigo de abrir brechas que enfraqueçam as garantias constitucionais e ampliem o encarceramento em massa.
Ao adiar a votação, Hugo Motta lançou uma pausa necessária — um convite à reflexão sobre que tipo de Brasil queremos construir. Um Brasil que endurece as leis, mas preserva o Estado de Direito? Ou um país que, na pressa de combater o crime, corre o risco de corroer suas próprias bases democráticas?
Na próxima terça-feira, quando o tema voltar ao plenário, o debate não será apenas sobre o texto de uma lei, mas sobre o futuro da segurança pública e da própria democracia brasileira.
- Com informações da Agência Brasil, Câmara dos Deputados, Ministério da Justiça e Segurança Pública, declarações públicas de parlamentares e governadores.
E-mail: sulpost@outlook.com.br
Jornalista responsável: Ronald Stresser

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