sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

A fila, o telefone e o jeitoso Seu Darci

 

Era uma manhã cinzenta de garoa fina em Porto União, aquela típica cena do Sul que pede um chimarrão pra esquentar a alma. A fila dobrava o quarteirão em frente ao posto de saúde, com esse frio fora de época o peito chia... e lá estava ele: Seu Darci, um senhor parrudo de boina surrada e camisa de flanela e cigarro de palha no canto da boca. Homem vivido, com um sotaque típico do sul do Brasil, Darci tinha na expressão algo que misturava paciência e sabedoria.

— Mas que que bagulho doido, essa fila tá maior que desfile de Carnaval em Rio Negro! — comentou ele para a dona Fátima, uma senhorinha de cabelos brancos que parecia mais ali pela companhia do que pela entrevista.  

O pessoal resmungava baixinho. Uns reclamavam do frio, outros do tempo que não passava, e o atendente da postinho, coitado, parecia mais perdido que bolacha em boca de bêbado. A cada dois minutos, o telefone do balcão tocava, e ele largava tudo pra atender, numa cena típica de posto de saúde em cidade do interior.

Seu Darci, que não era bobo nem nada, ficou observando a cena. Ele cutucou o rapaz da frente, o Joãozinho da venda, um guri magro de uns vinte e poucos anos:  

— Tu tá vendo, piazito? Cada vez que o telefone toca, ele atende na hora. Parece até que é a patroa ligando!  

João riu, mas antes que pudesse responder, Seu Darci teve uma ideia. Ele tirou do bolso o velho celular de botão – um Nokia que era quase um patrimônio histórico – e começou a discar.  

— Mas o que tu tá fazendo, Seu Darci? — perguntou dona Fátima, curiosa.  

— Minha senhora, tô ligando pra lá! Se quem tá no telefone tem prioridade, então vou adiantar o expediente. Ficar aqui batendo queixo no frio não tá com nada!  

Ele colocou o telefone na orelha, esperou dois toques, e logo foi atendido.  

— Bom dia, guria! Quero agendar uma entrevista. Ah, sim, Darci Pereira. Tá certo, brigado, hein? Um bom dia pra ti também.  

Em pouco mais de dois minutos, estava feito. Ele desligou o celular, guardou no bolso e virou-se pra fila com um sorriso maroto:  

— Valeu, turma! Tô indo. Agendei pelo telefone, jogo rápido.  

O pessoal ficou besta.  

— Mas como assim, Seu Darci? — perguntou João.  

— Ué, meu piazito, vocês que não se tocaram ainda. O telefone tá lá pra isso! Boa sorte pra vocês que o meu lado já adiantei!  

E saiu caminhando, com aquele andar tranquilo de quem sabe que venceu o dia. Mas aí começou o pandemônio. Dona Fátima, que parecia quietinha, estava é ligada na fita e logo pegou o celular na bolsa.  

— Mas não é que ele tem razão? João, me ajuda aqui a discar, que esses botões tão pequenos demais e não trouxe os meu óculos.  

Logo, metade da fila estava ao telefone, ligando como se o posto de saúde fosse a rádio local sorteando uma leitoa na festa do padroeiro. Lá dentro, o atendente ficou tão atordoado que começou a confundir os horários de agendamento.  

No fim das contas, Seu Darci já estava em casa, aquecido pela salamandra, preparando um café preto e cortando um pão caseiro, enquanto o atendimento do posto de saúde virou um caos de telefones congestionados e atendentes desesperados.  

E a moral? Esperteza não faz mal a ninguém, desde que não pise no pé dos outros. E no caso do Seu Darci, ele não só achou a saída, como ainda deixou a galera da fila com uma boa história pra contar. Afinal, como ele sempre diz:  

— Ser esperto, piá, é não perder o tempo nem o humor. E isso, ah, isso eu tenho de sobra!  

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