Quatro décadas de memórias, cuidados e coragem: como a testagem rápida, o tratamento imediato e a política pública cotidiana têm mantido Curitiba entre as capitais que resistem — e salvam vidas
Por Ronald Stresser – Especial para o Sulpost
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| Dia Mundial da Luta contra a Aids na praça Rui Barbosa. Curitiba, 01/12/2023 - Foto: Hully Paiva/SMCS |
O mais recente boletim epidemiológico do Ministério da Saúde mostra que, em um país onde a média é de 3,4 óbitos por 100 mil habitantes, Curitiba registrou 3,3 óbitos por 100 mil habitantes em 2024 — abaixo da média nacional e a melhor posição entre as capitais do Sul. Esse número não é apenas estatística: é o retrato de trajetórias interrompidas menos vezes, de famílias que permanecem inteiras por mais tempo e de profissionais de saúde que transformaram rotinas em atos de proteção. (Ministério da Saúde).
O recuo é histórico: em 2002, Curitiba tinha taxa de 4,8; em 2023, caiu para 4,1; e em 2024 alcançou 3,3. São números que caminham lado a lado com decisões políticas e com a determinação de quem convive com o vírus.
Testar, iniciar o tratamento, acolher
“Curitiba mantém a oferta permanente de testagem rápida para o HIV/aids nas unidades de saúde com tratamento imediato para os casos positivos. Isso impacta diretamente na redução da transmissão do vírus e na mortalidade pela doença”, afirma a secretária municipal da Saúde, Tatiane Filipak.
Essa frase condensada traduz uma prática que salvou vidas: a testagem acessível reduz a demora entre o diagnóstico e o início da terapia antirretroviral — o que, associado ao acompanhamento contínuo, transforma o HIV em condição tratável. A ciência tem um nome prático para esse efeito: I = I — Indetectável = Intransmissível. A partir do momento em que o tratamento suprime a carga viral, a transmissão deixa de ocorrer, e a vida volta a se escrever com futuro.
Uma resposta que acontece no cotidiano
A redução da mortalidade não surge do nada. Ela nasce do cotidiano: postos com testes rápidos sempre disponíveis, profissionais que recebem formação contínua, políticas municipais que integram prevenção, testagem e terapia, e redes de apoio que acompanham pessoas além das consultas. No cenário nacional, organismos como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a UNAIDS lembram que ferramentas como PrEP, autotestes, PEP e terapias eficazes são essenciais — mas que exigem investimento e prioridade política para chegarem a todas as pessoas.
Ao mesmo tempo, o mundo enfrenta desafios: redução de fundos internacionais e cortes em programas de prevenção ameaçam conquistas recentes. Nessa conjuntura, modelos locais bem-sucedidos — como o de Curitiba — funcionam como laboratórios de políticas que podem ser replicadas, adaptadas e ampliadas. (Campanha OMS - Dia Mundial de Luta contra a AIDS).
Histórias que sustentam números
Cada queda nas taxas de mortalidade tem rostos. Há mães que passaram a acompanhar os filhos sem o peso do medo iminente; casais que planejam o futuro; jovens que aprendem a importância da prevenção combinada; e equipes de saúde que testemunham, dia após dia, a diferença que um diagnóstico precoce faz. A narrativa pública precisa estar atenta a essas histórias — porque a memória coletiva do que a epidemia já representou ajuda a fortalecer a empatia e o combate ao estigma, ainda presentes em muitos cantos.
Em dezembro, quando as campanhas do “Dezembro Vermelho” ecoam pelas praças, unidades de saúde e redes sociais, Curitiba demonstra que a luta exige presença cotidiana: decisão política, financiamento contínuo, capacitação profissional e, sobretudo, escuta e acolhimento.
Um alerta e um convite
Os números atuais nos convidam a celebrar conquistas — e a não relaxar. Reduzir a mortalidade é vitória; mantê-la em queda exige manutenção de serviços, investimento em prevenção e a defesa permanente do direito à saúde. Curitiba é exemplo de que a combinação entre ciência, política pública e cuidado humano produz resultado. Que essas lições se espalhem e que dezembro seja, sobretudo, um mês de memória ativa: para lembrar os que se foram, acolher os que vivem com o vírus e renovar o compromisso público de não deixar ninguém para trás.


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