Catadores invisíveis, reciclagem essencial: os pilares esquecidos da grande mídia que sustentam a economia verde no Brasil
Por Ronald Stresser | SulpostDebaixo do sol escaldante ou enfrentando a garoa fina das madrugadas brasileiras, eles estão lá — puxando carrinhos improvisados, revirando lixeiras, separando, com mãos calejadas, aquilo que muitos jogam fora sem pensar duas vezes. Os catadores e catadoras de materiais recicláveis são, sem exagero, os verdadeiros alicerces da economia verde no Brasil. Invisíveis para boa parte da sociedade, são eles quem, todos os dias, sustentam o que há de mais promissor na indústria da sustentabilidade: a reciclagem.
No Brasil, a coleta seletiva ainda engatinha. Apesar de avanços importantes nos últimos anos, a separação de resíduos nas casas continua sendo um desafio. Dados recentes do Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos (Sinir) mostram que, das 877 mil toneladas de embalagens de vidro colocadas no mercado, 221 mil toneladas retornaram para a reciclagem. Isso significa uma taxa de reciclagem de 25,1% — um salto significativo em relação aos tímidos 11% registrados há apenas cinco anos.
Mas esse avanço não é fruto do acaso. Ele tem nome, rosto e história. É o resultado direto do trabalho incansável das cooperativas e dos catadores e catadoras, que mesmo em condições precárias e sem reconhecimento, são responsáveis por grande parte dos resíduos que chegam ao ciclo da reciclagem. São eles que garantem que toneladas de papelão, plástico, alumínio e vidro tenham uma nova chance — poupando recursos naturais, evitando poluição e movimentando a roda da economia circular.
Um futuro embalado em vidro
Um marco importante para o setor foi o Decreto nº 11.300, de 21 de dezembro de 2022 — o primeiro no país a incentivar a logística reversa, começando pelas embalagens de vidro. A norma estabelece metas ambiciosas: até 2032, as fabricantes deverão utilizar pelo menos 40% de vidro reciclado em sua produção. Para atingir essa meta, muitas indústrias já se movimentam. Novos fornos estão sendo instalados em estados como Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul.
Esses investimentos fazem parte de uma mudança estrutural alinhada à política da Nova Indústria Brasil (NIB), lançada pelo governo federal. A NIB se ancora em três pilares fundamentais: não geração de resíduos e poluição; circulação de materiais em seus mais altos valores; e regeneração da natureza. Em resumo, trata-se de produzir, consumir e reciclar de maneira inteligente — e, sobretudo, humana.
Os invisíveis da linha de frente
Apesar de toda essa movimentação no topo da cadeia, a base ainda sangra. A realidade dos catadores é marcada pela informalidade, pela insalubridade e pela ausência de garantias mínimas de trabalho. Muitos ainda sobrevivem com a venda direta do material coletado, sem acesso a cooperativas ou políticas de fomento. Mesmo assim, são eles quem garantem, na prática, o funcionamento da reciclagem no país.
“Quando a gente fala em reciclagem no Brasil, estamos falando, antes de mais nada, da força de vontade de milhares de homens e mulheres que carregam nas costas esse sistema”, relata Simone da Silva, integrante de uma cooperativa em Curitiba (PR). “Mas o reconhecimento ainda não vem. É como se a gente fosse parte do lixo, e não da solução.”
Simone não está sozinha. O Brasil possui cerca de 800 mil catadores e catadoras, segundo estimativas de organizações do setor. Uma força de trabalho vital para o meio ambiente e para a indústria, mas que segue à margem das políticas públicas e da proteção social. Eles são o elo entre o descarte irresponsável e a reinserção do resíduo na cadeia produtiva — um elo frágil, mas fundamental.
Um país com potencial, mas que precisa acordar
Para que o Brasil se torne uma referência em reciclagem, é urgente superar barreiras estruturais. É preciso ampliar a coleta seletiva com investimento público, fomentar o uso de tecnologias inovadoras, melhorar a infraestrutura das cooperativas e, acima de tudo, valorizar quem faz o trabalho acontecer. Isso inclui reconhecer os catadores como trabalhadores formais, garantir acesso a direitos básicos e promover campanhas educativas que envolvam toda a sociedade.
A mudança começa dentro de casa — com a separação correta dos resíduos, com o apoio à coleta seletiva e com o respeito por quem trabalha com dignidade em meio ao que muitos descartam. A descrença de parte da população na efetividade do sistema precisa ser enfrentada com transparência, informação e engajamento coletivo.
A reciclagem, afinal, não é apenas um processo industrial. É um pacto ambiental e social. E nesse pacto, os catadores e catadoras não podem mais ser tratados como invisíveis. São eles que seguram, com suas mãos marcadas de luta, a esperança de um Brasil mais verde, mais justo e mais sustentável.
📌 Matéria produzida para o blog Sulpost. Fontes: Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos (Sinir), Decreto 11.300/2022, Nova Indústria Brasil (NIB), entrevistas com cooperativas e catadores de materiais recicláveis.
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