O relógio brasileiro não será adiantado — pelo menos por agora. A decisão de não retomar o Horário de Verão traz consigo uma leitura que é ao mesmo tempo técnica e humana
Ronald Stresser — 05 de novembro de 2025
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| Portal Gov.BR/Reprodução |
Em muitos lares, o Horário de Verão foi lembrança de tardes mais longas, de comércio vivo até mais tarde, de um país que buscava economizar em iluminação. Porém, estudos oficiais concluíram, já em 2019, que a política havia perdido eficácia — o maior consumo diário deixou de ocorrer à noite e passou a se concentrar no meio da tarde, em razão do uso massivo de equipamentos de refrigeração. Foi esse diagnóstico técnico que empurrou o tema para a prateleira das medidas temporárias.
Mas há uma lembrança que precisamos carregar r quando falamos de energia: o Brasil gera grande parte de sua eletricidade pela força das águas. As usinas hidrelétricas continuam sendo a espinha dorsal da matriz elétrica — um sistema construído sobre rios e reservatórios que iluminaram cidades e transformaram paisagens e lares.
Essa realidade explica, em boa medida, por que a lógica do adiantamento de relógios perdeu protagonismo por aqui: a disponibilidade hídrica e a configuração da matriz tornam o país menos dependente de ajustes de fuso para “ganhar” energia.Ainda assim, falar de energia elétrica gerada por turbinas em barragens é falar também de transição e de vulnerabilidades.
Cuidado com o meio ambiente
As hidrelétricas são renováveis, limpas em termos de emissões, e fundamentais ao abastecimento — mas não são imunes às mudanças climáticas. Secas prolongadas, a variabilidade das chuvas e a necessidade de integrar mais fontes como solar e eólica mudam a rotina do operador do sistema e a estratégia do país. É por isso que — segundo informa o portal Gov.BR — o Ministério de Minas e Energia e o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) afirmam que a avaliação sobre o Horário de Verão continuará sendo periódica: não por apego à medida, mas por responsabilidade no cuidado com o suprimento.
Nas últimas temporadas a participação relativa das energias solar e eólica cresceu de modo acelerado, diversificando a matriz e reduzindo gradualmente a dependência absoluta das hidrelétricas — sem, contudo, anulá-las. Essa transformação dá ao país novas ferramentas para planejar consumo e oferta de maneira mais flexível e resiliente. Em outras palavras: não se trata de escolher entre relógio e água, mas de arquitetar um sistema que combine fontes, previsibilidade e cuidado com o ambiente.
Para o cidadão, o efeito prático é simples e íntimo: a ausência de Horário de Verão evita a quebra súbita do ritmo do sono e pequenos transtornos cotidianos — mas também nos convida a olhar para hábitos de consumo, para a eficiência energética dos lares e para políticas públicas que estimulem a inteligência do uso da energia, não apenas mudanças temporárias de relógio.
Em uma tarde quente, quando o ar condicionado é ligado e as luzes permanecem acesas mais por conforto do que por necessidade, a cena nos lembra que o problema nunca foi o ponteiro do relógio sozinho. É uma rede — de geração, transmissão, hábitos e decisões públicas — que precisa ser bem costurada. O governo diz que observará essa tapeçaria com atenção. E, por ora, o país seguirá no compasso natural do sol, enquanto se prepara para lidar com um futuro em que água, vento e sol dividirão cada vez mais a tarefa de manter a luz acesa.


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