O silêncio dentro do olho: a USAF atravessa o furacão Melissa enquanto a Jamaica se prepara para o pior
Por Ronald Stresser • 28 de outubro de 2025
![]() |
| Olho do furacão Melissa - USAF/Reprodução |
A noite chegou cedo sobre a costa sul da Jamaica: nuvens grossas, vontade de rezar, malas empilhadas ao lado de berços, portas trancadas e, em alguns pontos, a voz mecânica de alto-falantes pedindo — mais uma vez — que quem pudesse saísse das áreas baixas imediatamente. Lá em cima, a força da ciência fez outra escolha: entrar. Uma aeronave da Força Aérea dos Estados Unidos — a famosa tripulação dos “Hurricane Hunters” — cruzou a parede de nuvens e pousou os olhos dentro do olho de Melissa, gravando imagens que condensam numa única cena a beleza e a selvageria do furacão.
Vídeo da missão (fonte: postagem original do usuário):
From a crewmember on yesterday's Teal 74 mission into now-Category 5 Hurricane #Melissa. As clear of an eye as you will see in the Atlantic basin. pic.twitter.com/5tktvvrIR1
— Jeremy DeHart (@JeremyDeHartWX) October 27, 2025
Movimento lento, ameaça longa
Melissa avança muito devagar — cerca de 4 km/h — e essa lentidão é uma sentença extra: quando um furacão se move assim, a chuva se prolonga, os rios sobem e os deslizamentos ganham tempo para acontecer. Essa característica transforma o evento de um impacto cortante em uma maratona de perigo para comunidades inteiras.
O registro em primeira pessoa da tempestade
As imagens registradas do interior do olho são quase parodoxais: num mesmo quadro, a tripulação mostra o céu surpreendentemente claro no centro, e, além dele, uma muralha de nuvens — a “eyewall” — composta por torres de tempestade que sobem como catedrais de vapor e vento. É o chamado “efeito estádio”: uma calmaria absorta cercada por uma violência concentrada. Esses filmes não existem para alimentar sensacionalismo; existem para informar previsões e salvar vidas.
O custo humano antes do impacto
Já nas preparações para a chegada de Melissa as autoridades jamaicanas confirmaram três mortes no país — vítimas ocorridas enquanto pessoas tentavam proteger casas e cortar árvores — e várias dezenas de feridos são relatados nas primeiras horas. Esses números lembram que, mesmo antes do vento principal, o risco mora nas ações feitas em desespero e na infraestrutura frágil.
Trajetória e alertas
O prognóstico divulgado pelos centros meteorológicos indica que Melissa deve atravessar a Jamaica e seguir em direção a Cuba, com passagem estimada para a manhã de quarta-feira, antes de seguir para as Bahamas e as Ilhas Turcas e Caicos. Autoridades regionais mantêm alertas de emergência e recomendam evacuações nas zonas costeiras mais vulneráveis. Em alguns trechos, as estimativas apontam para acumulados de chuva que podem superar um metro e ondas de tempestade que chegarão a vários metros — cenários que colocam hospitais, estradas e abrigos em risco.
Por que o voo dentro do olho é necessário
A missão da USAF tem um objetivo simples e urgente: coletar dados no campo — pressão, vento, estrutura vertical das nuvens — e transmitir informações em tempo real aos centros meteorológicos para refinamento de previsões e avisos. Em situações como esta, cada leitura dentro da tempestade pode alterar a rota prevista de alguém que ainda precisa sair de uma casa vulnerável. A ciência voadora reduz incertezas e ajuda a proteger rotas de fuga e operações de resgate.
A cena nas ruas: perda, resistência e espera
Em Kingston e em vilarejos costeiros, as histórias são pequenas e grandes: um vizinho que oferece abrigo, uma avó que guarda fotos dentro de uma sacola plástica, um centro comunitário que vira abrigo improvisado, e o som contínuo de geradores. A lentidão da tempestade amplia a espera, e a espera é um tipo de violência emocional — um desgaste que consome combustível, água e paciência. Ainda assim, é a resistência cotidiana — quem ajuda o outro a subir um móvel pesado, quem divide um cobertor — que será medida quando o vento baixar.
O que as imagens nos dizem sobre o futuro
As imagens dos “hurricane hunters” e o registro do que se passa dentro do olho não servem apenas para chocar; servem como testemunho de uma nova normalidade climática. Cientistas notam padrões que associam intensificação rápida de furacões a oceanos mais quentes e a movimentos lentos das tempestades — combinação que pode aumentar frequência e severidade de eventos assim no futuro. Ou seja: estamos vendo ciência e jornalismo a trabalho, mas também um aviso sobre o território que estamos deixando para quem virá depois.


Nenhum comentário:
Postar um comentário