sábado, 28 de junho de 2025

De herói a investigado: investigações encontram menções a Moro na operação que revelou fraudes contra aposentados

Do sonho de heróis à sombra da suspeita: menções a Moro e Onyx na operação que revelou fraudes contra aposentados

Por Ronald Stresser | Sulpost

 
Marcelo Camargo/Agência Brasil
 

No silêncio das filas do INSS, onde milhares de aposentados esperam por seus direitos com documentos nas mãos e esperança nos olhos, uma ferida se abre — discreta, profunda e cruel. Ela se chama “fraude associativa”, e atingiu os mais vulneráveis como um golpe certeiro no coração da dignidade. Agora, a investigação da Polícia Federal, batizada de “Operação Sem Desconto”, sobe os degraus do poder: chega ao Supremo Tribunal Federal com nomes de peso no centro das suspeitas. Entre eles, o senador Sergio Moro e o deputado e ex-ministro Onyx Lorenzoni.

Ambos negam qualquer envolvimento direto. Mas as menções a seus nomes em documentos da PF — ainda que sob reserva ou sem prova material conclusiva — são suficientes para transformar a narrativa. Não é apenas um escândalo de cifras desviadas do INSS. É um espelho trincado da própria história recente do país.

As vítimas: aposentados e pensionistas

A dor começa nos extratos bancários. Pequenos descontos, de R$ 20, R$ 30, R$ 50 por mês. Valor que, para muitos, representa o arroz do mês ou o medicamento essencial. Eles vinham de associações supostamente assistenciais, que jamais haviam sido autorizadas pelos segurados. Um esquema que, segundo a PF, se sofisticou ao ponto de operar com o aval de acordos de cooperação firmados durante a gestão de Onyx Lorenzoni no Ministério do Trabalho e Previdência (2021–2022).

Essas entidades, como a Amar Brasil, obtinham autorização para debitar mensalidades diretamente da aposentadoria dos cidadãos — um mecanismo legal que virou armadilha. A PF apurou que, por trás desses convênios, havia verdadeiros balcões de negócios, com intermediações políticas, favorecimentos e blindagens institucionais.

Conexões políticas: padrão que se repete?

As coincidências saltam aos olhos. Em 2019, o Brasil já assistia, atônito, ao plano da “lava jato” de criar uma fundação privada — de R$ 2,5 bilhões — para administrar recursos oriundos de acordos com a Petrobras. O projeto foi barrado pelo Supremo, mas revelou algo mais grave: uma visão paralela de Estado, onde promotores e juízes, em nome do combate à corrupção, passavam a gerir dinheiro público como se fosse de uma ONG própria.

Agora, o inquérito do INSS revela uma possível reedição desse modelo. Segundo a Polícia Federal, as mudanças promovidas por Sergio Moro no Ministério da Justiça, ainda em 2019, teriam fragilizado a atuação dos sindicatos tradicionais e aberto espaço para o avanço das entidades fraudulentas. Um “ajuste institucional” que pode ter sido a gênese do que viria a ser um dos maiores golpes contra aposentados na história recente do país.

O nome de Moro surge nos documentos da PF como figura que, em sua gestão, teria facilitado a proliferação dessas entidades ao modificar a regulação das cartas sindicais. Um movimento que, para o advogado e delator Rodrigo Tacla Duran, se deu por meio da “negociação espúria” dessas permissões.

As reações: negativas públicas e silêncio estratégico

Sergio Moro, em nota, repudiou o que chamou de “insinuações irresponsáveis”, afirmando que jamais tratou de contribuições associativas enquanto ministro e que não há qualquer vínculo entre sua atuação e os convênios suspeitos. Onyx Lorenzoni, por sua vez, confirmou ter recebido uma doação de campanha de um intermediário da Amar Brasil — mas disse não conhecer o doador e chamou de “fantasiosa” a versão da PF.

Ambos alegam “consciência tranquila”. Mas a tranquilidade parece não encontrar eco nas instituições. O ministro Dias Toffoli, do STF, centralizou as apurações, considerando a gravidade das menções e a necessidade de preservar a investigação de interferências políticas ou fragmentações judiciais.

Do lava-jatismo à crise previdenciária: um ciclo que não se fecha

A presença de Sergio Moro entre os citados na “Operação Sem Desconto” representa mais do que uma ironia do destino. Para muitos analistas, é o fechamento simbólico de um ciclo iniciado em 2014, quando ele se projetou nacionalmente à frente da operação “lava jato”. Uma cruzada anticorrupção que, aos poucos, perdeu o brilho do heroísmo e passou a carregar o peso de decisões controversas, acordos bilionários sob suspeita e, agora, acusações que tocam a ética de sua trajetória.

Em setembro de 2023, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já havia lançado luz sobre o “laboratório Curitiba”. Um relatório da corregedoria apontou conluio entre magistrados e procuradores, gestão irregular de recursos e tentativas de desviar bilhões para fins privados. Em abril de 2024, o diagnóstico foi claro: a força-tarefa da lava jato desviou sua finalidade pública. Agora, parte desses protagonistas está de volta às manchetes — desta vez, como alvo das investigações.

Epílogo de um Brasil cansado

Aos olhos de muitos brasileiros, a esperança de um país passado a limpo se dissolveu em relatórios, delações e decisões judiciais. As fronteiras entre justiça e projeto pessoal, entre combate à corrupção e abuso de poder, tornaram-se indistintas. E quem deveria proteger os vulneráveis — como os aposentados e pensionistas do INSS — pode ter, no mínimo, falhado em impedir que fossem explorados.

Há uma ferida institucional aberta. E ela exige mais do que culpados: requer verdade, responsabilização e um novo pacto de integridade. Porque não é apenas sobre Moro ou Onyx. É sobre os caminhos que o Brasil ainda precisa trilhar para que o poder sirva à população — e não a si mesmo.

Com informações da Agência Estado / UOL, Conjur e CNJ.

Sulpost – Reportagens que atravessam a superfície.

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