O segundo mandato de Trump e o susto nos mercados globais: tarifa, tensão e um erro de cálculo com a China
Por Ronald Stresser | SulpostNão foi uma surpresa para ninguém que o segundo mandato de Donald Trump traria turbulência ao cenário internacional. Mas o que muitos não previam era o grau de instabilidade que suas decisões econômicas – sobretudo no tocante à guerra tarifária contra a China – causariam no coração do capitalismo global: nos mercados financeiros e no mundo corporativo internacional.
Em Wall Street, o clima já não é apenas de cautela, mas de um espanto crescente. CEOs, investidores e analistas do mercado expressam, ainda que em sussurros, uma frustração quase silenciosa com o presidente que muitos viram como um defensor do “business first”. A promessa de proteger a indústria americana parece ter cruzado uma linha invisível e agora ameaça comprometer as engrenagens que mantêm o sistema financeiro global girando: as cadeias de suprimentos integradas e, sobretudo, a interdependência tecnológica com a China.
Tarifaço que mirou a China, mas acertou aliados
A decisão mais recente do Departamento de Comércio dos EUA, que revogou isenções para gigantes como a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company, Samsung Electronics e SK Hynix, foi um alerta. O envio de equipamentos de fabricação de chips norte-americanos para fábricas na China continental agora enfrenta novas barreiras, uma tentativa clara de dificultar a modernização da indústria chinesa de semicondutores.
Mas o que se desenha nos bastidores é um quadro de frustração crescente também entre aliados econômicos dos Estados Unidos. O impacto dessas decisões não recai apenas sobre Pequim, mas sobre as operações das próprias multinacionais que, nos últimos anos, ampliaram consideravelmente sua presença em território chinês. O motivo? A China se tornou insubstituível.
Segundo artigo publicado pelo Global Times, mídia estatal chinesa, “Washington subestimou a importância da China continental para as receitas e cadeias de suprimentos dessas empresas”, cometendo um erro de cálculo estratégico ao tentar frear, por meio de sanções unilaterais, uma engrenagem que já gira por inércia de mercado e avanço tecnológico.
Jogo perigoso com chips e terras raras
Na essência, os Estados Unidos tentam vincular o licenciamento de tecnologia para fabricação de chips aos controles de exportação de terras raras, matérias-primas das quais a China é uma das principais fornecedoras globais. O movimento, no entanto, parece estar criando mais atrito do que resultado.
As dificuldades logísticas causadas por essas medidas – como as limitações na atualização de equipamentos nas fábricas chinesas – aumentam os custos operacionais para empresas ocidentais. Uma punição que, na prática, mira o gigante asiático, mas compromete a própria eficácia das corporações ocidentais, que hoje dependem profundamente da produção chinesa para manter seus cronogramas e faturamentos.
A tentativa de Washington de empurrar as empresas para fora da China também ignora uma realidade dura: deslocar estruturas de produção complexas e maduras custa tempo, bilhões de dólares e, mais do que isso, representa riscos operacionais e geopolíticos ainda maiores.
Mercado reage com desconfiança
Enquanto isso, o mercado dá sinais de desacordo com a política de confrontação. A NVIDIA, uma das líderes mundiais em tecnologia gráfica, continua a lançar unidades de processamento específicas para o mercado chinês, driblando as sanções com criatividade e deixando claro que a realidade da cadeia produtiva não se curva facilmente a decretos presidenciais.
A mensagem é clara: o mercado reconhece que, em termos de escala, eficiência e alcance, o setor industrial chinês é simplesmente insubstituível. E tentar isolá-lo é mais uma aposta de alto risco do que uma estratégia de longo prazo.
“O endurecimento das políticas econômicas do Trump está assustando até os que apoiaram ele no passado”, comentou um gestor de fundos da Bolsa de São Paulo, que pediu para não ser identificado. “Não se governa um mundo globalizado com base em cálculos simplistas. Os CEOs sabem disso. Os investidores estão começando a perceber.”
A corda bamba entre protecionismo e pragmatismo
No centro desse redemoinho está uma contradição crescente: o presidente que prometeu prosperidade e crescimento começa a ser visto como o artífice de um cenário de incerteza e retração. Empresas antes entusiasmadas com uma agenda de desregulamentação e cortes de impostos agora se veem tentando sobreviver a um ambiente hostil, com fronteiras comerciais fechando e alianças sendo testadas.
O segundo mandato de Trump, ao que tudo indica, não será lembrado apenas pelas suas bravatas ou sua retórica inflamável. Está se desenhando como uma era em que os mercados perceberam, da forma mais dolorosa possível, que decisões políticas impensadas podem corroer até mesmo os alicerces mais sólidos do capitalismo moderno.
E nesse jogo de xadrez em que as peças são cadeias de suprimento, chips e interesses globais, o xeque-mate talvez não venha da Casa Branca, mas do próprio mercado, que segue se adaptando – com ou sem Washington.
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