terça-feira, 26 de novembro de 2024

Contradição: capital ecológica infringe legislação ambiental

Impasse legal: obra na Arthur Bernardes expõe descaso com lei ambiental em Curitiba

 
O corredor verde do eixo de animação da Av. Arthur Bernardes, hoje ameaçado pelas obras da prefeitura - Google
 

Curitiba, aclamada como "Capital Ecológica do Brasil", enfrenta uma polêmica que coloca em xeque a coerência do poder público e a força das leis ambientais locais. O projeto Novo Inter 2, voltado para a modernização do transporte coletivo, prevê intervenções na Avenida Presidente Arthur Bernardes, uma área reconhecida como Unidade de Conservação (UC) desde 2020, conforme a Lei Municipal 15.744. A legislação estabelece proteção integral a áreas verdes como esta, mas agora o município parece ignorar suas próprias regras para abrir espaço à expansão urbana.  

O que diz a Lei Municipal 15.744?  

Sancionada pelo próprio prefeito Rafael Greca, a Lei 15.744 cria categorias de Unidades de Conservação que visam preservar a natureza e garantir o uso sustentável de recursos naturais. No caso das Unidades de Proteção Integral, como a Arthur Bernardes, o uso direto de recursos naturais é proibido, exceto em situações previstas em lei. A pergunta que ecoa entre ambientalistas e moradores é simples: o corte de árvores, incluindo remanescentes de mata nativa e pinheiros araucárias protegidos, é compatível com a preservação que a lei promete?  

“É um paradoxo evidente. A mesma gestão que sancionou a lei agora parece disposta a violá-la para viabilizar um projeto que poderia ter alternativas mais sustentáveis”, critica Veronica Rodrigues, do movimento S.O.S Arthur Bernardes.  

O silêncio que incomoda  

Desafiando a importância ambiental e histórica da Arthur Bernardes, que abriga remanescentes de vegetação nativa e é um espaço de esporte, lazer e convivência para milhares de curitibanos, o eminente desmate de aproximadamente 600 árvores não tem gerado a comoção pública e a atenção que se esperaria em face da questão ambiental ser hoje indispensável para apresentar respostas de enfrentamento à emergência climática. 

A mídia corporativa, frequentemente vista como defensora das causas ambientais, tem recentemente mantido um silêncio quase absoluto sobre o caso. Ao mesmo tempo, muitos curitibanos questionam por que parte da população, que se orgulha da identidade ecológica da cidade, não se mobiliza como deveria.  O movimento S.O.S. Arthur Bernardes também parece ter arrefecido pois moradores e comerciantes da região relatam que "eles não têm aparecido mais por aqui," e "tem uma duas semanas que não parecem, e a obra está a todo vapor."

Impactos irreversíveis  

Especialistas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), consultados pelo Sulpost, destacam que as áreas verdes urbanas, como a Arthur Bernardes, desempenham funções cruciais, incluindo a regulação térmica, a redução de enchentes e a purificação do ar. A derrubada de árvores, especialmente de araucárias – símbolo do Paraná e protegidas por lei – não apenas ameaça o equilíbrio ambiental, mas também o legado histórico e cultural deste importante eixo ecológico de animação da capital paranaense.  

Embora a prefeitura tenha prometido plantar duas árvores para cada uma retirada, não há clareza sobre onde essa compensação ocorrerá. Ambientalistas alertam que o replantio não substitui o papel ecológico das árvores já estabelecidas, especialmente as nativas.  

A quem interessa esse projeto?  

A modernização do transporte público é importante, mas por que o desenvolvimento urbano em Curitiba insiste em atropelar as leis e a lógica ambiental? O projeto Novo Inter 2, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), está sendo implementado em diversos bairros, mas parece ter escolhido sacrificar um dos últimos oásis verdes da cidade sem explorar alternativas que minimizassem o impacto.  

Enquanto isso, a prefeitura alega que “a Arthur Bernardes continuará a ser um corredor verde, referência em sustentabilidade”. Mas a população e os ambientalistas têm dificuldade em confiar nessas palavras quando o que se vê são máquinas prontas para cortar árvores protegidas por lei.  

A palavra da prefeitura  

Questionada sobre a contradição entre o projeto e a Lei 15.744, a prefeitura reforçou: “A Avenida Presidente Arthur Bernardes vai continuar a ser um corredor verde, referência em sustentabilidade na cidade. O município respeita e defende o meio ambiente”.  

Reflexão e cobrança  

A Arthur Bernardes é mais do que um endereço; é um símbolo da luta por equilíbrio entre progresso e preservação. A pergunta que todos deveriam estar fazendo – mídia, população e poder público – é: o que vale mais, o desenvolvimento às custas do meio ambiente ou o cumprimento de uma lei que representa o compromisso de Curitiba com o futuro sustentável?

Animação digital mostra como vai ser terminal do Santa Quitéria, na Arthur Bernardes

 
Especialista aponta falhas e questiona interesses do projeto

Rogério Rossi Horochovski, advogado do Observatório de Justiça e Conservação e membro de conselhos ambientais de Curitiba e do Paraná, trouxe uma análise crítica ao projeto do Novo Inter 2, destacando lacunas graves na condução do processo. Segundo ele, há jurisprudência que exige que a administração pública só possa decretar utilidade pública para intervir em Áreas de Preservação Permanente (APP) no caso de projetos de transporte público se não houver alternativas locacionais. "Na documentação apresentada pela prefeitura em ações judiciais, não há qualquer menção de estudos sobre alternativas de localização", afirmou.

Horochovski também apontou que o maior impacto à Unidade de Conservação da Arthur Bernardes não vem apenas da pista exclusiva para o Inter 2, mas da proposta de construção de um mini terminal dentro do parque, que passaria a receber sete linhas alimentadoras. "A prefeitura também não demonstrou que não há alternativas locacionais para isso", acrescentou.

Sobre os reais beneficiários do projeto, ele destacou: "Levar os alimentadores para dentro da UC não melhora para os usuários. Pelo contrário, quem hoje utiliza as linhas para ir direto ao centro terá o trajeto prejudicado ao ser forçado a fazer integração na Arthur. Para quem usa a área como espaço de lazer, também haverá piora pela redução do verde e o aumento do tráfego de ônibus. Já para as concessionárias operadoras, a integração gera redução de custos sem impactar a tarifa técnica, o que significa aumento de lucros."

Essa análise reforça as críticas de moradores e ambientalistas, que cobram maior transparência e o respeito às leis de preservação. A pergunta "a quem interessa esse projeto?" segue ecoando entre os críticos e defensores do meio ambiente.

Ronald Stresser, de Curitiba.
Atualizada em 26 de nov às 19h21.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Gostou?
Então contribua com qualquer valor
Use a chave PIX ou o QR Code abaixo
(Stresser Mídias Digitais - CNPJ: 49.755.235/0001-82)

Sulpost é um veículo de mídia independente e nossas publicações podem ser reproduzidas desde que citando a fonte com o link do site: https://sulpost.blogspot.com/. Sua contribuição é essencial para a continuidade do nosso trabalho.