domingo, 7 de dezembro de 2025

Racismo religioso no Brasil: 76% dos terreiros relatam violência — o Estado laico e o dever de proteger

Relatos de invasões, profanações e intimidações expõem uma ofensiva que agride memórias, corpos e o direito à liberdade religiosa; autoridades têm obrigação constitucional de garantir proteção igualitária

© Tomaz Silva/Agência Brasil

A pesquisa Respeite o meu terreiro (2025) — elaborada pela Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde (Renafro) em parceria com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania — traz um dado que deveria soar como um alerta de Estado: 76% dos terreiros no Brasil relataram alguma forma de violência. Não são apenas estatísticas; são vidas, histórias e espaços sagrados atingidos por agressões que ferem a convivência democrática.

Segundo informa a Agência Brasil, em Aracaju, há semanas, a comunidade do terreiro Ìlé Àṣé Ìyá Ọṣún recebeu a dolorosa tarefa de reconstruir. O templo foi invadido, teve bens domésticos furtados e, mais grave, objetos sagrados destruídos e profanados — uma violência que atinge tanto o presente quanto a memória coletiva. Em São Paulo, em novembro, um desenho infantil da orixá Iansã virou pretexto para intimidação policial à direção de uma escola pública. Esses episódios ilustram como a perseguição assume formas diversas: física, simbólica e institucional.

Racismo religioso: conceito e evidência

O termo racismo religioso define quando a perseguição a religiões afro-brasileiras — Umbanda, Candomblé e outras tradições de matriz africana — carrega em si um componente racista, que não se reduz à mera "intolerância". A pesquisa ouviu dirigentes de 511 terreiros e encontrou que 80% relataram experiências que se enquadram nesse tipo de violência: agressões verbais, xingamentos, ataques diretos e abordagem policial discriminatória.

"Se no passado, nossos algozes eram as autoridades policiais, atualmente temos sido vítimas de uma campanha orquestrada por grupos religiosos..." — declaração de Mãe Nilce, responsável pela pesquisa.

Além das agressões físicas e depredações (74% relatam ameaças e destruição), o mundo digital também reproduz essa violência: 52% dos terreiros sofreram assédio ou ataques nas redes sociais. E, apesar da gravidade, menos de três em cada dez terreiros conseguiram registrar boletim de ocorrência — um sinal claro de subnotificação e de barreiras no acesso efetivo à justiça.

O papel do Estado laico e as responsabilidades das autoridades

O Brasil é um Estado laico: isso significa que o poder público deve garantir que todas as crenças e convicções sejam igualmente respeitadas e protegidas. Quando terreiros são invadidos ou quando lideranças religiosas são perseguidas, há uma falha do aparato estatal em proteger o direito fundamental à liberdade religiosa. Não se trata de neutralidade passiva — é dever do Estado agir, investigar, proteger e prevenir.

Autoridades policiais, poderes públicos municipais e gestores educacionais têm obrigação constitucional de tratar episódios como profanação de espaços sagrados, destruição de patrimônio religioso e intimidações institucionais com a mesma seriedade com que tratam crimes contra outros bens culturais e religiosos. A impunidade e a omissão alimentam ciclos de violência e exclusão.

Impacto comunitário e formas de resistência

A violência contra terreiros não atinge apenas o espaço físico: destrói referências, desarticula redes de cuidado e fere a própria dignidade daqueles que preservam tradições centenárias. Ainda assim, as comunidades resistem — mapeando agressões, fortalecendo redes de apoio e reivindicando políticas públicas que reconheçam e protejam suas práticas.

Políticas públicas apontadas pelos próprios líderes incluem ações de proteção do patrimônio de terreiros, programas educativos de combate ao racismo religioso, capacitação de forças de segurança sobre diversidade religiosa e canais acessíveis para denúncia e reparação.

O que as pessoas e autoridades podem fazer

  • Denunciar agressões e ameaças: em caso de crime, acionar a Polícia Militar (190) e registrar boletim de ocorrência; também é possível denunciar de forma anônima pelo Disque 100.
  • Fortalecer diálogo local: secretarias municipais de Cultura e Educação devem promover ações que respeitem e visibilizem as religiões de matriz africana.
  • Proteger digitalmente as lideranças: redes sociais e plataformas precisam criar mecanismos mais efetivos contra ataques por motivação religiosa.
  • Exigir que o Estado laico cumpra seu papel: autoridades públicas devem atuar com isenção e vigor para proteger todas as crenças, sem hierarquizar direitos.

Pra não esquecer

O racismo religioso já é crime previsto na legislação brasileira — com penas que podem variar entre prisão e multa —, mas a existência da lei é insuficiente se o sistema não garante investigação, responsabilização e prevenção. O que importa, no fim das contas, é que todos os cidadãos e cidadãs — independentemente de fé, credo ou ausência dela — possam viver e praticar suas tradições com segurança e respeito.

Observação: dados e relatos citados foram compilados a partir da matéria da Agência Brasil e do próprio levantamento "Respeite o meu terreiro" (2025).

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