Com a mão no freio, mas sem voltar para trás: o que diz o alívio temporário nas tarifas dos EUA e por que o mundo ainda está em alerta
Por Ronald Stresser*Depois de semanas de tensão nos mercados e um vaivém de declarações e medidas protecionistas, os Estados Unidos decidiram apertar o freio — ainda que levemente. A pausa de 90 dias nas tarifas “recíprocas” impostas a todos os países, com exceção da China, trouxe um alívio imediato às bolsas, mas o movimento da Casa Branca não foi um recuo: foi um ajuste tático em meio ao próprio caos que ajudou a criar. É o que aponta a análise do BlackRock Investment Institute, publicada nesta segunda-feira (14), com implicações que ecoam bem além de Wall Street.
O suspiro (curto) do mercado
O que se viu na última semana foi uma reação imediata à pausa tarifária. O S&P 500 subiu quase 6% em poucos dias, incluindo uma das maiores altas diárias da história do índice. Mas o alívio, como tudo neste novo cenário de guerra comercial prolongada, tem prazo de validade. O índice ainda está 13% abaixo de seu pico registrado em fevereiro. O dólar despencou para mínimas de três anos frente às principais moedas, enquanto os rendimentos dos títulos do Tesouro americano dispararam. Para o investidor, o recado é claro: a volatilidade virou rotina.
Inflação na mira, recessão no retrovisor
Segundo o BlackRock, o impacto mais concreto das tarifas americanas continua sendo o aumento da inflação interna. Com taxas efetivas médias próximas de 20% — incluindo absurdos 145% para alguns produtos chineses —, os preços sobem, a confiança do consumidor cai e os investimentos corporativos tendem a minguar. A incerteza prolongada, dizem os analistas, “eleva o risco de uma recessão” e “pode corroer a confiança de investidores estrangeiros nos ativos dos EUA”.
É um ciclo que se retroalimenta: tarifas elevam custos, que reduzem consumo e produção, o que freia crescimento e pode exigir estímulos — justamente o que o governo tenta evitar ao apertar o cinto fiscal. “A administração Biden parece estar começando a ouvir o mercado”, observa o relatório. Mas ouvir não é o mesmo que obedecer.
China na linha de fogo
A trégua tarifária é seletiva, e o alvo principal permanece: a China. A escalada de tensões comerciais com o gigante asiático não deve recuar. O BlackRock prevê que as tarifas diminuam o crescimento chinês, mesmo com possíveis estímulos por parte de Pequim. Não é uma guerra fria, mas uma batalha morna, constante, com efeitos de longo prazo.
O novo cenário esboça três frentes tarifárias nos EUA: sanções direcionadas por país (com foco na China), tarifas setoriais para incentivar a reindustrialização doméstica, e uma tarifa universal de 10% sobre a maioria dos produtos importados. Tudo isso configura um protecionismo estrutural, mais ideológico do que pragmático.
Oportunidades no caos
Apesar do alerta geral, a BlackRock vê espaço para tomar algum risco — com cautela. A gestora aumentou sua exposição a ações americanas e japonesas, ampliando seu horizonte tático de três para até doze meses. A explicação? Resiliência da economia dos EUA, força do setor de tecnologia impulsionado pela inteligência artificial, lucros corporativos estáveis e reformas pró-acionistas no Japão.
Outros favoritos do momento: ouro, como proteção contra inflação e incerteza fiscal, e bancos globais, tanto nos EUA (onde se vislumbra possível desregulação) quanto na Europa e no Japão, beneficiados por taxas de juros mais altas e crescimento no crédito.
E a Europa?
No Velho Continente, o clima é de apreensão. A expectativa, segundo o BlackRock, é de que o Banco Central Europeu (BCE) anuncie nesta semana um corte de juros. Antes, o cenário era incerto. Agora, com as tarifas americanas pressionando o comércio global e ameaçando empurrar a Europa para uma recessão, a flexibilização monetária parece inevitável.
Ainda assim, há uma esperança: o aumento dos gastos fiscais pode ajudar a conter os impactos negativos do novo protecionismo americano. Um remendo temporário, mas necessário.
O que vem pela frente
Para o BlackRock, o mais importante agora é observar os “freios” que estão sendo acionados na política comercial dos EUA. A administração parece, enfim, considerar os riscos financeiros e a reação dos mercados. É pouco, mas é algo. E, nesse jogo de forças globais, qualquer sinal de bom senso já muda o tom da narrativa.
A pausa não é paz. O mundo continua em alerta. E o investidor, mais do que nunca, precisa estar preparado para decisões rápidas, reversões bruscas e oportunidades escondidas entre as rachaduras de um sistema que, aos poucos, vai sendo reconfigurado — tarifa por tarifa.
*com informações do BlackRock.





