Ventos de mudança: mesmo com prejuízos, energia eólica ganha força no Brasil e liga a chave de um futuro sustentável para o país
Por Ronald Stresser | SulpostParque eólico no município de Caetité (BA) - Letras Ambientais |
No sertão castigado pelo sol e banhado por ventos constantes, gigantes de aço desenham no horizonte uma nova esperança para o futuro energético do Brasil. Em meio aos desafios econômicos e à logística complexa do setor elétrico, a energia eólica tem se erguido com resiliência, como um símbolo da transição para um modelo mais limpo e sustentável — mesmo navegando, por ora, em mares de prejuízos e recuperações judiciais.
A trajetória do setor, que movimenta atualmente 40% de todas as fusões e aquisições no país em 2025 (um montante estimado em R$ 120 bilhões), é marcada por um paradoxo intrigante: cresce a passos largos, impulsionado por investimentos robustos e projeções otimistas, ao mesmo tempo em que lida com uma estrutura regulatória que ainda engatinha para acompanhar a velocidade dos dínamos e das turbinas.
Um país impulsionado pelos ventos
Hoje, o Brasil ocupa a 5ª posição no ranking mundial de capacidade instalada de energia eólica onshore, segundo o Global Wind Energy Council (GWEC). São milhares de turbinas espalhadas sobretudo pelo Nordeste, onde os ventos constantes e previsíveis garantem alta eficiência na geração. Mas, ao contrário do que muitos pensam, a expansão desse setor não significa lucros imediatos.
As usinas eólicas, por não contarem com armazenamento próprio, precisam seguir ordens do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que regula a produção de acordo com a demanda do país. Isso significa que, muitas vezes, mesmo podendo produzir energia, os parques são obrigados a parar suas turbinas, acumulando prejuízos com contratos não cumpridos e energia que não chega a ser vendida.
“É como produzir alimentos em larga escala e ser impedido de entregá-los porque o mercado só aceita pedidos limitados”, resume um engenheiro do setor que atua no Nordeste.
Ventos que movem bilhões
Ainda assim, os olhos das gigantes da energia permanecem fixos no Brasil — e com razão. A matriz elétrica brasileira é uma das mais limpas do planeta: mais de 80% da energia gerada vem de fontes renováveis, e a meta é chegar a 95% até 2030. Incentivos fiscais, leilões de transmissão e a urgência climática mundial aqueceram o mercado e acenderam o farol dos investimentos.
A Engie Brasil Energia, uma das maiores companhias privadas do setor, anunciou um plano ambicioso de R$ 11,6 bilhões em aportes entre 2025 e 2027. Só no primeiro trimestre de 2025, foram R$ 1,1 bilhão investidos. O foco? Ampliar sua presença nos parques eólicos, solares e em sistemas de transmissão, além de concluir a aquisição de ativos hidrelétricos.
No Ceará, o Conjunto Eólico Trairi, operado remotamente a partir da sede da empresa em Florianópolis, simboliza esse novo tempo. Lançado em 2014 e composto por 50 turbinas da Siemens com 80 metros de altura, o parque é um colosso que transforma o vento do litoral em eletricidade para milhares de brasileiros. E ele não está só: somado a outros parques da Engie no Nordeste e na Bahia, a capacidade de geração da empresa em energia eólica chega a 2,3 gigawatts (GW) — quase uma Itaipu feita de vento e sol.
Ao todo, a Engie tem 116 usinas no Brasil, com capacidade de geração própria de 13 GW, o que representa cerca de 6% de toda a capacidade instalada no país.
Déficit passageiro, futuro promissor
Apesar das perdas atuais causadas por restrições de despacho do ONS, o setor caminha com fôlego renovado. Projeções recentes, que indicavam uma recuperação significativa em 2026, foram revistas para 2027, mas sem abalar o otimismo. Com os bilhões prometidos para 2025 e o aumento constante de fusões e aquisições, as apostas voltam a crescer — e com elas, a confiança de que o país finalmente vai destravar o potencial de sua vocação renovável.
“Trabalhamos hoje com prejuízo, mas construindo um sistema mais limpo e resiliente para as próximas décadas. É um investimento no planeta, não só no lucro”, afirma um executivo da Engie em entrevista recente à EXAME.
Estrada para o futuro
A transição energética não é mais uma tendência, é um compromisso com o futuro do nosso planeta. O Brasil, com sua geografia privilegiada e sua matriz elétrica já majoritariamente renovável, tem tudo para liderar essa revolução — desde que haja regulação que acompanhe o ritmo da inovação, bem como incentivos fiscais e linhas de crédito especiais.
Se os ventos continuam soprando com força nos campos eólicos do Nordeste, eles também carregam um recado urgente: a energia do futuro está aqui, mas precisa de infraestrutura, visão de longo prazo e vontade política para deixar de ser promessa para o futuro e se tornar a potência de agora.
Em tempos de crise climática global e cobrança por responsabilidade ambiental, o Brasil tem nas mãos — e nos ventos — a chance de ser farol. Que o país saiba escutar o som dessas hélices girando. São cataventos que sussurram esperança para todos.
- Com informações do Global Wind Energy Council (GWEC), EXAME, Engie Brasil Energia, Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Reportagem: Ronald Stresser | Sulpost
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