Enquanto o Supremo tenta preencher o vazio deixado pelo Legislativo, Eduardo Bolsonaro age como porta-voz das gigantes da tecnologia — e ironiza-se: já cortaram o ponto dele no Brasil?
Por Ronald Stresser, editorial, para o Sulpost*Em meio ao barulho das redes sociais e aos ecos de um Congresso paralisado diante da urgência digital, um novo capítulo da democracia brasileira está sendo escrito — e desta vez, o palco é o Supremo Tribunal Federal (STF). O que está em jogo é a regulamentação das plataformas digitais, mas o enredo envolve muito mais do que algoritmos: fala-se de responsabilidade, de limites da liberdade de expressão e da tênue fronteira entre crítica institucional e o ataque direto à democracia.
O STF, que vem sendo acusado por seus detratores de “legislar” fora de sua alçada, entrou em campo diante de um impasse que já dura anos. O Congresso, a quem cabe constitucionalmente criar leis, até agora não foi capaz de oferecer uma resposta concreta sobre como regular as redes sociais. A Suprema Corte, então, decidiu agir — não por ambição, mas por necessidade e dever institucional. E é justamente nesse vácuo que a engrenagem republicana mostra sua razão de ser: quando um poder cria algum vazio, deixando a desejar, os outros doi não podem cruzar os braços e deixar de agir.
STF: entre o dever de julgar e a inação do Parlamento
Nos bastidores do STF, há um entendimento claro de que o Judiciário não está invadindo a seara legislativa, mas tampando um buraco que coloca em risco a integridade da democracia. O próprio presidente da Corte, ministro Roberto Barroso, já afirmou publicamente que as plataformas têm, sim, o dever de remover conteúdos ilegais mesmo sem ordem judicial, a fim de impedir a disseminação de ódio, mentiras e ataques à honra.
“A Constituição prevê um sistema de freios e contrapesos. O Judiciário não pode ser refém da omissão legislativa, especialmente diante de um tema tão sensível como a desinformação nas redes. Se o Congresso não regula, o STF precisa arbitrar o que é constitucionalmente aceitável”, explicou uma jurista que prefere manter o anonimato.
O ministro Dias Toffoli, relator de um dos casos centrais sobre o tema, defende que as empresas devem ser responsabilizadas a partir do momento em que forem notificadas a remover um conteúdo — e não apenas após uma ordem judicial, como querem as big techs. A tese, se consolidada, poderá mudar o jogo da responsabilização no ambiente digital e colocar o Brasil na vanguarda da regulação global, que de maneira alguma, fere a liberdade de expressão.
Eduardo Bolsonaro: seria mais uma “fereamenta” das gigantes da tecnologia?
Mas nem todos enxergam a atuação do STF como legítima. Do outro lado da trincheira, há uma ofensiva orquestrada contra os ministros — e à frente dela está o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Para integrantes da Corte, Eduardo virou uma espécie de “porta-voz informal” das gigantes da tecnologia no Brasil, agindo como instrumento das big techs em sua cruzada contra qualquer tentativa de regulação.
Em suas redes sociais, o deputado tem atacado ministros, defendido a livre atuação das plataformas e se insurgido contra a Procuradoria-Geral da República, que pediu sua investigação pporsiposta coação no julgamento do inquérito sobre a tentativa de golpe de Estado. Eduardo afirma ser vítima de um "Estado de exceção" e acusa a PGR de agir politicamente — enquanto compartilha vídeos e discursos inflamados que endossam a narrativa das empresas contra o STF.
Nos bastidores, há ironia e preocupação em igual medida. “Talvez ele esteja morando nos Estados Unidos”, comentou um correligionario dele ao Sulpost, referindo-se ao tempo que o parlamentar passa fora do país. “Afinal, lá o lobby é regulamentado. Aqui, ainda é crime.” A pergunta que não quer calar é: já cortaram o ponto dele? Porque se ele já se declara quase um cidadão americano, talvez não precise continuar recebendo salário do Congresso Nacional, não é mesmo?
Silêncio no Congresso, ruído nas redes
Enquanto isso, a Câmara do Deputados permanece dividida, lenta e acuada pela polarização. A Suprema Corte, que já adiou por diversas vezes o julgamento da matéria, para dar espaço ao Parlamento, cansou de esperar. A tentativa de regular as redes não é nova. Vem sendo debatida há mais de uma década, sem que deputados e senadores tenham conseguido avançar com um marco legal robusto. A escalada da desinformação, a radicalização política e os ataques coordenados à democracia só aceleraram a urgência.
Para o ministro do STF, Alexandre de Moraes, não há mais tempo a perder. “Isso é um perigo que venho alertando: por enquanto, nós conseguimos manter a nossa soberania. Isso é questão de soberania nacional. É a nossa jurisdição. Porque as big techs necessitam das nossas antenas, do nosso sistema de telecomunicações”, declarou, na aula inaugural do curso de MBA em Defesa da Democracia e Comunicação Digital da FGV do DF.
Democracia em modo de espera
O tema pode ser retearado numa imagem simbólica: uma democracia tentando se adaptar ao século XXI, enquanto parte de seus representantes insiste em agir como se o tempo não tivesse passado. O STF, criticado por estar “legislando”, age diante da omissão ou da falha dos demais poderes. O Legislativo, aparentemente acuado, assiste. E nas redes, o jogo segue sendo jogado — por algoritmos, interesses bilionários e, sim, por figuras como Eduardo Bolsonaro, cuja atuação parece mais afinada com o Vale do Silício do que com a Constituição brasileira. As redes gostam de quem cria polêmica, atrai seguidores, comentários e curtidas, gerando visualizações e tempo de tela.
O cerne da questão, no caso, parece ser: de qual lado da história queremos estar quando as próximas eleições chegarem? Porque, se nada for feito agora, talvez não haja campo democrático suficiente para um debate realmente fertil e produtivo para quando 2026 bater à porta.
*o jornalista Ronald Stresser é editor do blog Sulpost, parceiro da coluna Palavra Livre, escritor, arquiteto da informação e especialista em Ciberativismo.


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