Os BRICS, a energia nuclear e o Brasil no centro da disputa por soberania energética e climática
Por Ronald Stresser | SulpostÀs vésperas da Cúpula do BRICS, que começa neste domingo (6) no Rio de Janeiro, o tema da energia nuclear surge com força incomum entre as prioridades diplomáticas. No centro do tabuleiro, o Brasil. Com seus vastos recursos naturais, um programa nuclear histórico — mas ainda carente de autonomia tecnológica — e pressões internacionais que remontam à era Bush, o país se vê, mais uma vez, diante da encruzilhada entre soberania, desenvolvimento sustentável e segurança global.
Nesta cúpula, mais do que acordos comerciais ou poses para a foto oficial, os líderes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul vão debater algo que fala diretamente ao futuro energético do planeta — e, principalmente, ao presente de suas populações jovens, que encaram a energia nuclear como um dos poucos caminhos viáveis para garantir descarbonização, segurança energética e independência diante dos interesses das grandes potências.
Mas se no mundo dos átomos as promessas são grandes, os desafios também o são. E o Brasil, apesar de seu compromisso histórico com o uso pacífico da tecnologia nuclear, ainda luta para consolidar um programa robusto, soberano e livre das amarras impostas por décadas de desconfiança internacional.
Uma história de renúncias e compromissos
“O Brasil fez escolhas muito claras”, afirmou o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), ao justificar a audiência pública que será realizada pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN) da Câmara dos Deputados. “Desativamos nosso incipiente programa nuclear militar nos anos 80, colocamos na Constituição a proibição de atividades nucleares com fins não pacíficos, transferimos o programa espacial para uma agência civil e firmamos tratados internacionais de desarmamento. Fizemos a lição de casa”, destacou.
Apesar disso, o país ainda enfrenta resistência. Durante o governo George W. Bush, por exemplo, o Brasil sofreu forte pressão para abrir totalmente as instalações de centrífugas de Resende (RJ), responsáveis pelo enriquecimento de urânio. “Mas nossa soberania prevaleceu”, ressaltou Chinaglia.
A audiência da CREDN — ainda sem data confirmada — pretende ouvir figuras centrais do programa nuclear brasileiro, como o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), o comandante da Marinha, Almirante Marcos Sampaio Olsen, e representantes dos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação; Minas e Energia; e Relações Exteriores. Em debate, estará não apenas o futuro energético do país, mas também sua posição no xadrez geopolítico global.
A promessa e as fragilidades do nosso programa
Apesar de décadas de investimentos e know-how acumulado, o Brasil ainda importa boa parte do urânio enriquecido que utiliza. E mesmo com capacidade de enriquecimento, o país depende de assistência estrangeira — como de países europeus ou do Canadá — para converter o urânio em hexafluoreto, uma etapa essencial para a fabricação de combustível nuclear.
“É um paradoxo: temos reservas minerais, temos tecnologia, mas não temos plena autonomia. E isso, num contexto de transição energética e reconfiguração geopolítica, é um risco que não podemos mais aceitar”, pontuou Chinaglia.
Essa fragilidade, porém, não significa ausência de potencial. Muito pelo contrário. O Brasil é um dos poucos países do mundo com domínio parcial do ciclo do combustível nuclear, uma matriz que pode contribuir decisivamente para reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o uso pacífico da energia nuclear está sendo cada vez mais incentivado como alternativa às fontes fósseis — e como ferramenta diplomática para reduzir o risco de conflitos armados.
BRICS e juventude: o novo rosto da energia nuclear
Não é por acaso que a energia nuclear chegou ao topo da agenda do BRICS. Nos países que compõem o bloco, uma nova geração tem se mostrado cada vez mais engajada com as questões climáticas e energéticas. Jovens ativistas, cientistas e estudantes têm pressionado governos a investir em tecnologias que garantam tanto o desenvolvimento quanto a preservação ambiental — e a nuclear surge, entre eles, como uma aposta pragmática.
De acordo com relatórios internos do BRICS, há uma percepção crescente de que o bloco precisa atuar conjuntamente para desenvolver tecnologias nucleares de uso civil, compartilhar experiências e reduzir a dependência tecnológica do Ocidente. A proposta é ambiciosa, mas toca diretamente no cerne da autonomia energética: nenhum país é verdadeiramente soberano se depende de terceiros para manter as luzes acesas.
O Brasil no espelho do mundo
Em um cenário global de tensões crescentes e transição energética urgente, o Brasil tem uma chance rara de se reposicionar. A cúpula do BRICS, neste domingo, será mais do que um encontro de chefes de Estado — será um teste para medir até onde estamos dispostos a defender nossa soberania energética, e até onde vamos permitir que interesses externos limitem nosso potencial.
Mais do que nunca, é hora de olhar para o nosso passado nuclear não como ameaça, mas como experiência. De investir em ciência, de confiar em nossos técnicos, de proteger nossas riquezas e de ocupar o lugar que nos cabe entre as nações que querem moldar, e não apenas seguir, o futuro.
O átomo, afinal, pode ser a chave não apenas para gerar energia — mas para iluminar o caminho de um país que ainda insiste em ser grande.


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