A paisagem que encanta visitantes do mundo inteiro volta a ficar tomada por fumaça e calor. Depois de dias de apreensão, quando a chuva trouxe um respiro e a sensação de que o pior havia passado, os raios — imprevisíveis e potentes — reacenderam o incêndio dentro dos limites do parque.

Heróis do território

O combate e a resistência mais recentes tiveram nome e rosto: brigadas comunitárias formadas por moradores e coletoras e coletores de sementes. Projetos locais, como a Associação Cerrado de Pé, organizaram brigadas que se mostraram fundamentais no ataque ao fogo no setor do Vão do Moleque. Essas pessoas conhecem o chão que pisam, as veredas e as rotas da fumaça — e foi essa sabedoria que ajudou a conter a propagação quando a situação poderia ter sido ainda mais catastrófica.

“São pessoas do território, que defendem com o corpo e com o saber o patrimônio natural e cultural que ainda resiste”, afirmam comunicadoras e técnicos que acompanharam as ações. Em muitos momentos, a ação comunitária substituiu pressa e improviso pelo conhecimento local, e isso fez toda a diferença.

O fogo que fala sobre nós

O fogo pertence à dinâmica do Cerrado — historicamente foi um agente de renovação. O que mudou é a intensidade, a frequência e o contexto: hoje o fogo queima em um planeta mais quente e desigual. Quando um raio encontra matéria orgânica seca, o resultado é muito diferente do passado: chamas mais velozes, maiores frentes e impacto prolongado na fauna, na flora e nas comunidades tradicionais.

Essa realidade exige que pensemos o combate aos incêndios além do extintor: é preciso enfrentar as mudanças climáticas, rever políticas de uso da terra, priorizar a justiça ambiental e investir em prevenção. Não basta só apagar incêndios — é preciso cuidar do território, reconhecer e financiar as estratégias das próprias comunidades e fortalecer as brigadas locais.

O que a Chapada nos ensina

Os brigadistas mostraram, na prática, que respostas duradouras nascem do diálogo entre saberes técnicos e saberes locais. A formação de equipes comunitárias, o apoio às iniciativas de sementes nativas e a estruturação de redes de vigilância podem transformar o manejo do fogo no Cerrado. Se quisermos proteger o que resta, teremos que apostar nas pessoas que vivem ali — ouvir suas experiências e investir em sua capacitação.

O Cerrado pede socorro, mas oferece caminhos. Cabe ao poder público, às organizações e à sociedade decidir: vamos continuar apenas apagando incêndios ou aprender a conviver, cuidar e prevenir para que o fogo não vire destruição definitiva?