Curitiba e Raul Seixas: uma cidade que canta alto quando o mundo silencia no aniversário do rockeiro mais famoso da nossa história
Por Ronald Stresser | Sulpost
Quando o mundo parece repetir suas guerras em looping, quando as notícias soam como reprises de tragédias já assistidas, o rock ressurge como um grito. Não de desespero, mas de resistência. E se há um solo fértil onde esse grito ecoa mais forte no Brasil, é Curitiba.
Sim, é oficial: a capital paranaense foi reconhecida, por lei municipal, como a “Cidade mais Rock and Roll do Brasil”. Mas para entender o que isso significa de verdade, é preciso ir além das guitarras distorcidas e dos palcos iluminados — é preciso voltar à essência do rock como linguagem de liberdade. E nesse caminho, inevitavelmente, se encontra Raul Seixas.
Porque se Raul ainda vivesse, ele provavelmente começaria dizendo que essa história não começou em 2025. Nem com as leis recém-aprovadas que colocaram o Dia do Rock no calendário curitibano (13 de julho) ou que batizaram a cidade com o título mais roqueiro do país. Essa história começou muito antes, cada vez que alguém ousou desafinar com o sistema, vestir preto numa manhã cinza ou cantar bem alto que não era escravo de ninguém.
Raul dizia que "sonho que se sonha só é só um sonho, mas sonho que se sonha junto é realidade". E Curitiba, com seus 80 bares dedicados ao rock, centenas de estúdios e estabelecimentos temáticos, transformou o sonho coletivo de ser referência no gênero em uma realidade registrada no Diário Oficial. Não por vaidade, mas por pertencimento. Porque o rock aqui nunca foi apenas música — foi maneira de pensar, agir e reagir. Em Curitiba o rock não é apenas um estilo musical, é estilo de vida.
A ideia de oficializar esse título partiu da própria população, por meio do Banco de Ideias Legislativas. Sabrina Matos e Marcelus dos Santos, vocalista da banda Motorocker, fizeram o que Raul faria: usaram as ferramentas disponíveis para transformar provocação em política cultural. O projeto ganhou apoio de vereadores e foi sancionado em dezembro de 2024 pelo ex-prefeito Rafael Greca. Desde então, Curitiba é, por direito municipal, a cidade mais rock and roll do Brasil.
Mas o que isso quer dizer para quem não veste jaqueta de couro ou não conhece os solos de guitarra de cor? Tudo.
Porque o rock é mais do que estética. É um estado de espírito. É sobre viver com coragem em tempos de medo. É sobre questionar quando todos obedecem. É sobre lembrar que "preferia ser essa metamorfose ambulante" num mundo que insiste em fórmulas fixas e respostas prontas. E nesse sentido, Raul Seixas continua mais atual do que nunca — e Curitiba, talvez sem querer, se torna a sua cidade-espelho.
A escolha do dia 13 de julho como Dia do Rock, também sancionada por lei municipal, não é por acaso. A data remete ao Live Aid, festival histórico que, em 1985, mostrou ao mundo que o rock podia salvar vidas, arrecadar fundos, unir nações e desafiar a indiferença. O mesmo espírito que faz com que cada show em Curitiba — de bandas locais aos gigantes como Metallica, AC/DC e Iron Maiden que em anos recentes da nossa história lotaram o Couto Pereira — não seja apenas entretenimento, mas parte de algo maior: um movimento.
O movimento de quem não se conforma. De quem, como Raul, cantava contra a ditadura e por um mundo mais justo, usando a música como instrumento de lucidez. Um movimento que pulsa no concreto das ruas curitibanas, ecoa nos amplificadores e vibra nos corações de quem ainda acredita que "o tempo é uma escola onde aprendemos a viver".
Curitiba não precisa de uma lei federal para ser capital do rock. Porque, na prática, ela já é. Ela vive o rock. E talvez por isso combine tanto com Raul Seixas — ambos são intensos, autênticos, inconformados. O rock faz uma ligação nacional que mostra laços do Paraná com a Bahia, onde Raul nasceu e com o Pará onde surgiu a primeira banda de Heavy Metal do país.
Rockeiros e metaleiros sabem que o rock não é uma moda passageira: é a resposta constante de uma tribo imensa quando o mundo se pergunta para onde foi a alma das coisas e a humanidade das pessoas.
E no meio do caos, da pressa, das guerras e dos algoritmos, Curitiba continua cantando. Com suas guitarras, seus bares, seus rebeldes pacíficos. Com suas leis que reconhecem que arte também é economia, que cultura também é futuro.
Canta porque, como Raul, ela também sabe: "não diga que a canção está perdida… tenha fé na vida, tenha fé no rock, e cante, outra vez". Cante alto porque, ao menos no Brasil, o rock não morreu e o sonho não acabou.
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