Enquanto o mundo se arma com tarifas, Brasil e BRICS acionam seu escudo: reservas bilionárias em dólar
Por Ronald Stresser*Na contramão da tensão global desencadeada pelo novo tarifaço do presidente norte-americano Donald Trump, o Brasil assiste ao cenário com menos sobressalto do que se poderia imaginar. Em tempos de guerra comercial — uma guerra de cifras, retaliações e discursos inflamados —, quem tem dólar guardado, tem trunfo. E o Brasil tem.
Com cerca de US$ 370 bilhões em reservas internacionais, o Brasil aparece entre os dez maiores detentores dessa "poupança de emergência" global, de acordo com o Banco Mundial. Não por acaso, o presidente Lula foi direto ao ponto, ao comentar os efeitos da nova ofensiva tarifária norte-americana, no último dia 7, em Cajamar/SP: “Mesmo o presidente Trump falando o que ele quer falar, o Brasil está seguro”, afirmou, confiante no colchão que protege a economia nacional de abalos externos.
Mas o Brasil não está sozinho nesse campo de resiliência. O país faz parte de um grupo que, a cada novo revés do sistema financeiro internacional, se fortalece: o BRICS.
BRICS: uma fortaleza no meio da tempestade
Formado hoje por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Irã, Egito, Etiópia, Emirados Árabes e, em processo de confirmação, a Arábia Saudita, o bloco responde por mais de 40% da população mundial e 37% do PIB global. É, em termos brutos, o grupo de países que mais concentra recursos naturais, reservas de energia e agora, também, reservas cambiais significativas.
A reação coordenada entre China e Brasil — ambos alvos de novas tarifas americanas — foi silenciosa, mas estratégica. Em vez de trocar farpas públicas ou ameaças diretas, o BRICS parece apostar em uma resposta de longo prazo: mais integração, mais comércio em moedas locais, menos dependência do dólar.
“O BRICS tem força material, mas também simbólica”, explica Marta Fernández, diretora do Brics Policy Center. “Representa uma alternativa à forma como o mundo tem sido organizado até agora — uma espécie de voz do sul global que começa a incomodar quem sempre ditou as regras.”
Um novo centro de gravidade
Segundo o Fórum Econômico Mundial, **os BRICS concentram 44% das reservas de petróleo do planeta, 53% do gás natural e mais de 70% das terras raras**, essenciais para a indústria tecnológica. Rússia e Brasil, inclusive, dividem o posto de maiores reservas de água doce do mundo. São dados que, combinados com o peso político e militar — o bloco abriga três potências nucleares —, reposicionam a bússola do poder global.
Em 2014, o grupo criou o **Novo Banco de Desenvolvimento**, com sede em Xangai e atuação crescente no financiamento de projetos sustentáveis no sul global. E, mais recentemente, intensificou o debate sobre uma moeda comum ou, no mínimo, o uso das moedas locais nas trocas comerciais internas — um gesto claro de autonomia em relação à hegemonia do dólar.
“O que o BRICS quer não é derrubar o dólar, mas poder respirar fora dele”, diz Evandro Carvalho, professor da UFF. “É sobre ter o direito de existir comercialmente sem depender das decisões monetárias de Washington.”
O Brasil em meio ao furacão
A nova guerra comercial deflagrada por Trump afeta diretamente as exportações brasileiras — especialmente do agronegócio e do setor metalúrgico. As tarifas de 10% sobre produtos brasileiros e 34% sobre bens chineses podem redesenhar cadeias produtivas inteiras.
Mas o Brasil chega mais preparado a esse cenário do que nas crises passadas. Além das reservas em alta, o país viu nos últimos anos um fortalecimento de sua presença diplomática no BRICS e uma diversificação tímida, mas crescente, de suas relações comerciais fora do eixo EUA-UE.
Em evento recente, Lula reforçou que a estabilidade do Brasil não depende “da China, dos Estados Unidos ou da Argentina, mas dos brasileiros”. E quando diz isso, mira nas reservas que seu próprio governo acumulou: “Nós pagamos a dívida externa brasileira. Fizemos uma reserva de US$ 370 bilhões. Isso segura esse país até hoje contra qualquer crise.”
O futuro é multipolar
Enquanto Washington arma o mercado com tarifas, os BRICS seguem com sua aposta: um mundo menos dependente de um único centro financeiro, mais interligado por interesses comuns — ainda que divergentes — e, sobretudo, mais protegido de choques externos.
Talvez essa seja a nova linguagem do poder em tempos de globalização desgastada: não gritar mais alto, mas saber onde — e quanto — guardar.
*com informações da Agência Brasil e Agência Globo/Valor Econômico.
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