terça-feira, 14 de outubro de 2025

Udine em Chamas de Indignação: quando o estádio vira trincheira e a rua exige banir um governo

Udine virou palco de batalha  - milhares de pessoas saíram às ruas em protesto pró-Palestina durante o jogo Itália × Israel, denunciando o governo Netanyahu e pedindo boicote à participação israelense -  protesto termininou em confronto com a polícia

Por Ronald Stresser — Sulpost

Os protestos nas ruas de Udine, na Itália, neste 14 de outubro - RaiNews

Em frente ao Bluenergy Stadium, milhares saíram às ruas para dizer que não querem que o futebol legitime o que chamam de políticas de violência de Benjamin Netanyahu. A marcha terminou em confrontos, lacrimogêneo, jatos d'água — e perguntas que o esporte não pode mais evitar.

As calçadas de Udine se transformar num palco de guerra política. O que começou como uma marcha pró-Palestina — bandeiras enormes, cartazes, vozes que chamavam por reconhecimento e justiça — acabou, em certas frentes, em choque com a polícia: tentativas de romper cordões, carregas, uso de gás lacrimogéneo e de idranti (jatos d'água) para dispersar parte dos manifestantes.

O protesto que não cabia nas arquibancadas

Era para ser apenas uma partida das eliminatórias para a Copa do Mundo de 2026; tornou-se um ponto de encontro entre memória, dor e exigência política. Da Piazza della Repubblica à Piazza Primo Maggio, a marcha reuniu — segundo estimativas das autoridades locais e reportagens em campo — milhares de pessoas que pediam que "não se jogue com o genocídio" e que a federação nacional de futebol (FIGC) não legitime, com partidas, um Estado denunciado por muitos por práticas violentas.

Havia crianças no colo, idosos com lenços, coletivos estudantis e cidadãos comuns. Havia também a raiva contida de quem trouxe fotos de vítimas, a voz embargada de quem perdeu parentes, e o refrão simples e cortante: "Free Palestine". Entre os cartazes, acusações diretas à FIGC de cumplicidade e apelos para que a FIFA e a UEFA reconsiderem a presença de Israel nas competições internacionais.

Quando a segurança vira cenário

Udine foi cercada: barreiras de concreto, restrições de circulação, bloqueios de ruas, snipers em pontos altos e até drones sobrevoando. O estádio foi transformado em uma ilha de acesso controlado; a seleção israelense entrou por rotas protegidas e sob escolta reforçada. A sensação, para muitos moradores, foi a de uma cidade em estado de alerta.

A presença massiva das forças de segurança não impediu que, em determinados momentos, parte dos manifestantes tentasse furar os cordões e se aproximar do estádio. Nessas frentes localizadas houve arremesso de objetos, bombas de fumaça e a reação das forças: cargas e uso de gás lacrimogéneo, com relatos de feridos e ao menos uma detenção registrada nos relatos locais. A imprensa regional noticiou também o encaminhamento de um jornalista ferido para atendimento.

Vozes, adultas e jovens — e a recusa a reduzir tudo a "hooliganismo"

Entre os que marcharam havia professores, mães e pais, ativistas de direitos humanos, pessoas que até então não participavam de mobilizações, e jovens que perceberam no futebol um palco de visibilidade política. "Não jogamos contra pessoas; jogamos contra políticas", dizia uma das vozes da multidão — uma frase que revela a tensão: muitos manifestantes diferenciam atletas e seleções da responsabilidade política de um governo que, para eles, comanda ações intoleráveis.

Essa distinção é frágil e politicamente carregada. Para as famílias que perderam entes em Gaza, o jogo é um símbolo de normalidade num momento que, na sua visão, normalidade não deve existir. Para as autoridades e parte do público, o esporte deve permanecer espaço de diálogo e paz. Essa colisão de princípios produziu a cena intensa que Udine testemunhou hoje.

O que a cidade deixou de ser — e o que mostrou

Lojas baixaram persianas, ruas foram esvaziadas e o som habitual da cidade, muitas horas, foi um fundo de sirenes e passos. Ainda assim, a praça não se esvaziou de humanidade: havia gente rezando, cantando, chorando. Houve quem organizou uma vigília, houve quem, de forma artística, deixou pinturas e murais como protesto. O ato mostrou que, quando a política exterior encontra empatias profundas e feridas, o futebol deixa de ser um jogo para se tornar um espelho incômodo.

Por que está acontecendo — em poucas linhas

O pano de fundo é uma guerra que deixou milhares de mortos, deslocados e uma sensação de emergência humanitária em Gaza. Grupos e movimentos, no Ocidente, têm organizado boicotes e protestos contra a participação de Israel em torneios, pedindo sanções simbólicas e medidas das instituições esportivas. Em Udine, essa demanda transformou a cidade em palco de um conflito paralelo: enquanto um lado pede suspensão e boicote, outro insiste na separação entre esporte e política.

O que fica

Quando a fumaça do lacrimogéneo baixar e as arquibancadas vazarem, Udine terá guardado a imagem de um dia em que o futebol foi forçado a olhar para além do placar. Restam perguntas que o jogo não resolve: pode o esporte legitimar governos acusados de crimes por organismos e vozes da sociedade civil? A quem pertence a responsabilidade de agir — federações, tribunais internacionais, governos?

Enquanto essas perguntas fervilham, as ruas nos lembram que as batalhas de legitimidade não acabam com o apito final. Em Udine, hoje, a guerra que começou longe encontrou, nas calçadas, sua tradução em indignação pública. E essa indignação pede ser ouvida — não apenas como ruído, mas como aquilo que constrói memória, pressão e, talvez, mudança.

📌 Notícia baseada em apurações e transmissões ao vivo realizadas em 14 de outubro de 2025; informações em fluxo — RaiNews (TGR FVG), Ansa e Corriere della Sera.

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