- Digital por natureza: um vídeo viraliza, uma hashtag bomba e, em horas, surgem pontos de encontro, mobilizações instantâneas.
- Sem cabeça única: lideranças fixas não são a regra — são redes, coletivos, nós efêmeros que se renovam.
- Estética pop e simbolismos: bandeiras de mangá, memes e música transformam causas complexas em sinais reconhecíveis e partilháveis.
- Reivindicação material: não é apenas identidade ou cultura: é exigir moradia, salário, segurança e possibilidades reais de futuro.
- Precariedade econômica: trabalho informal, gig economy, salários estagnados.
- Déficit de moradia: despejos, custos de aluguel incompatíveis com renda média.
- Desconfiança nas instituições: corrupção e impunidade corroem a legitimidade do Estado.
- Digitalização da indignação: episódios locais se tornam nacionais em horas, reduzindo o espaço de mediação.
- Repressão que radicaliza: respostas coercitivas tendem a ampliar a adesão e a imagem de “guerra” entre jovens e Estado.
| Geração Z protesta na Cidade do México (Cristian Leyva/NurPhoto/Getty Images) |
Quando a praça se encheu em Madri, em maio de 2011, nasceu algo que não cabia mais em velhas categorias políticas: o 15-M, o movimento dos Indignados, ensinou ao ativismo contemporâneo que uma praça ocupada fala mais alto que discursos em parlamentos vazios. Meses depois, em Nova York, o acampamento em Zuccotti Park — o Occupy Wall Street — fez do slogan “We are the 99%” um grito que atravessou continentes.
Esses episódios não foram finais; foram sementes. No mesmo ano e mesmo mês, em pouco tempo, já tínhamos o Acampa Sampa e Ocupa Rio aqui no Brasil e o movimento se se espalhou pelo mundo, com os "ocupas" dialogando pela internet e postando conteúdo diariamente
Hoje, é a Geração Z — jovens nascidos entre meados dos anos 1990 e início dos anos 2010 — quem colhe esse repertório. Em Guadalajara, como em Jacarta meses atrás, a rua reaparece como lugar de contestação e o grito se repete: ocupar as ruas, ocupar as praças, ocupar o mundo. Não por nostalgia: por necessidade. São pessoas que exigem o básico — um teto, trabalho digno, um pedaço de terra para cultivar, acesso à educação e saúde — e que não aceitam mais um futuro hipotecado pela desigualdade e pela impunidade.
Herança de 2011: o mapa tático que a juventude aprendeu
O que o 15-M e o Occupy deixaram de legado foi prático e simbólico. Prático: táticas de ocupação, assembleias horizontais, rotinas de autogestão e a capacidade de transformar um ato local em evento global por meio de redes sociais. Simbólico: a ideia de que a rua — ocupada, criativa, deliberativa — é um palco legítimo de política. Para a Geração Z, crescendo com esses mapas e estratégias à mão, o passo para ocupar avenidas, parques ou praças ficou pequeno.
“A rua não é saída, é universidade”, dizem os jovens. A lição é dupla: o protesto educa e o espaço público volta a ser instrumento de cidadania.
Como a Geração Z se organiza — e por que é diferente
Da Indonésia a Guadalajara: o padrão que se repete
Em Jacarta, protestos estudantis reagiram a privilégios parlamentares e a mensagens de elites desconectadas; a polícia respondeu com gás lacrimogéneo, e a cena — jovens nas ruas, ícones pop nas mãos — ecoou mundo afora. Em Guadalajara, a fagulha foi a violência e a sensação de impunidade; o repertório foi o mesmo: convocação digital, ruas ocupadas, símbolos culturais que tornam a ação legível para milhares.
O padrão é simples e perigoso: quando uma parcela significativa de jovens percebe que não há garantias mínimas para viver com dignidade, a combinação de redes rápidas + repertório de ocupação cria, num curto espaço de tempo, uma mobilização massiva e difícil de institucionalizar.
Os problemas que alimentam a raiva
O que pode ser feito — medidas imediatas e reformas estruturais
Há caminhos que aliviam o choque e outros que atacam a raiz do problema. No curto prazo, transferências emergenciais, moratórias contra despejos e programas públicos de emprego podem tirar o pavio da rua. No médio prazo, é preciso ampliar proteção social, regularizar trabalho em plataformas, construir moradias públicas acessíveis e criar canais institucionais de escuta juvenil.
Renda Básica Universal: o instrumento que pode dar um mínimo de paz
A Renda Básica Universal (RBU) propõe um pagamento periódico, individual e incondicional — um piso material que não exige prova de renda ou obrigação de trabalho. Não é panaceia, mas é uma ferramenta direta: garante teto e comida, reduz ansiedade existencial e cria margem para escolhas (estudo, qualificação, empreender).
Pilotos mundo afora — de experimentos na Finlândia a programas de transferência em países da África e testes por organizações como GiveDirectly — mostram efeitos reais sobre bem-estar, saúde mental e até sobre a capacidade de investir em pequenos negócios. A lição prática é clara: quando a incerteza sobre o amanhã diminui, baixam também os gatilhos imediatos de revolta.
Para ser politicamente viável, a RBU pode começar como projeto dirigido (por exemplo, para jovens de 18 a 30 anos) e escalar conforme resultados. Assim, reduzimos o choque social sem pedir milagres fiscais instantâneos: testamos, ajustamos e ampliamos.
Uma hipótese de trabalho para evitar a próxima grande ruptura
Combine pilotos de RBU com medidas antidespejo imediatas, programas locais de emprego e mesas permanentes de diálogo com representantes juvenis. Invista em comunicação que explique os limites e as possibilidades da medida. E use os dados desses pilotos para financiar a expansão por meio de reforma tributária progressiva e remoção de subsídios regressivos.
Amplificação
O que vimos em 2011, no Ocupa Rio, foi a prova de que a ocupação e a ação direta eram repertórios políticos eficazes, e de que a mobilização pela internet funciona muito bem. O que vemos agora é uma geração que possui coragem e impetuosidade, mas que também carrega uma ferida material: a falta de um teto, de um trabalho digno, de certezas mínimas sobre o futuro. Governos e empresários têm discutido a criação de uma renda básica universal como saída imediata e totalmente possível. A RBU inclusive já existe em alguns países do norte da Europa, como Luxemburgo.
Esta não é uma defesa abstrata de renda; é uma defesa prática da possibilidade de futuro. Há 100 anos máquinas já vem ocupando ocupando o espaço do trabalhador braçal, agora a Inteligência Artificial (IA) vai rapidamente ocupando o espaço do trabalhador intelectual. A sugestão é distribuir uma renda básica, gerada por essa economia automatizada, um mercado trilhonário que pode muito bem gerar caixa para o pagamento dessa renda. Não adianta querer inventar, vai chegar uma hora que não haverá mais postos de trabalho para todos. E enquanto legisladores discutem modelos e números, nas praças continuam a entoar palavra de ordem em coro e a ocupar. Assim um amplifica a voz do outro e todos juntos amplificam a voz do movimento.

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