terça-feira, 21 de outubro de 2025

Governo Trump: se com Lula rolou uma química, com Milei agora o namoro é sério

A nova aposta americana na Argentina revela muito mais que finanças — revela o rumo da geopolítica latino-americana

Javier Milei e o Secretário do Tesouro dos EUA Scott Bessent - Presidencia da Argentina

Há encontros que nascem da conveniência e há aqueles que brotam do fascínio. Entre os Estados Unidos e a Argentina, o que começou como uma troca cautelosa de olhares agora parece ter virado um namoro de verdade. E não é exagero dizer isso. Se com Lula e o governo Biden havia uma “química respeitosa” e cheia de nuances diplomáticas, com Javier Milei e o secretário do Tesouro norte-americano Scott Bessent, o clima é outro: há aposta, há risco, há cumplicidade.

Um operador de guerra no mercado

Scott Bessent não é um nome qualquer. Ele é o tipo de figura que enxerga o mundo por dentro dos gráficos, mas pensa com o instinto de um jogador de xadrez. Nos anos 1990, quando trabalhava com George Soros, ajudou a apostar contra a libra esterlina — e ganhou uma fortuna quando a moeda britânica afundou.

Desde então, Bessent se move com a confiança de quem entende o poder invisível das moedas. E é justamente por isso que agora, como secretário do Tesouro dos EUA, ele está tentando algo que muitos chamariam de ousadia: salvar o peso argentino.

A aposta é clara: o peso está “subvalorizado”

Segundo Bessent, o peso argentino “vale mais do que o mercado acredita”. E ele quer provar isso. Para tanto, os EUA abriram uma linha de swap cambial de US$ 20 bilhões com o Banco Central da Argentina e começaram a comprar pesos diretamente no mercado. Fontes ligadas ao Tesouro afirmam que outros US$ 20 bilhões podem ser mobilizados em breve, envolvendo bancos privados e fundos soberanos — o que elevaria o apoio total a US$ 40 bilhões.

Nos bastidores, a justificativa é pragmática: evitar que a Argentina caia novamente em espiral de crise e, de quebra, impedir que Pequim assuma a dianteira nas relações financeiras do Cone Sul. Mas, como sempre, há algo mais profundo em jogo — e Milei sabe disso.

Milei e o peso da esperança

O presidente argentino é uma figura que polariza o continente. Com sua retórica libertária, gestos impulsivos e discursos cheios de adrenalina, ele prometeu “refundar” o Estado. E, por um tempo, parecia estar vencendo o caos. A inflação — que já beirava os três dígitos — começou a desacelerar. Mas o peso, este fantasma recorrente da história argentina, voltou a cair.

Nesta semana, a moeda ultrapassou a marca simbólica de 1.470 pesos por dólar, mesmo após a intervenção americana. Analistas já falam em 1.600 se o cenário político se deteriorar. E o risco é real: as eleições legislativas de 26 de outubro podem redefinir o rumo de Milei. Se ele perder apoio no Congresso, o peso pode não resistir — e o “namoro” pode azedar.

Um amor que envolve dinheiro, ideologia e destino

Diferente das alianças burocráticas, o que se vê agora é uma entrega mútua. Bessent arrisca não apenas prestígio, mas também a confiança dos contribuintes americanos. E Milei aposta o próprio futuro político. Ambos acreditam que este é um momento de virada histórica — e que, se der certo, a Argentina pode voltar a ser o motor econômico da América do Sul.

Mas há vozes dissonantes. O economista Steve Hanke, da Universidade Johns Hopkins, alertou que o país segue vulnerável à fuga de capitais em massa. Democratas em Washington questionam o uso de dinheiro público americano em uma operação “altamente especulativa”. E, enquanto isso, famílias argentinas lutam para manter a mesa posta e o aluguel em dia, enquanto veem suas economias derreterem a cada nova cotação.

Entre fé e pragmatismo

Há uma cena simbólica que parece resumir tudo: em Buenos Aires, uma senhora entra no mercado com um maço de pesos nas mãos e sai com uma sacola quase vazia. A desvalorização é algo que se sente na pele, não apenas nos gráficos. Em Washington, Bessent olha para os mesmos números e enxerga “valor oculto”, uma oportunidade de ouro. Entre os dois mundos, um fio tênue conecta esperança e interesse.

E talvez seja esse o paradoxo do nosso tempo: enquanto povos buscam dignidade, governos e investidores travam batalhas silenciosas nos bastidores da economia global.

Uma história de química — e de consequências

É inegável: há química entre Milei e os EUA. Mas o mundo já aprendeu que relações econômicas também cobram preço. Se o plano der certo, a Argentina pode renascer como símbolo de um novo ciclo liberal na América Latina. Se der errado, será mais uma página amarga na longa história de resgates e promessas quebradas.

Por ora, o que há é um beijo de confiança. E, como todo romance intenso, ele carrega o sabor agridoce da incerteza.

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