Quando a memória falha, o extremismo vence: a Alemanha à beira de repetir a história que jurou nunca mais viver
Por Ronald Stresser*
No início do ano, em meio ao frio cortante do fim do inverno europeu, os sorrisos largos e os aplausos entusiasmados que ecoavam da sede da AfD em Berlim soavam estranhamente fora de lugar. Como se a história tivesse sido esquecida, apagada ou pior: perdoada.
No coração da Alemanha, um país que um dia jurou “nunca mais” após o horror do Holocausto, a extrema-direita voltou a ganhar força. E, assustadoramente, não é pouca.
Com 20,8% dos votos nas eleições federais antecipadas, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) não apenas dobrou sua presença no Parlamento em relação a 2021 — como também atropelou nomes históricos da política alemã, como os social-democratas de Olaf Scholz e os Verdes.
A legenda de ultradireita agora ocupa o segundo lugar no cenário político do país. Um feito que, mais do que estatístico, é simbólico. E profundamente perturbador. Porque ele não representa apenas uma mudança de forças no tabuleiro eleitoral, mas a confirmação de que ideias antes vistas como inaceitáveis — racistas, autoritárias, excludentes — voltaram a ser legitimadas nas urnas. Na Alemanha. No berço do nazismo.
O crescimento das ideologias extremistas, baseadas na xenofobia, na repetição incansável de mentiras e na hipocrisia, que muitos acreditavam ter sido enterradas com os nazistas, volta a rondar o presente com uma força que não pode ser subestimada.
O fantasma do nazismo
Fundado em 2013 como um partido eurocético, o AfD se radicalizou após a crise migratória de 2015. Hoje, muitos de seus diretórios são monitorados por serviços de inteligência, devido às fortes ligações com a torpe e cruel ideologia, de caráter nazifascista, da extrema direita. Não é por acaso. Seus discursos inflamados contra imigrantes, seguidores do islamismo, refugiados, minorias e pessoas em situação de vulnerabilidade social ecoam os velhos chavões nacionalistas, xenófobos e excludentes que precederam os horrores do nazismo de Adolf Hitler.
O mais inquietante é que essa retórica não ressoa apenas entre os mais velhos, ou ressentidos. Na eleição de 2024, a AfD foi a legenda mais votada entre os jovens de 16 a 24 anos em Brandemburgo.
Que juventude é essa que, a despeito das cicatrizes da Segunda Guerra Mundial, vê esperança em ideologias que pregaram o ódio, o racismo e a morte em escala industrial?
A ideologia distorcida que choca o mundo livre
A ascensão da ultradireita na Alemanha não é um caso isolado. De Trump a Bolsonaro, de Le Pen a Javier Milei, o extremismo conservador tem se enraizado em democracias fragilizadas por desigualdades sociais, crises econômicas e uma avalanche de desinformação.
É preocupante ver que, até bilionários com megafones globais como Elon Musk e figuras do governo americano como o vice-presidente J.D. Vance, que teoricamente deveriam ter uma capacidade intelectual mais humdnizada, necessária aos negócios e à política, estão abertamente endossando o AfD.
Tudo isso parece demonstrar nada mais que uma tentativa cínica de manipular o medo entre as massas, semeando o caos político no coração da Europa. Não é coincidência, não é obra do acaso ou apenas resultado da indignação popular, isso é método, é propaganda.
O risco não é hipotético. É histórico
A Alemanha já viu onde esse caminho leva. A Itália também. Hitler e Mussolini chegaram ao poder pelas urnas, com discursos semelhantes de resgate da “grandeza nacional”, ataques à imprensa, perseguição a minorias e manipulação da verdade.
Quando a sociedade daquela época percebeu o erro, já era tarde demais. Dezenas de milhões estavam mortos. Países inteiros foram totalmente arrasados. A humanidade ficou marcada para sempre pelos horrores da Segunda Guerra Mundial.
A resposta precisa vir através da educação, da arte e da memória
Mais do que barrar o AfD nas urnas, a Alemanha e o mundo precisam reimaginar urgentemente seus projetos educacionais, culturais e comunitários. As escolas devem ensinar com honestidade brutal o horror que foi o nazismo. Os jovens precisam visitar memoriais, ouvir sobreviventes, ler Primo Levi, assistir “Shoah” e “A Vida é Bela”, debater Hannah Arendt...
A cultura não pode ser tratada como supérflua; ela é a única vacina, o remédio contra o esquecimento e único antídoto que pode ser aplicado em larga escala contra o fanatismo.
Além do mais, é preciso proteger todo e qualquer espaço público, seja ele físico ou virtual, da desinformação. É inaceitável que redes sociais e plataformas digitais continuem sendo usadas para propagar ódio, mentiras e teorias conspiratórias totalmente irresponsáveis, sem qualquer responsabilização não apenas dos usuários, mas também das plataformas que têm obrigação de moderar as postagens. O futuro da democracia depende de um ecossistema de informação saudável, plural e ético. O discurso de ódio não pode ser visto como liberdade de expressão.
A democracia parece estar em transe, mas ainda há tempo para despolarizar e despertar a humanidade. O ser humano precisa voltar a ser humano.
O avanço do partido extremista AfD é um alerta que grita para todos nós: mesmo na Era da Informação, não há democracia garantida. O que está acontecendo na Alemanha não é um acidente, não é obra do acaso. É fruto de uma lenta erosão de valores, confiança e diálogo. E isso pode acontecer em qualquer lugar — inclusive aqui, no Brasil.
É hora de falar com coragem, educar com urgência e agir com lucidez. O extremismo não se derrota apenas com votos: derrota-se com consciência, empatia e humanidade. Porque sempre que o fascismo volta a crescer, é a humanidade inteira que volta a sangrar. Todo povo que não tem o conhecimento, e não cria a consciência plena a respeito dos erros de seu passado, pode estar fadado a repetí-los.
*com informações da Deutsche Welle.
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