segunda-feira, 26 de maio de 2025

"Amizade" em tempos de guerra: o voto do PT que parece contradizer o próprio manifesto

Por que, em pleno massacre na Faixa de Gaza, senadores petistas decidiram aprovar o Dia da Amizade Brasil-Israel?

Por Ronald Stresser, para o blog Sulpost.

 
Rogério Carvalho, líder da bancada do PT no Senado, votou favorável ao projeto
Jane de Araújo/Agência Senado e UNRWA under CC BY-SA 4.0
 

Era uma tarde morna em Brasília, daquelas em que a política parece caminhar em piloto automático. Sem debates acalorados, sem discursos inflamados, os senadores foram passando as pautas do dia como quem risca itens de uma lista. E foi nesse clima morno que, sem votação nominal e longe dos holofotes, aprovou-se um projeto curioso: a criação do Dia da Amizade Brasil-Israel, marcado para 12 de abril. À primeira vista, parecia apenas mais uma data simbólica, daquelas que quase ninguém anota no calendário. Mas bastou a notícia circular para acender um alerta — especialmente entre os militantes e simpatizantes do Partido dos Trabalhadores, que não esconderam a perplexidade diante do gesto.

O motivo é tão delicado quanto evidente: enquanto as bombas continuam caindo sobre a Faixa de Gaza e o número de civis palestinos mortos ultrapassa qualquer limite ético, senadores do PT, partido historicamente alinhado à causa palestina, votaram favoravelmente à proposta. E isso, para muitos, foi como passar um verniz de aprovação sobre o que o próprio PT já chamou de genocídio.

Não faz tanto tempo — foi em outubro passado — que o Partido dos Trabalhadores veio a público com uma posição firme e emocionada sobre o que estava acontecendo em Gaza. A nota oficial publicada pelo partido não poupava palavras: chamava o que se via ali de genocídio, falava em crimes contra a humanidade e exigia o fim imediato da violência contra o povo palestino. Era um posicionamento claro, que ecoava o sentimento de muitos brasileiros que se solidarizam com o sofrimento civil. Por isso mesmo, quando os senadores do PT endossaram a criação de um dia em homenagem à amizade com Israel, o impacto foi imediato — entre a base, entre os apoiadores históricos, entre os que esperavam coerência. A sensação, para muitos, foi a de um nó na garganta. Como se algo tivesse se quebrado.

“É uma contradição gritante”, diz um militante histórico do PT, que prefere não se identificar. “Não estamos falando de relações diplomáticas genéricas, mas de um momento extremamente sensível. Aprovar uma data simbólica dessas agora, no auge do massacre em Gaza, é dar munição para quem nos acusa de hipocrisia.”

O voto favorável foi justificado como um gesto de respeito à comunidade judaica no Brasil — que, é importante lembrar, não se confunde com o governo israelense. Ainda assim, críticos argumentam que, na prática, a decisão desconsidera o impacto simbólico do ato em um contexto internacional de profunda comoção.

Valter Pomar, historiador e um dos dirigentes do próprio partido, foi um dos primeiros a tornar pública sua indignação. Ele questionou abertamente o gesto, sugerindo que a votação parecia descompassada com os princípios que o PT sempre defendeu. E, principalmente, com o momento atual, em que imagens de crianças soterradas, hospitais bombardeados e famílias inteiras dizimadas continuam circulando mundo afora.

Na internet, a repercussão foi imediata. Muitos se disseram decepcionados. Outros, revoltados. Alguns buscaram entender o voto como parte de uma tentativa de equilibrar as relações internacionais — mas a maioria viu na decisão um recuo simbólico, quase uma anuência velada ao regime de apartheid e violência sistemática contra os palestinos.

Talvez, para quem acompanha de perto os meandros da política, a decisão faça parte de um jogo de tabuleiro complexo, em que cada peça tem um custo e cada movimento exige cálculo. Mas, para quem vê o mundo com os olhos da ética, da empatia e da solidariedade entre os povos, a pergunta continua ecoando: que tipo de amizade é essa, selada sobre os escombros de um povo?

Agora, resta saber se a Presidência da República vai sancionar a lei — e, mais do que isso, se o governo conseguirá sustentar um discurso de paz e justiça enquanto seus aliados no Congresso tomam decisões tão desconectadas da tragédia humana que ainda se desenrola diante dos nossos olhos.

Porque, no fim das contas, há momentos na história em que até um simples “sim” pode soar como uma traição ao já sofrido povo palestino que está sendo literalmente dizimado no conflito.  Uma guerra que, na opinião do Sulpost, já ultrapassou todos os limites do direito de se defender e que alem de sangrenta é insana, cruel e genocida.

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