Fraude no INSS: a conta que sobrou para milhões de aposentados enquanto poucos enriqueciam às custas da dor alheia
Por Ronald Stresser*Polícia Federal/MJ |
Maria das Dores, 72 anos, achava que o valor da aposentadoria estava menor por causa da inflação, ou talvez de algum desconto de farmácia que ela não lembrava de ter autorizado. Moradora de uma vila simples em Belo Horizonte, ela só foi descobrir — depois de meses — que o contracheque vinha sendo corroído por descontos misteriosos, atribuídos a uma tal “associação” da qual ela nunca ouvira falar.
“Eu só queria pagar meus remédios em dia. A gente se mata de trabalhar a vida inteira, e no fim ainda tem que desconfiar do próprio benefício?”, desabafa.
Como a dona Das Dores, milhões de aposentados e demais benefíciários do INSS foram atingidos por um esquema de fraude e corrupção que, mais do que um rombo bilionário nos cofres públicos, representa uma agressão direta à dignidade de quem trabalhou com honestidade e, agora, no momento mais vulnerável da vida, se vê enganado.
Tendo em vista este crime contra a previdência pública, na manhã de hoje, terça-feira (14), a Polícia Federal voltou às ruas. Em Presidente Prudente, interior de São Paulo, agentes cumpriram dois mandados de busca e apreensão em imóveis ligados a um operador financeiro suspeito de lavar dinheiro desviado de aposentados e pensionistas. A esposa dele também é investigada.
Segundo a Polícia Federal, o casal usava o dinheiro das fraudes para comprar veículos de luxo e outros bens incompatíveis com a realidade de quem diz viver de rendimentos modestos. Tudo isso, enquanto do outro lado da equação estavam pessoas como Maria — que contam os centavos para fechar o mês.
Essa é a nova fase da *Operação Sem Desconto*, deflagrada pela primeira vez em abril deste ano. Desde então, os investigadores vêm desmontando um esquema que pode ter causado um prejuízo de até R\$ 8 bilhões. O número é assustador, mas ainda mais brutal é saber que cerca de 9 milhões de beneficiários podem ter sido prejudicados. Gente comum, muitas vezes sem acesso pleno à internet ou ao extrato detalhado do benefício, que só percebe o golpe quando falta dinheiro para o gás ou o mercado.
De acordo com a Controladoria-Geral da União, tudo começava com convênios entre o INSS e entidades associativas — sindicatos, clubes e instituições que, teoricamente, prestariam algum tipo de serviço ou representação aos aposentados. Só que muitos desses convênios eram firmados sem transparência, e os descontos começavam a ser feitos automaticamente, sem que o beneficiário sequer soubesse da existência da tal “entidade”.
Parte desses recursos, em vez de custear serviços legítimos, ia parar nas mãos de dirigentes e operadores financeiros. Durante a primeira fase da operação, a PF apreendeu R\$ 1,7 milhão em dinheiro vivo, além de joias e carros de luxo. Seis servidores do INSS foram afastados, e o então presidente do órgão, Alessandro Stefanutto, acabou exonerado.
A nova etapa da investigação busca aprofundar o rastro da lavagem de dinheiro. A PF acredita que o operador de Presidente Prudente tinha papel central na ocultação dos valores desviados. Segundo os investigadores, a movimentação financeira dele era completamente incompatível com sua renda declarada — e a esposa atuava como laranja em algumas transações.
O INSS afirma que está colaborando com as investigações e promete buscar mecanismos para ressarcir os beneficiários prejudicados. Mas, na prática, o caminho é longo e tortuoso. Muitas vítimas sequer sabem que foram lesadas. Outras não têm acesso a orientação jurídica ou canais claros para pedir o estorno. A CGU e a PF, por sua vez, mantêm os canais de denúncia abertos, incentivando a população a reportar qualquer irregularidade.
“Eu só quero justiça”, diz Maria. “Não é nem pelo dinheiro. É porque não é certo brincar com a vida da gente desse jeito.”
A Operação Sem Desconto ainda deve ter novos desdobramentos. Enquanto isso, o Brasil segue assistindo a um triste espetáculo: o de quem tem quase nada sendo lesado por quem já tem demais — e nem disfarça.
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