Gleisi Hoffmann, ministra da Secretaria de Relações Institucionais, lançou uma operação que vai além da contabilidade de votos: é um mapa das fragilidades que atravessam a governabilidade, a economia política e a própria noção de fidelidade parlamentar
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A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann - Evaristo Sá/AFP |
O governo federal anuncia que concluirá, até a próxima semana, um minucioso levantamento sobre as indicações políticas atribuídas a deputados que se afastaram da base durante a votação da Medida Provisória 1303, que tratava do aumento do IOF. A primeira fase já mira 251 parlamentares que votaram pela retirada de pauta; uma segunda etapa avaliará cerca de 60 deputados que se ausentaram da sessão.
Não se trata apenas de nomes e cargos: trata-se de preservação de um projeto político. Na fala pública à imprensa, a ministra Gleisi Hoffmann deixou claro que o governo busca uma resposta institucional — e também simbólica — a uma quebra de confiança que, hoje, revela fissuras regionais e interesses cruzados dentro do Congresso.
O gesto disciplinador
Em Brasília, o pente‑fino é entendido como um gesto disciplinador: mapear indicações significa, na prática, saber quem foi beneficiado — e quem pode deixar de sê‑lo. É uma arma administrativa, mas também um apelo a uma ética mínima de lealdade. Para muitos ministros e caciques de partido, controlar as indicações é ter voz no cotidiano das prefeituras, nas nomeações e, sobretudo, na capacidade de manutenção de alianças.
Mas disciplina nem sempre produz conciliação. Há quem veja na medida uma tentativa de coagir aliados, uma estratégia que, se mal dosada, pode empurrar parlamentares para braços adversos ou incentivar o jogo regional em favor de executivos estaduais.
Bastidores: poder local x projeto nacional
As peças do jogo político que se movem por baixo da mesa têm rostos e territórios. A ministra citou movimentos que teriam contribuído para o arquivamento da MP; do outro lado, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, afirmou que suas ações têm apenas o objetivo de «trabalhar por São Paulo» — declaração que abre um campo de interpretações sobre a disputa entre interesses estaduais e a lógica do governo federal.
O ministro da Fazenda, por sua vez, apontou para uma argumentação que ganhou narrativas na imprensa: que determinadas articulações teriam servido para proteger interesses do mercado financeiro e setores concentrados da Faria Lima. Essa leitura, além de política, é também cultural — impõe à política a imagem parcial de um Brasil governado por interesses econômicos, e não por projetos públicos.
Lealdade, ou a sua ausência
O que significa, hoje, ser leal? Para além do jargão partidário, a lealdade parlamentar é, muitas vezes, um contrato não escrito: apoio em troca de atenção aos projetos apresentados pelo governo, demandas regionais, destinação de emendas, cargos e proteção política. Quando esse contrato é rompido, o governo tenta recompor a confiança com os instrumentos administrativos que possuí — mas a recomposição exige mais: exige conversa, negociação e, sobretudo, compromisso.
Gleisi, no recado público, alternou firmeza e abertura: enquanto anunciou a revisão das indicações, também deixou claro que os 60 parlamentares ausentes terão, se quiserem, oportunidade para o diálogo — uma sinalização de que há margem para reconciliação quando o cálculo político assim o recomenda.
Impactos práticos
Na prática, o pente-fino pode resultar em remanejamentos de indicações, perda de postos administrativos e enfraquecimento de clientelas políticas que se apoiam em nomeações. Para prefeituras e lideranças locais, a alteração de uma indicação reverbera em projetos, contratos e até no cotidiano de serviços públicos.
Mas há também um efeito político imediato: o desconforto público entre o governo e aliados pode engessar movimentos de resistência interna, realinhar bancadas e reforçar alianças regionais — especialmente em estados com poder de fogo legislativo e econômico, como São Paulo.
Análise
O pente‑fino é um gesto que combina vigilância institucional, que exige fidelidade, e uma chamada de atenção política em rede nacional. A recomposição mostra o poder da ministra Gleisi Hoffmann, que ao mesmo tempo em que busca disciplinar, sinaliza ao eleitor, aos partidos e à população em geral que o governo continuará a fiscalizar a lealdade ao projeto de governo do PT.
A operação é também uma aposta: a de que disciplina administrativa e negociação política podem, juntas, recuperar a base sem abrir mão de legitimidade.
Mas essa aposta tem riscos. Se interpretada como retaliação ou caça a inimigos, pode aprofundar rancores e minar coalizões. Se conduzida com diálogo e transparência, pode reconduzir ao centro atores que se desviaram do projeto coletivo. Em ambos os casos, o que está em jogo é a capacidade do Executivo de — mais uma vez — transformar dissenso em governabilidade.
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