Enquanto o vento leva o cheiro do veneno, quem planta arca com a dor — movimentos sociais, médicos e juristas pedem reparação e mudança de rumo
Por Ronald Stresser, com informações da reportagem de Rafael Cardoso, para a Agência Brasil — 04 de dezembro de 2025
O vento que corta as plantações do Brasil traz consigo histórias que não cabem em planilhas: mães que perderam a força dos braços, poços que deixaram de ser fonte de água, crianças que cresceram com uma dose a mais de incerteza no pulmão. No Dia Mundial de Luta Contra os Agrotóxicos — data em que o mundo lembra a tragédia de Bhopal e seus milhares de vítimas — movimentos do campo, redes de saúde e organizações de direitos humanos abriram as janelas da memória para denunciar um problema que não muda de direção sozinho.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) mapeou 276 casos de contaminação por agrotóxicos em 2024, um salto que representou cerca de 762% em relação a 2023.
Quando se olha para a série histórica do Sistema Único de Saúde, a magnitude se torna ainda mais clara: entre janeiro de 2013 e junho de 2022 foram registradas 124.295 notificações de intoxicação exógena por agrotóxicos. 8
Para Jakeline Pivato, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, os números não são abstrações — são resultado de um modelo econômico que avança sobre territórios e corpos.
“O agronegócio brasileiro, comprovadamente, é o principal fator que afeta as contaminações ambientais. É aumento de câncer, mortalidade de abelhas, contaminação de ecossistemas inteiros. O agrotóxico é a principal contradição desse modelo.”
Essas palavras ecoam dentro dos lares rurais, onde a aplicação inadequada, a pulverização aérea e as condições climáticas ampliam o alcance das partículas. Estudos e relatos organizacionais apontam que a deriva — o deslocamento do produto pulverizado além da área alvo — pode alcançar dezenas de quilômetros, atravessando quilombos, assentamentos e pequenas cidades.
Organizações como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) chamam atenção para um ambiente regulatório permissivo e para a rápida ampliação do mercado de defensivos no país. O MPT afirma que o Brasil tornou-se o maior mercado consumidor mundial de agrotóxicos e que muitos produtos usados aqui são vetados em outros países por efeitos nocivos à saúde humana e ao ambiente.
Diante desse cenário, a resposta das mobilizações tem sido ampla: formação nos territórios, acompanhamento jurídico, busca por indenizações e propostas legislativas mais restritivas. “Buscamos indenizações para quem perdeu a saúde, proteção para defensores de direitos humanos e legislação mais restritiva”, diz Jakeline.
A contradição é crua: um país que alimenta mesas mundo afora convive com a dor de comunidades que, ao produzir, adoecem. A encruzilhada é histórica — e exige decisões políticas que priorizem vida, fiscalização efetiva e alternativas produtivas, como a agroecologia, que preservem solos e saúdem quem trabalha.
Enquanto essas medidas não se consolidam, o veneno segue seu caminho: pelos rios, pela terra, pela pele, pela memória das pessoas. E a pergunta que fica, simples e urgente, ecoa em qualquer aldeia e em qualquer cidade distante das plantações: a que custo vamos alimentar o mundo?

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