Com cardeais de 70 países reunidos no Vaticano, Igreja vive momento de inflexão e expectativa cresce por consenso no segundo dia de votação
Por Ronald Stresser*Reprodução/Vatican News |
O segundo dia do conclave que escolherá o novo papa amanheceu com a fumaça preta, símbolo inconfundível de que os 133 cardeais ainda não chegaram a um consenso. Ela surgiu no céu de Roma pouco depois das 6h50 (horário de Brasília), 11h50 no horário local, saindo da chaminé da Capela Sistina com a precisão quase ritual de quem compreende o peso do momento. A quarta rodada de votações está prevista para o período da tarde, após a pausa tradicional para o almoço e o descanso dos cardeais — por volta das 7h30 em Brasília.
Com os votos ainda fragmentados e um número recorde de nacionalidades envolvidas — 70 países representados —, a eleição avança em clima de expectativa e busca. "É o momento de esquenta, como dizem os vaticanistas. Os primeiros escrutínios servem mais para sentir o ambiente e testar os nomes em jogo do que para decidir", resume um observador próximo ao processo.
Comunicação e pluralidade desafiam o consenso
A diversidade, embora vista como força simbólica do catolicismo global, também impõe seus próprios desafios. Muitos cardeais não falam italiano — a língua franca do Vaticano — e recorrem ao inglês para se comunicar nas pausas entre as votações. O ritmo do conclave, portanto, vai sendo aos poucos assimilado, em meio a gestos, olhares e conversas discretas nos corredores da Casa Santa Marta, onde todos permanecem hospedados, isolados do mundo exterior.
A pluralidade de perfis entre os cardeais mais citados revela não só as diferentes correntes dentro da Igreja, mas também os rostos, histórias e sensibilidades que se apresentam como possíveis herdeiros de Francisco. Há, por exemplo, o francês Jean-Marc Aveline, nascido na Argélia, cuja trajetória marcada pelo diálogo inter-religioso ecoa os desafios de um mundo cada vez mais plural. O húngaro Péter Erdő representa o pensamento mais conservador, com sólida formação teológica e longa experiência pastoral. Já o maltês Mario Grech, hoje secretário-geral do Sínodo dos Bispos, tornou-se uma espécie de ponte entre alas tradicionalistas e progressistas, num esforço constante de escuta e conciliação.
Também ganham força nomes como o espanhol Juan José Omella, arcebispo de Barcelona, conhecido pela humildade e pela defesa firme das causas sociais; o italiano Pietro Parolin, há anos à frente da diplomacia vaticana e considerado por muitos como o “vice-papa” pelo peso institucional que carrega; e o filipino Luis Antonio Tagle, carismático, popular nas periferias do mundo católico e apelidado de “São Francisco da Ásia” por seu estilo próximo do povo e compromisso com os mais pobres.
Há ainda menções ao africano Peter Turkson, conhecido pelo protagonismo nas questões climáticas, e ao italiano Matteo Zuppi, muito próximo do estilo pastoral de Francisco.
Tempo e simbolismo: uma corrida contra a indefinição
A fumaça branca, sinal da eleição de um novo papa, pode sair ainda hoje. Se alguém alcançar os dois terços necessários — pelo menos 89 votos — logo no primeiro turno da tarde, ela deve aparecer por volta das 11h30 (horário de Brasília), 17h30 em Roma. Caso não haja definição, os cardeais seguem para o segundo turno, com nova expectativa de fumaça às 14h30 de Brasília (19h30 local).
O tempo, aqui, é mais do que um cronograma — é também mensagem. No conclave de 1978, que elegeu João Paulo II, os favoritos se neutralizaram, abrindo espaço para um nome inesperado: o cardeal Karol Wojtyła, de Cracóvia. “Muitas vezes os favoritos abrem caminho para o surgimento de um nome de consenso”, comenta um historiador da Igreja. "É a lógica do Espírito Santo, que sopra onde quer — mas também da política interna e das urgências da época."
Unidade dinâmica
O Vaticano, embora se cerque de protocolos e tradições seculares, conhece o valor do gesto. Se possível, prefere uma decisão rápida, como sinal de unidade. Mas não qualquer unidade. Como disse um dos clérigos envolvidos, “é uma unidade dinâmica, construída no diálogo, na escuta e na abertura”.
Enquanto o mundo observa, entre silêncios e suposições, o coração da Igreja Católica pulsa em busca de um nome que traduza seu tempo — e seu futuro. A fumaça, branca ou preta, será apenas o reflexo visível de algo muito mais profundo.
*com informações do Vatican News.
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